05 Dezembro 2020
"Enquanto cresce uma espécie dominante, as demais espécies sencientes do Planeta se retraem e muitas são extintas", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 04-12-2020.
“É o crescimento da nossa população que está por trás de quase todos os problemas que infligimos ao planeta. Se houvesse apenas alguns de nós, então as coisas desagradáveis que fazemos realmente não importariam tanto e a Mãe Natureza cuidaria disso – mas há muitos de nós” - Jane Goodall (1934 – ), primatologista e conservacionista
O mundo vive uma emergência climática e ambiental em decorrência do crescimento excessivo das atividades antrópicas. Com as Grandes Navegações do século XV, os europeus conquistaram as Américas e estenderam a exploração e o domínio da máquina mercantil sobre a quase totalidade do Planeta. Com a Revolução Industrial e Energética, surgida na segunda metade do século XVIII, teve início o uso generalizado dos combustíveis fósseis e a adoção de um modelo de expropriação em larga escala da riqueza dos ecossistemas.
O gráfico abaixo mostra que o crescimento demoeconômico global, ocorrido entre 1950 e 2019, foi impressionante e sem igual. Em cerca de 70 anos, a população mundial cresceu 3 vezes, o PIB cresceu 13 vezes e a Renda per capita cresceu 4,2%. O crescimento demográfico foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens, pois a população que somava pouco mais de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 chegou a mais de 7,5 bilhões de habitantes em 2019.
Acrescentou-se novos 5 bilhões de habitantes entre 1950 e 2019. Nos próximos 50 anos o mundo deve acrescentar outros 2,5 bilhões de habitantes e, provavelmente, vai ter uma renda per capita 5 vezes maior do que os 2,5 bilhões de 1950. Portanto, o impacto dos próximos 2,5 bilhões de seres humanos será quintuplicado, agravando os problemas ambientais. Grupo de Trabalho Antropoceno (AWG) propõe a data ao redor de 1950 como início da mais nova Era geológica, sucedendo o Holoceno.
Reprodução: EcoDebate
Como mostra artigo publicado no site IHU (23/10/2020), os seres humanos consumiram, de 1950 até o presente (70 anos), uma quantidade de recursos energéticos (principalmente energias fósseis como o carvão e os hidrocarbonetos) superior ao que consumiram nossos antepassados no Holoceno, uma época geológica que se estende por aproximadamente 11.700 anos até a atualidade. Assim, o conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica da humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta. A dívida do ser humano com a natureza cresce a cada dia e a degradação ambiental pode, no limite, destruir a base ecológica que sustenta a economia e a sobrevivência humana.
Artigo de Steffen et. al (2015), que atualizou a metodologia e os dados das fronteiras planetárias, mostrou que quatro das nove fronteiras já foram ultrapassadas: Mudanças climáticas; Perda da biodiversidade; Mudança no uso da terra e Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e a Perda de biodiversidade, são o que os autores chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que pode levar a civilização ao colapso.
Enquanto cresce uma espécie dominante, as demais espécies sencientes do Planeta se retraem e muitas são extintas. O Relatório Planeta Vivo 2020, divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), no dia 10 de setembro, mostra que o avanço do processo de crescimento contínuo da produção e consumo de bens e serviços ao bel-prazer da humanidade tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado um ecocídio da vida selvagem que sempre existiu no planeta muito antes dos seres humanos. Enquanto cresceu a população humana, as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 68% entre 1970 e 2016, conforme mostra o gráfico abaixo.
Reprodução: EcoDebate
O mundo vive uma emergência sanitária, uma crise climática e um holocausto biológico. O relatório Planeta Vivo de 2020 aponta os sinais vermelhos que ameaçam os sistemas naturais vitais. O mundo precisa de uma profunda mudança cultural e sistêmica no sentido de valorizar a natureza. Isto não é simplesmente altruísmo, mas um meio para garantir a própria sobrevivência da humanidade.
A biodiversidade está diminuindo globalmente e a taxas sem precedentes em milhões de anos. A forma como produzimos e consumimos os alimentos e energia e o flagrante desprezo pelo meio ambiente enraizado nas atividades antrópicas, está levando o mundo natural aos seus limites. A covid-19, por exemplo, é uma manifestação clara de nosso relacionamento rompido com o meio ambiente.
Artigo de Strassburg et. al. (14/10/2020), publicado na revista Nature, mostra que meta de restauração dos ecossistemas, que poderia salvar potencialmente 400 mil espécies terrestres, é viável para 2050 e pode ser feita sem afetar profundamente os negócios tradicionais. O custo financeiro seria muito menor do que as gerações futuras terão que pagar pelo dano à natureza.
O artigo diz que a restauração extensiva de ecossistemas é cada vez mais vista como fundamental para a conservação da biodiversidade e a estabilização do clima da Terra. Embora metas nacionais e globais ambiciosas tenham sido definidas, as áreas prioritárias globais responsáveis pela variação espacial dos benefícios e custos ainda precisam ser identificadas. Os autores desenvolveram uma abordagem de otimização multicritério que identifica áreas prioritárias para restauração em todos os biomas terrestres e estima seus benefícios e custos. Descobriram que a restauração de 15% das terras convertidas em áreas prioritárias poderia evitar 60% das extinções esperadas enquanto pode sequestrar 299 gigatoneladas de CO2 (30% do aumento total de CO2 na atmosfera desde a Revolução Industrial).
A inclusão de vários biomas é fundamental para alcançar múltiplos benefícios. A eficácia de custo pode aumentar até 13 vezes quando a alocação espacial é otimizada usando nossa abordagem multicritério, que destaca a importância do planejamento espacial. Os resultados confirmam as vastas contribuições potenciais da restauração para enfrentar os desafios globais, ao mesmo tempo em que enfatizam a necessidade de buscar esses objetivos de forma sinérgica.
Artigo de Robert M. Beyer e Andrea Manica, publicado na revista Nature Communications (06/11/2020) diz: “A vulnerabilidade das espécies à extinção é fortemente impactada pelo tamanho de sua distribuição geográfica. Formular estratégias de conservação eficazes, portanto, requer uma melhor compreensão de como os intervalos das espécies do mundo mudaram no passado, e como eles mudarão em cenários futuros alternativos. Neste artigo, usamos reconstruções do uso global da terra e biomas desde 1700, e 16 cenários climáticos e socioeconômicos possíveis até o ano 2100, para mapear os intervalos de habitat de 16.919 espécies de mamíferos, pássaros e anfíbios ao longo do tempo. Estimamos que as espécies perderam em média 18% de seus tamanhos de habitat natural até agora, e podem perder até 23% em 2100”.
Em entrevista a Marília Marasciulo, da revista Galileu (14/10/2020), um dos autores do paper da Nature, o pesquisador brasileiro da PUC-Rio, Bernardo Strassburg, disse que “Causamos a mais acelerada degradação da natureza desde a extinção dos dinossauros”. Bernardo considera que é possível não só inverter a curva de degradação como modificá-la para uma de ganho, além de melhorar a condição da natureza: “Nos perguntamos se seria possível sermos a primeira geração humana a deixar uma condição da natureza melhor do que encontramos, e concluímos que, sim, é possível”. Tomara que ele tenha razão.
O fato, é que o desenvolvimento econômico aumenta o escopo das escolhas de vida disponíveis para a espécie humana e diminui as escolhas disponíveis para as demais espécies vivas do Planeta. O progresso social depende de como os indivíduos humanos farão uso do número crescente de oportunidades para alcançar os seus fins de consumo e bem-estar.
Assim, quanto mais enriquece a humanidade mais empobrece os ecossistemas e a biodiversidade da Terra.
O mundo deveria prestar atenção às palavras de Aldo Leopold (1886-1948): Os seres humanos não são uma espécie superior com direito a gerir e controlar o resto da Natureza (…) são simples membros da comunidade biótica”.
ALVES, JED. Antropoceno e Colapso Sistêmico Global, SCRIBD, 27/06/2020. Disponível aqui.
ALVES, JED. Os 25 anos da CIPD: Terra inabitável e o grito da juventude, Rev. bras. estud. popul. vol.36 São Paulo 2019 Epub Nov 04, 2019. Disponível aqui.
ALVES, JED. A dinâmica demográfica global em uma “Terra inabitável”, Revista Latinoamericana de Población, Vol. 14 Núm. 26, dezembro de 2019. Disponível aqui.
ALVES, JED. Antropoceno e a Crise Sistêmica, CEPAT, 27/06/2020. Disponível aqui.
WWF. Living Planet Report, 2020. Disponível aqui.
Joaquim Elcacho. Nos últimos 70 anos, queimamos mais energia do que nos 12.000 anos anteriores, La Vanguardia, tradução CEPAT, IHU, 23/10/2020. Disponível aqui.
Strassburg, B.B.N., Iribarrem, A., Beyer, H.L. et al. Global priority areas for ecosystem restoration. Nature, 14 October 2020. Disponível aqui.
Marília Marasciulo. “Causamos a mais acelerada degradação da natureza desde a extinção dos dinossauros”, entrevista com o pesquisador brasileiro Bernardo Strassburg, revista GALILEU, 14/10/2020. Disponível aqui.
Robert M. Beyer & Andrea Manica. Historical and projected future range sizes of the world’s mammals, birds, and amphibians, Nature Communications volume 11, Article number: 5633 06 November 2020. Disponível aqui.
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Cresce a espécie dominante e diminuem as demais espécies sencientes. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU