26 Novembro 2020
Filme lançado hoje (24) narra trajetória do Conselho Ribeirinho. À revelia da obrigação imposta pelo Ibama de executar o reassentamento, Norte Energia se recusa a cumprir condicionante cinco anos após a Licença de Operação.
A reportagem é de Isabel Harari, publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 24-11-2020.
Com lançamento global em 24 de novembro, o filme “Volta Grande” conta a história da violenta remoção de mais de 300 famílias ribeirinhas para a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu (PA), até sua organização e a conquista do direito de retorno para as margens do rio.
De uma população que não havia sido reconhecida como impactada pela hidrelétrica, os ribeirinhos se tornaram protagonistas na luta pelos seus direitos. O Território Ribeirinho, proposta elaborada inicialmente pelos ribeirinhos e debatida de forma participativa com a Norte Energia, concessionária da usina, foi aprovada pelo Ibama em novembro de 2019.
É um processo inédito na história da construção de hidrelétricas no Brasil: a garantia do direito de retorno dos ribeirinhos para a beira do rio, em um reassentamento na Área de Preservação Permanente (APP) do reservatório principal da usina.
À revelia da obrigação imposta pelo órgão licenciador, a empresa vem se recusando a cumprir a determinação. Em setembro, sem que nenhum esforço efetivo tenha sido feito para a implantação do reassentamento, a Norte Energia protocolou uma nova proposta ao Ibama que pretende diminuir o território e o número de famílias atendidas.
Em meio à pandemia de Covid-19, em mais uma violação aos direitos dos ribeirinhos, a empresa ainda ameaça entrar com processos de reintegração de posse contra aqueles que se abrigam nas beiras do rio, no Território Ribeirinho, enquanto aguardam a efetivação de seu direito ao retorno.
A data de lançamento do filme marca os cinco anos da emissão da Licença de Operação da hidrelétrica, projeto marcado por diversos e desastrosos impactos socioambientais. Dentre as dívidas acumuladas, uma das principais é o reassentamento incompleto das famílias expulsas de suas casas no Xingu.
A partir de 2015, com o enchimento do reservatório da usina de Belo Monte, as famílias ribeirinhas que viviam nas ilhas e margens do Xingu foram compulsoriamente removidas de suas casas.
Embora tenham uma história e modo de vida profundamente ligados ao seu território, não foram consideradas em suas particularidades e não lhes foi oferecida, no momento de sua retirada do rio Xingu, uma alternativa que permitisse continuar a viver do modo como faziam.
Expulsos para o centro urbano e a zona rural de Altamira, distantes do rio e das condições para garantirem seu modo de vida, os ribeirinhos lutaram para ter seus direitos respeitados e, principalmente, voltar para a beira do Xingu.
Os ribeirinhos se organizaram entre seus próprios pares e criaram, em dezembro de 2016, o Conselho Ribeirinho. Essa articulação única teve papel fundamental no reconhecimento das famílias deslocadas, na defesa de seus direitos e na construção de uma proposta territorial que possibilitasse a reconstituição de seu modo de vida. Em 2018, o Ibama reconheceu formalmente o Conselho como parte legítima na interlocução para a construção da proposta territorial.
“Nos sentimos tão felizes que parece que nem saímos. Valeu a pena, vamos conseguir voltar para o lugar que a gente sempre viveu”, comemora Leonardo Batista, o seu Aranô. Ele faz parte das 194 famílias que ainda aguardam o reassentamento.
“A história do Conselho é um exemplo para as demais populações impactadas por grandes obras de infraestrutura que enfrentam violações aos direitos e o apagamento de suas identidades e modos de viver”, comenta Ana De Francesco, antropóloga que faz parte do grupo de apoio ao Conselho Ribeirinho.
Para a elaboração de uma nova proposta territorial a Norte Energia fez consultas individuais com as famílias ribeirinhas por meio de um “Estudo de fragilidade social”, desrespeitando a transparência e o processo coletivo, que deveria ter sido feito com participação do Conselho Ribeirinho. A empresa colocou em xeque o direito ao reassentamento das famílias reconhecidas pelo Conselho sobre o pretexto de que não estariam aptas a retornar para seu lugar de origem por questões de “fragilidade social” – relacionadas à condições de saúde física e mental de seus integrantes.
Em nota, quatro organizações, entre elas a Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), além de seis profissionais de saúde mental e coletiva, refutam o questionário aplicado pela empresa e recomendam que o estudo seja cancelado “para que o capacitismo não produza entraves no processo de ocupação do território já acordado entre as partes”. [Leia na íntegra]
“Tais questões, assim detalhadas, além de sustentadas por uma compreensão ultrapassada e retrógrada de deficiência, desconsideram o modo de vida dessa população, que se sustenta em uma organização comunitária”, diz o texto.
“Ainda, a empresa desconsidera que a permanência destas famílias na cidade, e o longo período em que estão desterritorializadas, são fatores determinantes do agravamento de suas condições de saúde e de sua situação de fragilidade social”, reitera a psicanalista Ilana Katz.
O reassentamento dos ribeirinhos visa atender a condicionante 2.6 da Licença de Operação de Belo Monte, cuja premissa é a garantia da recomposição e reprodução do modo de vida ribeirinho por meio, sobretudo, da garantia de seus direitos territoriais. O projeto foi amplamente discutido e ajustado, sendo apresentado ao Conselho Ribeirinho em junho de 2019 e aprovado pelo Ibama em novembro daquele mesmo ano, no Parecer Técnico nº 126/2019-COHID/CGTEF/DILIC].
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Volta Grande: ribeirinhos conquistam direito de retornar para seu território após serem expulsos por Belo Monte, no Pará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU