"Não é a lei que torna a paróquia uma instituição. Mas é a paróquia que, ao instituir a fé no mundo, exige uma lei que lhe permita desempenhar a sua missão, aqui e agora. A lei regula os conflitos em que a paróquia se insere. Mas o Código não foi introduzido na vida da Igreja há 100 anos para ser servido, mas para servir. E quando normativas ultrapassadas ou concepções inadequadas se tornam um obstáculo, devem ser reformadas", escreve Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come se non, 25-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "a "instituição" é a paróquia, não a normativa que a regula. Se a paróquia não funciona, é porque exige nova normativa, que saiba ouvir os sinais dos tempos e reformular as formas do anúncio, da celebração e da caridade. Para fazer isso, é necessário um "instrumento jurídico" que não pense com as categorias de "sacra potestas”, do "sacerdócio" ou da "societas perfecta" de 500 anos atrás. Mas, deve ser dito com muita clareza, este não pode ser o ponto de partida, mas é o ponto de chegada".
"Não é a lei que torna a paróquia uma instituição - afirma o teólogo. Mas é a paróquia que, ao instituir a fé no mundo, exige uma lei que lhe permita desempenhar a sua missão, aqui e agora. A lei regula os conflitos em que a paróquia se insere. Mas o Código não foi introduzido na vida da Igreja há 100 anos para ser servido, mas para servir. E quando normativas ultrapassadas ou concepções inadequadas se tornam um obstáculo, devem ser reformadas".
Há algum tempo estou convencido de que para entender o papel do direito canônico na vida da Igreja e para corrigir alguns exageros que não são assim tão raros, pode-se recorrer a uma comparação que, à primeira vista, parece forçada demais: ou seja, uma analogia automotiva. A vantagem do exemplo, com o qual gostaria de apresentar meu raciocínio, é que ele se presta muito bem a um esclarecimento do papel do direito com relação à "experiência a ser disciplinada".
Então, vamos começar com um código diferente do direito canônico. Ou seja, o código de trânsito. É claro que ninguém na Itália, se quiser dirigir um carro, pode prescindir de uma referência estrutural às normas do código de trânsito. Ai se não conhecêssemos as regras com as quais o código regula a "circulação viária".
Aliás, as "ruas" tornaram-se uma "instituição", graças à completa disciplina que regula o uso por parte de todos os usuários (pedestres, ciclistas, motociclistas, motoristas, caminhoneiros ...).
Mas é claro que ninguém pediria o código para esclarecer o que ele deve fazer com a bicicleta, onde ele poderá direcionar sua pedalada, para qual praia direcionar o carro ou para qual montanha levar a sua moto. Tudo isso está claramente "fora do código", está aquém e além do código e ninguém jamais pretenderia que seja o código lhe dizer isso. Nunca acontece usar o carro apenas para aplicar o código!
Mutatis mutandis, também o Código de Direito Canônico, permitem-nos ver a vida cristã disciplinada e ordenada, mas nunca define completamente nem a fé, nem esperança, nem a caridade e nem mesmo a paróquia, o presbítero, o bispo ou mesmo o papa. Oferece uma preciosa disciplina, que busca na palavra de Deus e na sabedoria da Igreja, e que somente em pontos delicados e extremamente pontuais pode ser definida como "de direito divino".
O que sabemos da paróquia e que pudemos viver graças também à mediação do direito canônico tem sua origem em muitas outras fontes. Tais fontes, tão importantes, não têm nada estritamente jurídico. Justamente aqui, creio, uma grande reflexão deveria ser aberta na Igreja, inclusive em nível oficial, sobre a palavra "instituição", sobre o significado deste grande termo, sobre sua relação com a teologia, com a missão e com a mediação jurídica.
Antes de aprofundar brevemente esse aspecto decisivo, gostaria de especificar que essas minhas anotações de forma alguma pretendem contornam a mediação jurídica. Aliás, justamente caso pretendessem contorná-la, se entregariam a um positivismo jurídico grosseiro e presunçoso.
Vice-versa, a descoberta de um sentido mais amplo de "instituição", que devemos redescobrir, implica a elaboração cuidadosa de uma diferente função também do direito, que deveria recuperar, também na Igreja, a dialética fundamental – constitutiva do saber jurídico de todos os tempos - entre "ius conditum" e "ius condendum".
Na Igreja, mais do que em qualquer outro lugar, o direito deveria sempre permanecer "a serviço dos outros". Não raro, nas últimas décadas, vimos ao contrário que todo o restante da Igreja estava sendo reduzido "a serviço do direito canônico". Veremos em breve quais são as razões.
Uma ilusão "positivista" - que entrou na Igreja somente a partir o Código de 1917 - é aquela de pensar que é "instituição" tudo o que é disciplinado pelo Código. E que, portanto, a lei e, em particular, o Código, deva ser considerada como fundamento e justificativa da instituição.
Esse modo de raciocinar, que tem sua origem fora da igreja, já que não é uma ideia tradicional, assume na Igreja um significado e um efeito de dimensão, no mínimo, dramática. Porque se as coisas fossem como gostaria essa teoria tardia, a única defesa da instituição seria o Código e a resistência a qualquer sua modificação.
Atestar a Igreja na defesa do direito canônico constitui um grave mal-entendido da palavra "instituição", porque reduz a instituição à sua mediação jurídica.
A paróquia é "instituição" não principalmente porque "é normatizada pelo código", mas porque, com sua síntese da vida comum, anúncio, celebração e oração, "coloca-se como experiência eclesial e coloca seus membros em tal âmbito": as "instituições" são instituições porque são "condições de experiência". Precisamente por esse motivo, por essa sua característica, estão essencialmente "acima" e não "abaixo" do direito e da lei.
Portanto, a paróquia não é paróquia "porque está em conformidade com o código do direito canônico", mas porque realiza uma síntese preciosa entre local de vida, forma de vida, anúncio da palavra, oração pessoal e comunitária, celebração presente no tempo, cuidado do próximo. Esse entrelaçamento humanamente complexo e existencialmente rico encontra no Código apenas um "perfil mínimo", que é estruturado "sub specie sacrae potestatis". De todo o resto, mesmo com razão, o Código se desinteressa. Da mesma maneira, todo o resto deve desinteressar-se do Código!
A pretensão de inferir a "natureza da paróquia" do Código é fruto de uma visão fechada e totalmente unilateral, atesta uma grave pobreza de experiência e representa um estrabismo pesado, ao qual estão sujeitos alguns canonistas e, eventualmente, alguns pastores.
A instituição é a paróquia, não a disciplina que o código oferece. Por esse motivo, uma avaliação da "paróquia em saída" e da exigência de "conversão pastoral", que há algumas décadas percebemos como urgente, não pode de maneira alguma ser entendida adequadamente apenas com uma lista de citações do código.
Pelo contrário, o trabalho a ser feito é adaptar não a paróquia ao código, mas o código à paróquia. O campo da "conversão pastoral" é um âmbito típico em que o jurista deveria sentir - por instinto eclesial e por longa tradição canônica - a inclinação para pensar mais em termos de "de iure condendo" do que de "de iure condito".
A "instituição" paroquial, se quiser continuar a instituir experiência de fé, deve dar-se normas em parte completamente novas. É a "poikilia" de que Triboniano já falava na época do Codex de Justiniano. Não se pode certamente confundi-la com ... modernismo! Seria um curioso modernismo do VI século!
A "instituição rua" deve ter primazia, também no código de trânsito! Se a experiência na circulação viária, em um dado momento, talvez graças às trocas no âmbito europeu, descobre que, em relação ao cruzamento, a "rotatória" tende a diminuir os acidentes e reduzir o tempo dos percursos, eis então que também um dos "dogmas de motorista" – dar a preferencial à direita - pode ser revertido. E hoje nos acostumamos, nas rotatórias, a dar a preferencial à esquerda. Uma grande revolução, um grande progresso, uma diminuição dos conflitos de trânsito, tiveram como preço a adaptação da lei para a realidade.
A "instituição", repito, é o caminho, não o código.
Vamos, portanto, tentar inverter a perspectiva, também no âmbito eclesial. A "instituição" é a paróquia, não a normativa que a regula. Se a paróquia não funciona, é porque exige nova normativa, que saiba ouvir os sinais dos tempos e reformular as formas do anúncio, da celebração e da caridade. Para fazer isso, é necessário um "instrumento jurídico" que não pense com as categorias de "sacra potestas”, do "sacerdócio" ou da "societas perfecta" de 500 anos atrás. Mas, deve ser dito com muita clareza, este não pode ser o ponto de partida, mas é o ponto de chegada.
Se o modo de "anunciar a palavra", de "celebrar o mistério" e de "promover a vida fraterna" assumiu novas evidências, novas estruturas, reconhece novas autoridades e valoriza novos sujeitos, então o direito deve reconhecê-lo, com ferramentas teóricas e práticas novas, que devem ser elaboradas com urgência e disponibilizadas aos pastores, batizados e batizadas, catequistas e operadores. Nasce uma ministerialidade articulada e diferenciada, que corresponde a formas de vida eclesial que são em parte inteiramente novas. Não teremos que comprimir as novas formas nas antigas categorias jurídicas, mas modelar novas categorias jurídicas com base nas novas formas de vida eclesial.
Não é a lei que torna a paróquia uma instituição. Mas é a paróquia que, ao instituir a fé no mundo, exige uma lei que lhe permita desempenhar a sua missão, aqui e agora. A lei regula os conflitos em que a paróquia se insere. Mas o Código não foi introduzido na vida da Igreja há 100 anos para ser servido, mas para servir. E quando normativas ultrapassadas ou concepções inadequadas se tornam um obstáculo, devem ser reformadas. O código recorda essa atitude sapiencial em seu artigo mais recente, mesmo que o faça em uma linguagem que não é mais a nossa. Poderíamos dizer que, em vez da "salvação de almas", a lei suprema deveria ser formulada em uma linguagem talvez mais rica: por exemplo. como comunhão com Deus. Mas essa salvação, ou comunhão, é de qualquer maneira afirmada - a partir do cân. 1752, o último do código - em relação a um elemento "institucional", como a transferência de um pároco.
E sabe-se que a lei, se tiver visão de longo prazo, sabe muito bem que a "comunhão com Deus" não é instituída pelo decreto do Bispo da transferência, que tem suas boas razões, mas pela forma de vida que a comunidade soube elaborar em seu caminho de fé. A forma jurídica, também neste caso, está a serviço da experiência de comunhão e nunca poderá substitui-la.
Mas a sabedoria do Código não pode ser concentrada inteiramente apenas no último cânon! A dilatação dessa sabedoria canônica será possível se aceitarmos, também no plano jurídico, uma noção de instituição (e de paróquia) menos positivista e menos formalista.
Então, as razões se manifestarão também, se Deus quiser, a favor da urgência de uma reforma estrutural e não apenas como uma promoção apenas da renovação lexical, que cobre uma inércia normativa sem um verdadeiro fôlego institucional. Só então poderemos ter, oficialmente, também uma paróquia-rotatória e não apenas paróquias-cruzamentos.