10 Setembro 2020
"Como o poder na Igreja deriva de Cristo ressuscitado ele só pode ser utilizado para a evangelização de todos, com todas as suas consequências como o fez, de forma exemplar, Pedro Casaldaliga que agora, junto a Deus intercede por todos nós", escreve José Afonso de Oliveira, professor aposentado da Unioeste.
Hoje está muito em evidência o envolvimento da Igreja com o poder, não que em outros momentos isso não existisse, mas agora essa aliança penetra dentro da própria Igreja.
Acabamos de assistir o velório e enterro de Pedro Casaldaliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia. Dentro do caixão estava o corpo de Pedro, vestido como qualquer pessoa com uma estola feita de retalhos do povo da Nicarágua. Descalço, sem nenhum símbolo de poder pois que ele fez isso a vida inteira.
Essa imagem destoa fortemente, mas revela toda uma situação vivencial, existencial de alguém fortemente comprometido com o evangelho e com todos aqueles que estão hoje vivendo em nossas periferias amazônicas, convivendo aí com peões super explorados, prostitutas, indígenas, todos tendo em comum uma vida que é sistematicamente destruída pelos poderosos deste tempo. Todos tendo também um defensor na figura de Pedro Casaldaliga que veio para servir e não ser servido assim como o fez Jesus Cristo no passado.
Toda essa questão do poder remete ao século III quando o imperador Constantino se converte ao cristianismo. Até então o cristianismo é um estilo de vida duramente perseguido como a morte de várias formas de extrema violência, mas em todo esse tempo a Igreja cresceu, se expandiu e se firmou.
Com Constantino temos o inicio da cristandade, isto é, a aliança entre o poder e a Igreja, momento em que os não cristãos serão de agora em diante duramente perseguidos e, porque não dizer, mortos ou submetidos a violências de todos os tipos inimagináveis.
Por conta da cristandade a Igreja vai assumir as formas do Império Romano na sua administração, na suntuosidade de seus templos com a arquitetura romana, enfim o bispo de Roma vai lenta ou aceleradamente assumindo a figura do imperador, transformando a cidade de Roma no centro do cristianismo.
Tudo isso será exacerbado com a Idade Média quando então admite-se que o Reino dos Céus se estabelece na terra e originando, dessa forma uma sociedade teocrática onde o poder da Igreja é absoluto e o papa exerce o seu poder sobre toda a Europa.
Evidentemente tudo isso pertence ao passado, mas ainda é bastante visível nos dias atuais onde o papa é um chefe de estado, sendo que a alta hierarquia da Igreja com seus cardeais, arcebispos e bispos considerados ainda como príncipes da Igreja.
Foi com o Concílio Ecumênico Vaticano II que toda essa forma de ser Igreja começou a ser discutida, sofrendo mutações importantes. Mas aqui há um fato muito importante tendo ocorrido, às margens do Concílio nas catacumbas de Roma onde alguns bispos liderados por Dom Helder Câmara assinam um documento intitulado como Pacto das Catacumbas onde renunciam a todo aparato de poder eclesiástico, deixam os seus palácios ou toda a forma de poder e enriquecimento para se voltarem às suas missões específicas junto aos marginalizados existentes, mundo afora.
Ainda temos hoje muito que avançar para que esse Pacto das Catacumba possa ser vivenciado por toda a Igreja. Bem verdade que o Papa Francisco, desde o seu trajar até a sua habitação já renunciou, desde o momento de sua apresentação pública como bispo de Roma, que foi o título como ele se apresentou, a todo aparato de poder.
A Igreja tem em Jesus Cristo o seu modelo de vida e centro de toda a sua existência e deve, obrigatoriamente, ter uma forma de posicionamento no mundo de extrema simplicidade, vivenciando o poder que é sempre um serviço a todos que necessitam, de uma forma preferencial para com os mais pobres, sejam eles todos aqueles que não tem mais como sobreviver materialmente em todo esse mundo marginalizado do capitalismo ou aqueles que estão no centro mais rico do mundo capitalista, as suas relações com os migrantes do mundo todo que aí aparecem para tentarem viver.
Como o poder na Igreja deriva de Cristo ressuscitado ele só pode ser utilizado para a evangelização de todos, com todas as suas consequências como o fez, de forma exemplar, Pedro Casaldaliga que agora, junto a Deus intercede por todos nós.
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Cristianismo e poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU