23 Setembro 2020
Eu não teria chegado aqui se... Le Monde interroga uma personalidade num momento decisivo da sua existência. Nesta entrevista realizada em 2010, Michael Lonsdale falou de uma época de grandes atores que em parte desapareceram. Ele também falou de sua fé cristã, que o tornava tão singular.
A entrevista é de Annick Cojean, publicada por Le Monde, 21-09-2020. A tradução é de André Langer.
Nossa jornalista Annick Cojean entrevistou Michael Lonsdale por ocasião da apresentação do filme Homens e Deuses em Cannes em 2010. Na época, a entrevista foi publicada na Le Monde Magazine em 7 de maio. Por ocasião de sua morte, decidimos republicá-la
EU NÃO TERIA CHEGADO AQUI SE...
...Se uma magnífica professora de teatro, Tania Balachova, minha segunda mãe, não tivesse me revelado e me tirado do meu silêncio, da minha timidez e das minhas inibições.
Eu tinha 22 anos e sonhava em ser ator desde que vi, na minha infância, dezenas de filmes americanos trazidos pelos Aliados quando desembarcaram no Marrocos. Eu estava louco por eles. Saía das sessões entusiasmado, eletrizado, sem conseguir dormir. E então um dia, em Paris, me apresentei no Studio des Champs-Elysées. Tania, suntuosa, estava perto do bar. Delphine Seyrig estava ensaiando Romeu e Julieta. Vitez estava lá, Terzieff estava prestes a passar. E também Trintignant. O sonho absoluto. Foi graças a ela que pude sair da minha concha e aprender a expressar tudo, tanto os sentimentos mais belos como os mais desprezíveis, incluindo a violência de que me julgava incapaz.
O que você estava procurando? O que prevaleceu em suas escolhas profissionais?
Eu procurava pessoas que tivessem algo a dizer. Um tio que trabalhava na NRF [La Nouvelle Revue Française] me aconselhou a ler e me deu o gosto por belos textos. Então, que alegria foi conhecer Beckett, Ionesco, Duras... E depois, eu sempre optei pela aventura e pela novidade, muito mais feliz por criar obras da minha época do que assumir o repertório. Várias vezes me ofereceram para ingressar na Comédie-Française. Eu recusei. De que adianta assumir funções que já foram tão bem desempenhadas? Eu preferi a invenção e a exploração de um Claude Régy, que me levou por caminhos novos e luminosos.
No filme de Xavier Beauvois “Homens e Deuses”, você encarna o papel de um dos sete monges de Tibhirine assassinados na Argélia.
Eu faço o papel do Irmão Luc, que cuidava das tarefas mais humildes do mosteiro e se dedicou aos doentes e aos pobres durante mais de quarenta anos. Um testemunho importante sobre o sacrifício, e um novo papel como religioso para mim, que, depois de O Nome da Rosa, fiz o papel de um padre rural, um pároco, um cardeal, um bispo e até um papa!
A religião é importante para você?
É uma grande parte da minha vida. Essa é até a parte essencial. Digamos que a palavra de Cristo é a mais bela que já ouvi como proposta de vida. Ele disse: Eu sou a Vida, a Verdade e o Caminho. Eu sei que ele não está mentindo e confio nele. Como uma criança confia cegamente em seu pai, em cujos braços ela sabe que pode encontrar refúgio. Mas eu só fui batizado aos 22 anos! Meu pai, inglês, era protestante e nunca pôs os pés no templo. Minha mãe era católica, mas tinha asco de irmãs terríveis, que a ameaçaram com o inferno e a condenação. Portanto, a fé, para mim, veio lentamente.
Na forma de uma pergunta?
De uma certeza. De uma felicidade. Como todas as vezes que vejo que colocamos em prática as palavras de Cristo: “Amai-vos uns aos outros”. E quando nos abstemos de julgar e condenar qualquer ser humano.
Você não foi atraído para a vida religiosa?
Eu pensei sobre isso. Mas eu tinha essa necessidade absoluta de pintar – como uma contemplação – e fazer teatro. O artista também busca a verdade, a justiça e a beleza.
Suas crenças religiosas o levaram a recusar papéis?
Recusei-me a filmar Amém, de Costa Gavras. Eu não queria contribuir para desacreditar um papa, Pio XII, colocado durante a guerra diante de um dilema impossível, e cuja menor crítica a Hitler corria o risco de causar a deportação de todos os padres sem mudar o destino dos judeus. E depois, quando um taxista me perguntou: “Mas por que você sempre faz os caras maus?”, pensei comigo mesmo que era a vox populi e recusei os papéis de personagens sombrios e malévolos.
Existem muitos crentes no mundo artístico?
Muito, mas muitos não querem que seja conhecido. E isso é uma pena! A fé não deve ser algo que devemos guardar só para nós. É para ser compartilhado. Para proclamar!
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“A religião é uma parte essencial da minha vida”. Entrevista com Michael Lonsdale - Instituto Humanitas Unisinos - IHU