Schökel, o biblista do amor esponsal de Deus. A Bíblia como partitura

Luis Alonso Schökel, SJ. (Foto: alonsoschokel.org)

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17 Agosto 2020

Colegas e alunos prestam homenagem ao grande jesuíta espanhol falecido em 1998, com um livro intitulado “L’analogia nuziale nella Scrittura. Saggi in onore di Luis Alonso Schökel” [A analogia nupcial na Escritura. Ensaios em honra a Luis Alonso Schökel].

A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada por Avvenire, 13-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O maior legado espiritual, mas também moral, que o jesuíta espanhol Luis Alonso Schökel (1920-1998), definido pelo cardeal Gianfranco Ravasi como “um dos maiores biblistas do século XX”, talvez esteja sintetizado em uma das suas máximas que tinha o sabor da recomendação para os seus estudantes do Pontifício Instituto Bíblico de Roma: “O importante não é ler a Bíblia, mas aprender a ler”.

Luis Alonso Schökel, SJ (1920-1998) (Foto: Settimana News)

E um livro pensado a 100 anos do nascimento desse ilustre exegeta, “A analogia nupcial na Escritura. Ensaios em honra a Luis Alonso Schökel” (Gregorian & Biblical Press, 164 páginas), homenageia o genial filho de Santo Inácio que foi um dos nobres pais da tradução da Bíblia para o espanhol nos anos do pós-Concílio.

A ele se devem comentários belíssimos – uma verdadeira “Summa theologiae” – sobre o livro de , assim como sobre a constituição dogmática do Vaticano II sobre a Palavra de Deus, Dei Verbum.

O livro editado por Luca Pedroli, um dos discípulos de Schökel, representa um tributo ao mestre da Sagrada Escritura à luz de um ensaio que foi para o jesuíta, natural de Madri e falecido em Salamanca aos 78 anos, no dia 10 de julho de 1998, o último livro e, em certa medida, o canto do cisne: “I nomi dell’Amore. Simboli matrimoniali nella Bibbia” (publicado pela Piemme em italiano em 1998; o original espanhol intitulava-se “Simbolos matrimoniales en la Biblia” [Símbolos matrimoniais na Bíblia]).

As páginas reúnem as contribuições dos maiores especialistas sobre esse âmbito delicado, que vão do jesuíta canadense e atual reitor do Bíblico em Roma, Michael Francis Kolarcik, a Gianantonio Borgonovo, hoje arcipreste do Duomo de Milão, de Luis Sánchez Navarro a Ludger Schwienhorst-Schönberger, de Harold Attridge a Jean-Louis Ska (que assina o posfácio cheio de anedotas).

É um livro que nos permite entrar nas dobras mais íntimas sobre o sentido da pesquisa intelectual de Schökel, que tinha como missão fazer com que as pessoas compreendessem a importância do “estudo literário da Bíblia”. Schökel não foi apenas um exegeta de quilate, mas também um homem apaixonado pela Palavra de Deus. Junto com o monge camaldulense Innocenzo Gargano (como ele mesmo testemunhou no jornal Avvenire nos últimos anos), como autêntico mestre da Lectio Divina, ele conseguiu chamar a atenção – graças à sua constante atenção à Bíblia no rastro da tradição judaico-cristã durante longos encontros e seminários – de um artista aparentemente “agnóstico” e distante da fé como Vittorio Gassman.

O mérito dessa publicação, que também é o fruto de um congresso dedicado a Schökel em 2017 em Roma, é o de prestar a devida homenagem a um exegeta que talvez seja o último representante de uma geração irrepetível de professores jesuítas que transformaram o Bíblico de Roma em uma instituição universal e reverenciada em todo o mundo acadêmico: de Agostino Bea a Alberto Vaccari, de Pietro Boccaccio a Carlo Maria Martini, de Ignace de la Potterie a Stanislas Lyonnet, de Maximilian Zerwick a Klemens Stock, de Maurice Gilbert a Albert Vanhoye (nascido em 1923 e hoje o cardeal mais idoso do mundo).

No pano de fundo ou, melhor, no subsolo destas saborosas páginas, descobre-se sobretudo o rigor professoral e a autoironia de Schökel, a sua paixão pela música (era um excelente pianista) e pelo amado Dostoiévski; descobre-se também a genialidade de um professor de Sagrada Escritura – é o que Kolarcik admite – nunca repetitivo, mas sempre “intuitivo e criativo”.

Aflora a partir desse livro, precisamente, como sublinha Luis Sánchez Navarro, a atenção ou, melhor ainda, a “relevância” de Schökel por uma “cristologia esponsal” presente nos Evangelhos sinóticos (Lucas, Mateus e Marcos): basta pensar na figura de Jesus nas bodas de Caná.

Mas talvez até algo mais. Na opinião de Luca Pedroli, a sua “compreensão da Escritura” no rastro de conceitos e categorias de pensamento caras a ele, como “metáfora esponsal” e “analogia nupcial”, foram as suas contribuições pessoais para explicar a fundo “a relação entre Deus e o seu povo” no Antigo e no Novo Testamento.

A 100 anos do seu nascimento, talvez seja justo relembrar Schökel com as mesmas palavras que ele gostava de repetir aos seus alunos, como testemunha o jesuíta belga Jean-Louis Ska em sua comovente recordação. Palavras que têm o sabor de um testamento espiritual, e não só para os amantes da Escritura: “O texto bíblico é como uma partitura de música. Mas a partitura não é a música. É preciso tocar ou cantar, é preciso interpretar a partitura. É preciso também interpretar o texto bíblico, caso contrário, ele permanece como letra morta”.

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