19 Agosto 2020
Os documentos da Igreja muitas vezes permanecem na gaveta, dificilmente chegam ao povo, mais ainda em uma linguagem acessível que permita ao povo comum compreendê-los e assumi-los como seus. Numa tentativa de não cair em ouvidos surdos, a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), juntamente com a editora Verbo Films, estão preparando uma série de vídeos com os quais tentam encarnar tudo o que a Querida Amazônia nos diz.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Desta vez é a vez do sonho cultural, em um vídeo de mais de 26 minutos que acaba de ser lançado. Conduzido por Mauricio López, Secretário Executivo da REPAM, diferentes vozes do território explicam como as palavras do Papa Francisco ganham vida na Amazônia, em seus povos e culturas, baseadas na ideia de que "todas as culturas dão riqueza, sentido e vida à nossa humanidade, elas fornecem todas aquelas faces multifacetadas que nos permitem promover um futuro pleno".
Mauricio López. (Foto: Captura de Tela | Enviada por Luis Miguel Modino)
É necessário buscar o processo de promover, de não invadir, algo que pode ser considerado um dos erros da Igreja na Amazônia, chamada a pedir perdão por sua postura colonizadora por muitos anos. O Sínodo Amazônico foi um momento em que os povos pediram à Igreja que assumisse uma postura fraterna, aliada, para compartilhar os valores uns dos outros, a fim de nos enriquecer. Este apelo à interculturalidade deve nos levar a descobrir o valor de ambas as identidades, enriquecendo o caminho do Reino, o caminho do Evangelho, que tem espaço para toda essa riqueza.
O vídeo reconhece a tentativa de muitos povos originários de recuperar o curso de sua própria história, insistindo em se aproximar dos povos indígenas com reverência, a partir de uma escuta atenta, com carinho, ternura e misericórdia, com abertura de mente e coração, sabendo que no outro está Deus, que o outro é terra sagrada onde Deus habita, se revela e nos fala. Esta atitude é fundamental diante do exílio forçado que os povos amazônicos estão vivendo hoje, ameaçados pelos grandes projetos de desenvolvimento. Neste contexto, a Igreja é chamada a não criminalizar as culturas, mas a reconhecer a presença de Deus nestes povos.
No vídeo do sonho cultural, os próprios povos indígenas relatam a importância de suas raízes, de "reconhecer a importância de nossas origens, de honrar aquela semente, de saber de onde viemos, para poder de alguma forma proteger, defender, reinterpretar e projetar toda aquela riqueza cultural que nos determina". É uma questão de buscar essas raízes para olhar adiante o sonho do Reino, algo para o qual é fundamental preparar os jovens para assumir a luta deixada por seus antepassados, em defesa do território e da vida.
Foto: Captura de Tela | Enviada por Luis Miguel Modino.
Neste sentido, o sonho cultural não mostra que o conhecimento ancestral não é uma peça de museu, é uma cultura viva, que mostra como os povos indígenas se organizam e resistem, e que poderia nos ajudar muito a entender e respeitar todos os seres que habitam este planeta. Algo que nos leva a sentir a necessidade de descobrir as raízes, que precisam ser amadas, cuidadas, porque são as raízes que fazem as pessoas crescerem, se desenvolverem e darem frutos, são elas que sustentam as culturas e fortalecem os povos.
Neste sentido, o vídeo nos ajuda a perceber que muitos povos, numa tentativa de se conectar com suas origens, têm resgatado sua cultura, descobrindo o significado de seus costumes, resgatando todas as tradições que têm se deteriorado. A partir destas raízes a Igreja é chamada a promover a interculturalidade, que tem a ver com o profundo respeito de cada pessoa, de cada ambiente, de cada território, de toda a vida, que reflete e revela esta identidade para fazer um encontro de iguais, um encontro horizontal. O Sínodo e a Querida Amazônia nos chamam a procurar condições de equidade, de igualdade, onde todos tenham vida e vida em abundância, como nos diz o Evangelho. Interculturalidade é promover a vida, é promover a equidade, é respeitar o que é diferente, e saber que o sonho de Deus nos projeta para que todos nós nos encaixemos, um mundo onde muitos mundos se encaixam.
Foto: Captura de Tela | Enviada por Luis Miguel Modino.
Os próprios povos indígenas denunciam o fato de que o suposto desenvolvimento não está levando inclusão, mas sim exclusão, os coloca do lado de fora, na margem, ficam tristes, porque não respeita seu valor, não respeita o que eles respeitam. Estes povos descobriram a natureza como fonte de vida, não compreendem que pilhamos, que destruímos, que por causa do desenvolvimento acabamos com este mistério, este bem viver. Por isso é importante entender que os povos originários veem a floresta como uma mesa comum, da qual todos vêm, da qual todos se beneficiam e todos participam de seus mistérios, uma realidade que os faz sentir-se irmãos e irmãs, com a capacidade de escutar os gritos da terra, de falar e juntos construir um bem viver.
As diferenças que caracterizam cada povo não são motivo de divisão, não geram nenhum tipo de ameaça, mas se tornam uma ponte que unifica, criando comunhão e fraternidade. Neste sentido, o sonho cultural também exige assumir as atitudes dos povos indígenas e comunidades tradicionais, que compartilham a vida, seus saberes e conhecimentos, suas formas de resistência e luta, suas vitórias, eles são terra, água e floresta.
É um fato que na Amazônia, as culturas estão ameaçadas, e quando uma cultura desaparece, perde-se um elemento essencial do patrimônio de nossa humanidade, que perde sentido, força, futuro. Por esta razão, o vídeo nos faz ver que a Igreja deve ser uma verdadeira aliada, que ela nos acompanha na defesa deste patrimônio, o Reino e o sonho de Deus são moldados nesta diversidade. É uma questão de buscar o que pode produzir uma comunicação das narrativas transformadoras dos próprios povos. É um momento de comunicação da vida e de narrativa das características culturais de cada comunidade, de cada nacionalidade e da Amazônia como um todo.
Foto: Captura de Tela | Enviada por Luis Miguel Modino.
O sonho cultural nos convida a contemplar o poliedro amazônico, a diversidade cultural, todas as diversas faces concretas que compõem esta Amazônia, as culturas e as vidas ameaçadas, que são história, vidas, esperanças. Nessa tessitura, surge o convite a um diálogo intercultural, a um respeito profundo, pois a presença de Deus está nesta realidade do encontro, o que nos permite enriquecer-nos. O convite para acompanhar e defender o próprio povo também surge, assim como a questão de como defender este sonho cultural.
São convites concretos que começam com a escuta, o diálogo e o respeito, que nos levam a ver a vida e a cultura como sagradas, a descobrir as expressões concretas das comunidades como a pegada de Deus em nosso meio. Nesse sentido, de uma perspectiva eclesial, o vídeo nos faz ver a necessidade de discernir juntos como acompanhar, defender de suas próprias vozes, como propiciar instituições que também as promovam e respeitem, como gerar elementos artísticos, onde estética, beleza e senso de mistério possam ser transmitidos, e como continuar avançando nesse caminho.
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Verbo Filmes e REPAM lançam vídeo sobre o Sonho Cultural: buscar as raízes que sustentam e fortalecem os povos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU