07 Agosto 2020
A organização fornecerá profissionais de saúde ao Sea-Watch 4, o navio da ONG alemã financiada pela Igreja protestante. “Essa é uma resposta à política racista da União Europeia que prefere afogar as pessoas do que recebê-las.”
A reportagem é publicada por La Repubblica, 06-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Vamos retomar as operações de resgate no Mediterrâneo.” A Médicos Sem Fronteiras e a ONG alemã Sea-Watch anunciam uma aliança operacional para retomar as operações de socorro no Canal da Sicília, diante do aumento das viagens de migrantes a partir das costas africanas para a Europa e a Itália.
As duas organizações criaram uma tripulação comum que zarpará em breve da Espanha a bordo de um navio chamado “Sea-Watch 4”. A ONG alemã, como foi explicado em uma coletiva de imprensa, fornecerá a tripulação, enquanto os Médicos Sem Fronteiras disponibilizarão a equipe médica.
A Médicos Sem Fronteiras havia interrompido a sua presença operacional em abril passado, depois de quatro anos, devido a divergências nas estratégias de intervenção com a ONG francesa Sos Méditerranée.
O Sea-Watch 4 foi adquirido graças ao apoio da United4Rescue, uma organização fundada pela Igreja protestante alemã. Philipp Hahn, chefe da missão, em nota assinada pela Médicos Sem Fronteiras, usou tons firmes para apresentar a iniciativa: “Esta é a resposta categórica da sociedade civil às políticas racistas da União Europeia que prefere afogar as pessoas do que fazê-las chegar às costas europeias”.
“Nenhum ser humano deve ser deixado se afogando ou sofrer torturas e sofrimentos, mas essas são as consequências do culpado descumprimento do dever por parte dos governos europeus”, disse Claudia Lodesani, presidente da Médicos Sem Fronteiras na Itália.
“Como organização médico-humanitária, conhecemos bem os desafios impostos pela Covid-19, mas também sabemos que todas as vidas devem ser salvaguardadas, tanto em terra quanto no mar. As recentes medidas dos governos para obstaculizar os socorros, apresentadas como medidas de saúde pública, são negligentes e puramente políticas. Defendendo a guarda costeira líbia e negando assistência a quem tenta a travessia, os Estados europeus enviam a clara mensagem de que essas vidas não importam para eles.”
“O Sea-Watch 4 e a ampla aliança que ele representa são a resposta unívoca da sociedade civil às políticas discriminatórias da União Europeia, que preferem deixar as pessoas se afogarem contanto que não cheguem às costas europeias”, acrescentou Giorgia Linardi, porta-voz da Sea-Watch.
“É um símbolo de solidariedade com as pessoas em movimento e um claro sinal para a União Europeia, porque, apesar de todos os esforços para impedir os socorros, não vamos deixar de salvar vidas. As pessoas são deixadas para morrer no mar ou são rejeitadas de volta para o mesmo lugar do qual estão tentando fugir, enquanto os aviões de patrulha europeus observam de cima, cúmplices na definição do seu destino. Enquanto os Estados europeus deixarem as pessoas morrendo como meio de dissuasão, seguiremos em frente e receberemos apoio.”
“Nos últimos cinco meses – afirmam as ONGs – a Itália e Malta muitas vezes negaram assistência a pessoas em perigo iminente, até fecharem repetidamente os seus portos aos navios humanitários. Com a deliberada e sistemática inadimplência nas tarefas de coordenação dos socorros por parte das autoridades competentes, abandonaram-se pessoas no mar durante horas, dias ou até semanas sem qualquer assistência. A Líbia é categoricamente definida como insegura para migrantes, refugiados e requerentes de asilo por instituições internacionais e europeias como as Nações Unidas, a Organização Internacional para as Migrações e a Comissão Europeia. No entanto, desde o início do ano, 5.650 pessoas foram interceptadas e devolvidas à força à Líbia no âmbito de acordos bilaterais financiados e facilitados pela União Europeia e pelos seus Estados membros, enquanto os navios civis de busca e resgate – incluindo o Sea-Watch 3 e o Ocean Viking – são sistematicamente bloqueados nos portos italianos por tecnicismos fúteis.”
“Perdem-se os rastros de muitas das centenas de pessoas levadas de volta à detenção na Líbia – afirmam a Médico Sem Fronteiras e a Sea-Watch –, outras são retidas em centros de detenção superlotados em precárias condições de higiene e saúde, sem um acesso adequado a comida e água. A intensificação do conflito na Líbia neste ano colocou mais pressão sobre um sistema de saúde já próximo do colapso e sobre uma emergência humanitária no país. Sem possibilidade de ter acesso a alternativas seguras e legais, milhares de pessoas tentam a travessia mortal como a última possibilidade. A falta de capacidade de busca e resgate não desencoraja as pessoas a partirem, mas torna ainda mais extremos os riscos que elas são forçadas a correr. Somente em junho, pelo menos 101 pessoas foram declaradas mortas ou desaparecidas no Mediterrâneo central – na semana passada, três jovens foram mortos e dois ficaram feridos após serem forçados a voltar para a Líbia –, enquanto o número daqueles que tentaram atravessar o mar em embarcações frágeis não aptas à navegação quadruplicou em comparação com o mesmo período do ano passado.”
O Sea-Watch 4 era um navio de pesquisa oceanográfica chamado Poseidon. Foi comprado em fevereiro pela Sea-Watch e pela coalizão United4Rescue e, depois, equipada para as atividades de busca e resgate no mar.
A Médico Sem Fronteiras, cuja seção alemã é membro da United4Rescue, fornecerá assistência médica e humanitária a bordo do navio. A equipe médica da Médicos Sem Fronteiras a bordo, composta por quatro pessoas, incluindo um médico e um obstetra, será responsável por fornecer atendimento médico de emergência e gerir a clínica a bordo.
A Sea-Watch administrará o navio e as operações de resgate com uma tripulação de 21 pessoas, em parte voluntárias. A Sea-Watch e a Médicos Sem Fronteiras, juntas, fornecerão assistência humanitária, distribuindo alimentos e bens de primeira necessidade e identificando as pessoas particularmente vulneráveis.
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Médicos Sem Fronteiras e Sea-Watch, financiado pela Igreja Protestante, somam esforços: “Retomaremos as ajudas a migrantes no Mediterrâneo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU