19 Novembro 2020
Pelo menos 220 indígenas e 57 quilombolas foram eleitos no país no último domingo. Número de eleitos tem crescimento razoável, segundo dados do TSE e dos movimentos sociais.
Ilustração: Instituto Socioambiental - ISA/Rib's
A reportagem é de Oswaldo Braga de Souza, Letícia Leite, Victor Pires, Maria Fernanda Ribeiro, Bryan Araújo em levantamento especial para o Instituto Socioambiental - Isa, 18-11-2020.
As eleições de 2020 foram um marco para os povos indígenas e os quilombolas do país. No total, foram eleitos, pelo menos, 220 indígenas no último domingo: 10 prefeitos, 10 vice-prefeitos e 200 vereadores. Nesse universo, 34 mulheres indígenas elegeram-se ou 15% do total. Além disso, os quilombolas contam agora com um prefeito, um vice-prefeito e 55 vereadores.
As informações sobre indígenas que assim se autodeclararam à justiça eleitoral são do portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esses candidatos somam 206 pessoas. Até agora, há, no entanto, pelo menos 14 candidaturas que optaram por não se autodeclarar indígenas no site do TSE, mas que foram mapeadas e contabilizadas por organizações vinculadas à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) por serem lideranças publicamente reconhecidas como indígenas (veja tabela consolidada pelo ISA). Ainda segundo a Apib, os candidatos eleitos até agora pertencem a 47 povos e 85 municípios de todas as regiões do país.
O número pode ser maior, já que entidade segue apurando os dados de candidatos não autodeclarados indígenas e as eleições em Macapá (AP) foram suspensas em função do corte de energia no Estado.
Os dados sobre quilombolas são da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). A Justiça eleitoral permite a autoidentificação segundo a cor/raça branca, parda, negra, amarela e indígena, mas não faz nenhum registro ou contabilização sobre quilombolas.
A Conaq disponibilizou as informações de cada Estado. A organização tentou suprir a lacuna por meio de monitoramento próprio feito por suas coordenações estaduais. O levantamento indica um total de mais de 500 candidaturas quilombolas em 2020, sendo 350 ligadas diretamente à pauta política do movimento em todos os Estados. Aqueles com maior participação quilombola nessas eleições foram Pernambuco, Bahia, Maranhão e Minas Gerais, todos com mais de 40 candidaturas cada. A Conaq estima um aumento de 45% em relação às eleições de 2016 (saiba mais).
Considerando apenas os números oficiais do TSE de 206 indígenas eleitos neste ano, houve um aumento de quase 12% na comparação com 2016, quando foram eleitos 184 indígenas. Os Estados com maior quantidade de eleitos são Amazonas (38), Paraíba (18), Pernambuco (17) e, com 15 eleitos cada, Roraima e Bahia. Os Estados com menos eleitos, apenas um cada, são: Rio Grande do Norte, Goiás, Espírito Santo e Piauí. Sergipe e Rio de Janeiro não elegeram indígenas
O Brasil registrou 2.216 candidatos indígenas em 2020, um aumento de 26% em relação ao pleito de 2016, que contou com um total de 1.715 candidaturas desse tipo.
A Região Norte, que também abriga 4 em cada 10 indígenas brasileiros, foi a campeã em representatividade, com 930 candidaturas.
O Nordeste veio em segundo lugar, com 512, seguido do Centro-oeste, com 366.
O Sul teve 241 e o Sudeste, 167. O grande avanço em relação às últimas eleições ocorreu nas candidaturas majoritárias, para prefeitos e vice. Nestas eleições, foram 38 candidatos indígenas a prefeito e 72 candidatos a vice-prefeito.
Além disso, 23 dos 26 estados brasileiros tem candidaturas desse tipo ao Executivo municipal. Em 2016, foram 16 Estados. Os dados também são do TSE e já haviam sido divulgados pelo Copiô, Parente, o podcast para povos indígenas e povos da floresta do ISA.
Kléber Karipuna, da coordenação da Apib, acompanhou vários candidatos indígenas durante todo o processo eleitoral. Ele considera as eleições de 2020 uma grande vitória para o movimento indígena.
“Mesmo nessa situação de pandemia, que atrapalhou bastante essas candidaturas, é um número considerado satisfatório e significante de crescimento de representatividade nos poderes, tanto legislativo como executivo e no Brasil inteiro”, avalia. De acordo com ele, a Apib pretende seguir em articulação com os candidatos eleitos e não eleitos para ampliar ainda mais a representatividade em 2022. “Agora é continuar como movimento indígena nessa luta de articulação dos povos indígenas na ocupação dos espaços e na defesa dos nossos direitos”, conclui.
“É preciso mostrar a que viemos”, disse Marcos Xucuru, eleito prefeito de Pesqueiras, a 215 km de Recife, no sertão pernambucano. Ele acompanhou o resultado em casa, com a mãe, esposa e filhos. Ao saber do resultado, foi ao encontro de lideranças que o aguardavam dançando e fazendo um ritual de agradecimento à Nossa Senhora das Montanhas na aldeia de Cimbres, na Reserva Indígena Xucuru de Cimbres.
“Meu desafio será antes de mais nada colocar a casa em ordem. Uma prefeitura que vem nas mãos de um grupo político há mais de 30 anos no nosso município. Preciso ter uma equipe muito forte para poder garantir que temos condição de implementar um modelo de governança participativa, com orçamento participativo e trazer o povo para esse novo contexto”, afirma.
A candidatura de Xucuru foi questionada judicialmente por seus adversários, mas enquanto o processo não for concluído ele tomará posse e exercerá o mandato.
Em Roraima, dez indígenas foram eleitos vereadores em quatro municípios. O número corresponde a 6,3% dos 157 parlamentares eleitos nos 15 municípios do Estado.
Uiramutã, no norte do Estado, lidera o ranking, com seis vereadores indígenas eleitos, o que corresponde a maioria das vagas na Câmara de Vereadores. Normandia aparece em seguida, com dois parlamentares indígenas eleitos. Bonfim e Amajari elegeram um vereador indígena cada.
As eleições municipais de 2020 também marcaram a presença de candidatos indígenas no Poder Executivo. A partir de janeiro, Normandia e Uiramutã serão administrados por prefeitos autodeclarados indígenas.
Tuxaua Benisio (Rede) recebeu 42,4% dos votos válidos, o equivalente a 2.066 votos no total, para a prefeitura de Uiramutã. Ele tem 52 anos, é da etnia Macuxi, agricultor, com ensino fundamental incompleto, é uma importante liderança da comunidade indígena Pedra Branca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Outro candidato autodeclarado indígena eleito prefeito em Roraima, Dr. Raposo (PSD), recebeu 1.463 votos válidos, 24,3% do total, para administrar Normandia. Da etnia Macuxi, Dr. Raposo, 42 anos e é formado em Direito pela Faculdade Cathedral.
Em Bomfim, Mário Nicácio foi eleito para vice-prefeito. Ele é uma experiente liderança com trajetória destacada no movimento indígena nacional e regional, já tendo sido um dos dirigentes do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
As candidaturas indígenas de Roraima contaram com o apoio da deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), a primeira indígena eleita para o Congresso Nacional, em 2018.
O Território Indígena do Xingu (TIX), que agrega quatro Terras Indígenas no nordeste do Mato Grosso, conseguiu eleger o professor Atayawana Kanato (MDB), da etnia Yawalapit, como vereador de Gaúcha do Norte, com 135 votos, o correspondente a 3,82% dos votos válidos. Outros cinco indígenas disputaram uma vaga pelo mesmo município, mas ficaram como suplentes. Foi a segunda vez que Kanato, 41 anos, participou de uma eleição. A primeira foi em 2008, quando ficou como suplente.
No Pará, foram eleitos oito candidatos indígenas. No município de Ourilândia do Norte, Bep Korotiri Kayapó (PSC) garantiu uma vaga após receber 420 votos, o correspondente a 2,85% dos votos válidos. Foi a primeira vez que ele, aos 36 anos, disputou uma eleição. Outros três indígenas da mesma etnia também concorreram, mas não foram eleitos.
Segundo a Conaq, o número de 57 eleitos quilombolas nessa eleição representa mais de 10% do total de candidatas e candidatos quilombolas concorrendo.
Em Cavalcante (GO), foi eleito o único prefeito quilombola do país, Vilmar Kalunga (PSB). No estado, também venceram nove vereadores. Já no Maranhão, onde as comunidades lutam há anos contra o projeto de expansão do Centro de Lançamentos de Alcântara, base de foguetes localizada no município de mesmo nome, foram eleitos 14 vereadores quilombolas, sendo 11 em Alcântara. Além disso, o vice-prefeito Nivaldo Araújo (PROS), que venceu na chapa com Padre William (PL), é quilombola.
“Essa campanha foi muito simbólica para as comunidades quilombolas. Alcântara é um dos municípios em que territórios quilombolas têm sofrido mais ataques do neoliberalismo incentivado pelo presidente. É um marco de resistência”, avalia Antônio João Mendes, do quilombo de Conceição das Crioulas, em Pernambuco, coordenador do monitoramento independente das candidaturas da Conaq.
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Urnas demarcadas: Brasil elege maior número de candidatos indígenas na história da democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU