11 Novembro 2020
No âmbito ambiental, chegou a hora do mimetismo estadual do desgoverno nacional. No dia 22 de Abril de 2020, na fatídica Reunião do Presidente com os seus Ministros, o anti-Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, propôs fazer uma “baciada” de reformas infra legais nas regras ligadas à proteção ambiental e ao agronegócio.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 10-11-2020.
Salles aproveitou o foco da imprensa na Pandemia para “deixar passar a boiada”: mudar o “emaranhado de regras irracionais que atrapalha o desenvolvimento sustentável no Brasil” sem prestar contas ao Congresso nem à sociedade. Em seguida, anistiou desmatadores, militarizou, censurou, sucateou, demitiu fiscais, liberou agrotóxicos.
No dia 28 de Outubro de 2020, o Governador da Paraíba, João Azevedo Lins Filho (Cidadania-PB), adotando a recomendação de Salles para “deixar passar a boiada”, logrou a publicação da Lei no 11.797 que desafeta o Parque Estadual do Poeta Juvenal de Oliveira, uma Unidade de Conservação (UC) inserida na lista das Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade na Caatinga, entre São José da Mata e o Cariri Paraibano, zonas consideradas de importância biológica alta e extrema, com habitats de Caatinga arbórea densa e arbustiva aberta.
Para justificar a desafetação do Parque do Poeta (nome popular), o Governador apontou a proteção ambiental como um entrave para o desenvolvimento econômico abrindo caminho para todo tipo de investimentos privados na área de 267 hectares.
A publicação da Lei que extingue o Parque do Poeta para viabilizar um Shopping Center e um Centro de Convenções foi legitimada por um Relatório Técnico da Coordenadoria de Estudos Ambientais (CEA) da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) da Paraíba. Emulando a política de destruição do meio ambiente de Salles, a CEA conclui que “a unidade de conservação se encontra em tal estágio de degradação ambiental que a gestão da mesma revela-se inviável”.
Em vez de responsabilizar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) pelo estado atual daquela UC, recomendando um plano para sua recuperação, a CEA declara a falta de sentido em sua manutenção, abrindo caminho para a reapropriação legal da natureza pelo capital.
Redigido um mês antes da publicação da polêmica Lei, o Relatório da Sudema parece ter sido “encomendado” às pressas como uma Licença Técnica para viabilizar a privatização e mercantilização dessa área ambiental pública, deliberadamente abrindo um precedente para toda sorte de empreendimentos comerciais e imobiliários naquela e em outras UCs do Estado.
Confirmando a suspeita de que o Relatório da Sudema foi fabricado para viabilizar a penetração de interesses privados no espaço ambiental público do Parque do Poeta, o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado, o Deputado Adriano Galdino (PSB), no dia da aprovação da Lei no 11.797, agradeceu à iniciativa do Executivo assim: “Só tenho a agradecer ao Governador João Azevedo pela sensibilidade por dar ao povo de Campina, principalmente ao empresariado, esse instrumento que vai revolucionar a economia local, gerando emprego e renda”. Já o Líder do Governo, Deputado Ricardo Barbosa (PSB), relator da questionável proposta, referendou que a área tem como destino a construção de um Shopping. Possivelmente, as conclusões do Relatório da CEA já existiam antes do diagnóstico, que está longe de ser um Relatório técnico, como denúncia a Articulação Interinstitucional pró-Revitalização do Riacho das Piabas (ARRPIA).
Na dinâmica assimétrica das relações poder / saber em Brasília, em relação à Amazônia, e na Paraíba, em relação ao Parque do Poeta, assiste-se a prevalência do argumento da autoridade (Poder) sobre a autoridade do argumento (Saber) em detrimento da vida (Ética). Assim como o Ministério de Salles tripudia sobre o conhecimento científico / popular e sobre as institucionalidades locais, em relação à sustentabilidade de todas as formas e modos de vida humana e não humana na Amazônia, a CEA da Paraíba também desrespeita tanto o conhecimento científico sobre recuperação de áreas ambientais degradadas quanto a institucionalidade local associada à questão ambiental.
De forma antidemocrática, em sua gestão das relações entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e a natureza no processo de inovação, a CEA não envolveu, por exemplo, o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), coincidentemente localizado em Campina Grande-PB, nem a ARRPIA e nem a população local.
Afirmando que a proteção ambiental é um “entrave” ao desenvolvimento econômico da Paraíba, para extinguir o Parque do Poeta e construir um Shopping Center e um Centro de Convenções, o Governador João Azevedo emula o anti-Ministro do Meio Ambiente que considera as regras de proteção ambiental um “obstáculo” ao desenvolvimento sustentável do país. Será que esse tipo de iniciativa se restringe só à Paraíba? Outros Governadores podem aproveitar o foco da imprensa na Amazônia, nas vacinas para a COVID-19, nas eleições dos Estados Unidos, para mimetizar a “passagem da boiada ecocida” agora em “currais estaduais”.
Denunciemos iniciativas semelhantes; essas “baciadas” infralegais ameaçam regras institucionais que protegem a natureza, em nome do desenvolvimento, destruindo microrrelações / significados / práticas locais que geram a vida, sustentam a vida e dão sentido à existência de todas as formas e modos de vida humana e não humana nos espaços ambientais públicos.
Até quando? A que custo?
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‘Boiadas ecocidas’ nos Estados, em nome do desenvolvimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU