25 Agosto 2020
"Em tempos em que a humanidade é atingida por múltiplas feridas (basta pensar agora no coronavírus), a Bíblia pode ser um paradigma de resiliência", escreve o cardeal Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 23-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
David McLain Carr,
Santa resilienza.
Le origini traumatiche della Bibbia,
Queriniana, Brescia, pag. 261, € 27
É uma espécie de mantra que é recitado até mesmo por quem não tem um conceito preciso: "resiliência", do latim resilire, "ricochetear", adequado para definir aquela propriedade de alguns materiais, como os metais, de absorver um choque sem se quebrar, retornando à sua forma original. Transladado para o campo psicológico – como sugeria Consuelo C. Casula no ensaio La forza della vulnerabilità. Utilizzare la resilienza per superare le avversità (Franco Angeli 2011) – seria aquele processo cognitivo, emotivo e comportamental que reelabora a dor, a perda, o luto, o trauma, superando-os, reconstruindo a própria estrutura pessoal e desenvolvendo energias interiores antes desconhecidas.
Surpreende, no entanto, que essa categoria físico-psíquica seja adotada como chave interpretativa das Sagradas Escrituras: foi o que David McLain Carr, nascido em 1961, professor de ciências bíblicas em Nova York, optou por fazer, especificando no subtítulo que é sua intenção identificar "as origens traumáticas da Bíblia". Entre outras coisas, o termo grego tráuma, derivado da raiz indo-europeia tro-, significa "perfuração, ferida", e é um hápax no Novo Testamento: na famosa parábola do Bom Samaritano tráumata são as "feridas" infligidas à vítima por bandidos no deserto de Judá (Lucas 10,34). O verbo traumatízein, "ferir" ressoa, porém, em outra parábola evangélica, a dos lavradores da vinha (Lc 20,12) e em um curioso episódio de exorcismo narrado nos Atos dos Apóstolos (19,16).
Nesse ponto é interessante verificar a aplicação hermenêutica que o estudioso estadunidense faz da categoria "resiliência" ao arco histórico bíblico. Efetivamente, a partir da "pré-história" sagrada com o pecado adâmico e o dilúvio (que, no entanto, não são considerados), a sequência das vicissitudes do Israel bíblico é marcada por traumas frequentemente catastróficos: a escravidão egípcia, a divisão entre os dois reinos hostis entre si, a invasão assíria, a destruição de Jerusalém e o exílio babilônico, a crise helenística com as repressões do poder sírio, apenas para citar as principais etapas dessa história. Pois bem, as várias catástrofes são sempre seguidas por uma epístrofe, ou seja, uma reação que reconstrói a partir dos escombros uma identidade com características permanentes, porém inovadoras.
Só para citar alguns exemplos, a Páscoa celebrada após a opressão faraônica abre o êxodo libertador e é uma festa de sobrevivência para um novo amanhecer de liberdade; o exílio babilônico é seguido pelo retorno à casa nacional, sob a insígnia do apelo entusiástico do chamado Segundo Isaías (c. 40-55); a irrupção helenística não só gera a reação dos Macabeus, mas também a fixação das Sagradas Escrituras e sua difusão para além do horizonte judaico com a versão grega dos Setenta.
A própria categoria da resiliência é adotada para o Novo Testamento, na consciência de que surge do evento traumático da crucificação de Cristo. Mas o sofrimento e a morte não são o estuário definitivo, como ensinam a fé na ressurreição e a missão dos apóstolos. E é precisamente a Igreja que será sistematicamente submetida a perseguições, enquanto o Império Romano em 70 d.C. mais uma vez oblitera a Jerusalém hebraica. No entanto, esses traumas são resilientes e abrem uma nova temporada para o Cristianismo e para o Judaísmo. Também é interessante a figura emblemática de Paulo, o perseguidor que se torna evangelizador.
Jerome H. Neyrey,
Onore e vergogna nel vangelo di Matteo,
Paideia, Torino, p. 350, € 37
O texto de McLain Carr ramifica ainda mais o delta de sua interpretação e aponta para uma atualização particular: em tempos em que a humanidade é atingida por múltiplas feridas (basta pensar agora no coronavírus), a Bíblia pode ser um paradigma de resiliência. É o que é afirmado em um apêndice um tanto didascálico e setorial no qual o autor examina estudos contemporâneos a esse respeito, com uma menção específica ao TEPT, que é o "transtorno de estresse pós-traumático", o transtorno psíquico que se segue a um trauma e sua superação.
Claro que a abordagem do exegeta às Escrituras judaico-cristãs é original, inclusive pelos vários temas teológicos conexos, como o monoteísmo, os conceitos de aliança, eleição, pureza ritual, o relevo narrativo dos múltiplos conflitos presentes na Bíblia, função catártica e regeneradora do sofrimento. Para nos mantermos no âmbito do recurso a coordenadas incomuns na leitura das páginas bíblicas, merece menção outra ampla análise feita por um professor da prestigiosa American University of Notre Dame em Indiana. Jerome H. Neyrey, que já havia se lançado na proposição da antropologia cultural como ferramenta hermenêutica bíblica ao lado do método histórico-crítico clássico, examina o Evangelho de Mateus sob o perfil da ética dialética da honra e da vergonha. Esse binômio oximoro constitui, de fato, na época e hoje uma perspectiva estrutural por meio da qual o indivíduo e a sociedade eram julgados.
O evangelista também respirava essa atmosfera e, portanto, estava culturalmente envolvido na retórica do louvor e da censura. O estudioso tenta uma recomposição da trama narrativa evangélica de Mateus como um "encômio" de Jesus, partindo das origens, passando por seus atos até chegar à "nobreza" de sua morte. Esse critério particular, que no início está amplamente decifrado em seus vários componentes estruturais, metodológicos e funcionais, recebe uma análise surpreendente dentro de uma página fundamental que é o Sermão da Montanha (Mateus 5-7). Nele resulta paradoxal a inversão operada por Cristo nas Bem-aventuranças, onde "os desonrados são honrados".
Também nesse caso se revela a descontinuidade que Jesus introduz em esquemas socioculturais canonizados, propondo uma visão alternativa pela qual o discípulo não hesita em trilhar o caminho da privação da honra, transformando a escala dos valores. Honrados tornam-se os pobres, excluídos do nível social qualificado, os mitos derrotados na história, os misericordiosos que escolhem o perdão em vez da vingança, os artífices da paz que excluem o triunfo, e clamorosamente os perseguidos, isto é, as vítimas arrastadas na poeira da ignomínia. Essas são apenas algumas ideias de um percurso textual complexo realizado de acordo com esses parâmetros culturais bem conhecidos do evangelista Mateus que são, no entanto, marcados e regenerados pela irrupção do rabino de Nazaré.
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A Bíblia paradigma de santa resiliência. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU