18 Junho 2011
O professor e doutor em teologia da Faculdade Valdense de Teologia de Roma, Paolo Ricca, responde, no texto a seguir, a uma pergunta enviada por um leitor à revista Riforma, publicação das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses, 17-06-2011.
Segundo Ricca, o mistério do Deus no qual acreditamos é que Deus é onipotente "no sentido de que é amor, e o seu poder nada mais é do que o poder do amor. Com a sua vida e a sua morte, Jesus retratou esse amor ao vivo, diante de nossos olhos, e nós vimos que é um amor desarmado, ou seja, um amor que não se trai impondo-se com a força". A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisado pela IHU On-Line.
Eis o diálogo.
Sou membro da Igreja valdense de Luserna São João. No Domingo de Ramos deste ano, participei do culto durante o qual foi realizado o batismo ou a confirmação de nove catecúmenos que, publicamente, diante de quase 400 pessoas, leram uma confissão de fé em que está presente a afirmação que segue: "Não acreditamos que Deus seja onipotente". Pergunto-me, então: o que é a confirmação hoje? Há 41 anos, mais ou menos, à pergunta do pastor "Credes nisto?", eu respondi: "Sim, com a ajuda de Deus".
Daniela Tomasini – Luserna São João
* * *
Essa carta contém duas questões, uma implícita e a outra explícita. A primeira diz respeito à afirmação de nove catecúmenos de Luserna São João (vales valdenses), que, por ocasião da sua confirmação (ou batismo), leram publicamente, durante o culto, uma "confissão de fé" na qual, dentre outras coisas, declararam: "Não acreditamos que Deus seja onipotente".
Na presença dessa declaração, presumo que a nossa leitora (e, provavelmente, não só ela) se propôs a óbvia pergunta: "Uma afirmação desse tipo é cristã?". Dessa pergunta implícita, surgiu a explícita: "O que é a confirmação hoje?", que acredito que deve ser lida assim: "Como é possível confirmar, isto é, acolher como membros da Igreja, pessoas que não acreditam em um Deus onipotente?".
São duas perguntas extremamente sérias. Deveria responder a ambas, mas, por razões de espaço, posso responder só à primeira, articulando a resposta em três pontos.
1. A afirmação de que Deus é onipotente faz parte – como todos sabem – do ABC da fé cristã. A Bíblia diz isso de muitos modos, no Antigo e no Novo Testamento. Em muitas passagens do livro de Jó e do Apocalipse, o Onipotente é o próprio nome de Deus: ao invés de dizer "Deus", diz-se "o Onipotente".
Essa qualificação é repetida, concordemente, pelas grandes confissões de fé da Igreja antiga, assumidas por toda a cristandade de todos os tempos, até os nossos dias. O Credo Apostólico, por exemplo, começa notoriamente assim: "Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra...". "Todo-Poderoso" [onipotente] é o único adjetivo que o Credo atribui a Deus Pai, como se a primeira coisa a ser dita quando se confessa a fé nele fosse justamente esta: declarar a sua onipotência. "Onipotente" é o atributo divino que resume e fundamenta todos os outros.
Assim sendo, é difícil não dar razão a Karl Barth quando escreve: "Falar da impotência de Deus significa simplesmente esquecer que se fala dele (...) Deus não é nada semelhante a uma sombra, a um fantasma inofensivo, é o contrário da impotência" (1). Mas também é o contrário da onipotência humana.
Por isso, quando se fala da onipotência de Deus, é preciso sempre lembrar e sublinhar o fato de que não é a onipotência que é Deus; é Deus – o Deus que se revelou a Israel, que Jesus chamou de "Pai" – que é onipotente. Deus não é um atributo da onipotência, mas a onipotência é um atributo de Deus.
A onipotência, em si mesma, não só não é divina, mas pode até ser diabólica. Muitos comandantes militares e líderes políticos, possuídos por um delírio de onipotência, causaram infinitos lutos e sofrimentos à humanidade. A onipotência de Deus não tem nada em comum com a sua suposta onipotência, que tem o rosto sinistro da tirania, da violência e da prepotência. A onipotência de Deus é exatamente o contrário da sua. Poder-se-ia dizer que Deus é "impotente" ou "não onipotente" com relação aos critérios humanos da onipotência, sempre repleta de prepotência.
2. Por outro lado, é um fato conhecido que o discurso sobre a não onipotência de Deus, ou sobre a sua impotência, foi feito pelo menos por dois notáveis expoentes do pensamento religioso, um cristão, Dietrich Bonhoeffer, e o outro judeu, Hans Jonas.
O primeiro, nas suas Cartas do cárcere, falou repetidamente da "impotência de Deus". São passagens conhecidas, frequentemente citadas. Vou citar apenas uma, exemplar, da carta do dia 16 de julho de 1944: "Deus se deixa empurrar para fora do mundo, sobre a cruz. Deus é impotente e fraco no mundo, mas é justamente assim que ele permanece conosco e nos ajuda. Claramente se diz em Mateus 8, 17 que Cristo não nos ajuda em virtude da sua onipotência, mas sim em virtude da sua fraqueza, de seu sofrimento!". A carta termina falando sobre o "Deus da Bíblia, que conquista poder e espaço no mundo por meio da sua impotência" (2).
Não é possível aqui, por óbvias razões de espaço, ilustrar o significado e o porte desse discurso de Bonhoeffer. Basta observar que, aqui, a não onipotência ou impotência de Deus não é uma afirmação geral sobre Deus em si mesmo, mas está indissoluvelmente relacionada à paixão de Jesus, por isso é uma afirmação sobre Deus em Cristo, e mais precisamente em Cristo crucificado. O discurso de Bonhoeffer nasce da meditação sobre a cruz.
Por associação, o pensamento se desloca ao apóstolo Paulo quando diz: "Quando sou fraco, então é que sou forte" (II Coríntios 12, 10). Esse paradoxo tem suas raízes e explicação na história de Jesus, que, em sua paixão, foi "forte" justamente na extrema fraqueza da cruz ou, como diz Bonhoeffer, "conquistou espaço e poder neste mundo" na completa impotência de um inocente executado pela violência e prepotência humanas. Na história da paixão, Herodes, Pilatos e Caifás aparecem como onipotentes; Deus em Jesus aparece como impotente. Mas não é uma impotência derrotada, mas sim vitoriosa.
O segundo discurso sobre a não onipotência de Deus – também muito conhecido – é o do filósofo judeu Hans Jonas, que, no seu breve escrito O conceito de Deus depois de Auschwitz, sustentou a seguinte tese, que, na verdade, já havia sido defendida por outros antes dele. Falando em primeira pessoa, Jonas basicamente diz: "Foi-me ensinado, quando criança, que Deus é bom e onipotente. Depois de Auschwitz, não posso mais acreditar que Deus seja ambas as coisas, porque, se fosse verdadeiramente bom e onipotente, teria impedido Auschwitz. Se não fez, quer dizer ou que ele não é bom (portanto, permaneceu indiferente diante daquela tragédia inaudita), ou que não é onipotente (portanto, não pôde ou não soube impedi-la). Assim, devo escolher entre acreditar em um Deus onipotente, mas que não é bom, ou em um Deus bom, mas que não é onipotente. Prefiro acreditar em um Deus bom, mas não onipotente".
Como se vê, o discurso de Jonas tem uma coerência interna, não alheia à lógica da fé. Se eu realmente tivesse que escolher entre onipotência e bondade de Deus, confesso que eu também escolheria, como Jonas, a bondade. Mas acredito que essa escolha não é necessária, pela razão que veremos em breve.
3. Neste ponto, depois de ter esclarecido (minimamente) em que sentido Deus é onipotente e em que sentido se pode falar de uma impotência ou não onipotência sua, só resta me dirigir diretamente aos nove catecúmenos de Luserna São João e perguntar-lhes: "O que vocês queriam dizer declarando `Não acreditamos que Deus seja onipotente`?". Não acredito que queriam dizer que Deus é um pobre diabo de deus (desculpem o trocadilho!), que não consegue fazer o seu trabalho, que não têm capacidade para isso e talvez nem mesmo vontade, é um Deus de série B, que faz aquilo que pode, mas não pode muito e, portanto, não pode tudo, porque o seu poder é limitado (por quem?). Se foi isso que vocês quiseram dizer – mas não acredito –, então é claro que a sua afirmação, que na realidade é uma negação, coloca-se fora da fé cristã.
Se, ao contrário, como eu penso, pretendiam falar do Deus que conheceram mediante a história de Jesus, que, na primeira parte da sua vida, se manifestou verdadeiramente como onipotente (pensemos nos chamados "milagres", que, nos evangelhos, são chamados significativamente de "obras poderosas") , as multidões de fato o seguiam porque ele conduzia, de maneira vitoriosa, a grande batalha da cura contra a doença, da graça contra o pecado, da liberdade contra todas as formas de servidão, da vida contra a morte. Mas depois, na última parte da sua existência – a paixão –, ele não se manifestou mais como onipotente, embora continuando a sua batalha contra o mal, mas combatendo de outro modo, isto é, tomando-o sobre si, carregando-o sobre as costas junto com a cruz, enfrentando a violência com a não violência, a mentira (das falsas acusações contra ele) com a verdade, os insultos com o silêncio, a indignação com paciência, condenação com a inocência, a prepotência com a impotência, o ódio com o perdão – se foi isso que quiseram dizer, então o seu discurso foi e é um discurso profundamente cristão, que poderíamos formular assim: Deus é verdadeiramente onipotente por saber também renunciar à sua onipotência (como fez Jesus: Filipenses 2, 5-11!), assim como Deus é verdadeiramente Deus por saber se tornar homem, é verdadeiramente santo por também saber que se "fez pecado por nós" (II Coríntios 5, 21), é verdadeiramente Criador por querer e poder também se tornar criatura.
Esse é o mistério do Deus no qual acreditamos, um mistério do qual emana uma grande luz. Eis então a conclusão do discurso: Deus é onipotente? Sim, no sentido de que é amor, e o seu poder nada mais é do que o poder do amor. Com a sua vida e a sua morte, Jesus retratou esse amor ao vivo, diante de nossos olhos, e nós vimos que é um amor desarmado, ou seja, um amor que não se trai impondo-se com a força.
Nesse sentido, o amor é "fraco" ou, se quiserem, "não onipotente": no sentido de que não tem outra força do que a sua. Ou o amor vence com o amor, ou perde. É "impotente" para vencer com a força. Pode vencer apenas com o amor. Assim, a onipotência de Deus se demonstra perfeita na "impotência" do amor a trair a si mesmo, tornando-se qualquer outra coisa que não é amor.
Notas:
1. Karl Barth, Esquisse d’une dogmatique, Ed. Delachaux & Niestlé, 1950, p. 43.
2. Dietrich Bonhoeffer, Lettere dal carcere, Ed. Bompiani, 1969, p. 133.
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Prepotência do homem, impotência de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU