22 Julho 2020
"O caminho revolucionário não pretende melhorar o mundo, como pensam muitos movimentos e associações, pelo contrário o que se almeja é um mundo totalmente novo, visto que a história tem recentemente nos ensinado que todo e qualquer melhoramento, fruto do progresso e da técnica, é um tipo de remendo que se arrebenta com o passar dos anos", escreve Ademir Guedes Azevedo, padre, missionário passionista e mestre em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma.
Nosso contexto eclesial às vezes termina assumindo posições que nem sempre refletem a proposta mais genuína do cristianismo: o Evangelho. Apesar de sabermos disso, sofremos um tipo de bipolaridade religiosa, uma vez que a nossa práxis corre o risco de enraizar-se em ideologias e interesses. Somos fruto da cultura, porém não esqueçamos que o Evangelho deveria purificar os “valores” que não promovem a vida e o desenvolvimento integral do ser humano, mas sem fugir do mundo.
No caso da nossa Igreja no Brasil, nos últimos anos caímos nas polarizações e a qualidade de nossas relações dependem muito das etiquetas políticas, tais como ser de esquerda ou de direita. Estamos vendo que esta divisão é tóxica, pois gera conflitos e sofrimentos, criando um ciclo vicioso de violência. Para agravar ainda mais a questão, ao interno da Igreja existem os progressistas e conservadores, sem esquecer dos moderados. Quando entram em debate, os ânimos se acirram, criando um mal-estar sem perdão. Nutre-se, assim, as ideologias e facções que põem em risco a fraternidade. Então, como sair dessa confusão? Será que existe um caminho que nos faz ser mais fiéis ao Evangelho, em seu estado mais puro? Eu quero propor aqui o caminho revolucionário.
Antes de indicar tal caminho, exponho brevemente o que entendo por progressistas, conservadores e moderados. Comecemos pelos conservadores. Tenho observado que são amantes das doutrinas e proposições de alto nível abstrato. Gostam de dar respostas velhas às novas perguntas. Para eles, a ideia é maior que a realidade. O mundo está errado, são os outros que devem se adequar a Tradição, sempre bem conservada pelo Magistério. A cultura é algo que caminha paralelo e todo e qualquer problema que surge das novas gerações é fruto da condição pecadora da humanidade. Defendem que o mundo, em seu sistema de valores, é o resultado da autonomia humana, então impõem o medo às consciências, tendo em vista que sabem que é perigoso a conquista da autonomia das coisas criadas. No que diz respeito a eclesiologia, a Igreja é uma barca que sobrevive aos ataques externos e nunca sucumbirá, pois sua hierarquia conta com a assistência do Espírito. E assim, criam um abismo enorme entre “nós” (detentores da verdade revelada) e eles (mundo, técnica, cultura, nova geração etc.).
E o que dizer dos progressistas? Geralmente defendem que a Igreja está mais apegada à burocracia da instituição que ao seu aspecto carismático. Acham que os movimentos populares são a semente mais genuína do reino de Deus. Assim, se organizam em grupos e vão à luta, criando organizações sindicais e novas bandeiras que pretendem defender as minorias. Eles se esforçam por melhorar o mundo, pois creem que os pobres são explorados pela classe rica. A propósito, eles trazem o pobre como principal discurso de suas pautas nas disciplinas que ministram nas universidades, onde recebem os melhores salários. Eles são militantes de movimentos sociais, muitas vezes acusados pelos conservadores de serem marxistas, porém quando tudo termina sabem que os espera o conforto de seus apartamentos. A pobreza evangélica nunca se torna um estilo de vida. É bom falar de pobre, porém, tem-se visto que ser pobre aí são outros quinhentos...
Entre os conservadores e progressistas estão os moderados. Eles se esforçam em conhecer a doutrina da Igreja, e até mantêm um pé nas rodas sociais dos movimentos militantes. Quando falam, porém, não assumem uma posição, tentam fazer a política da boa vizinhança, pois almejam alcançar algum cargo de importância na Igreja. Têm medo de ferir gregos e troianos. Muitas vezes preferem o silêncio a ter que assumir posições decisivas. E assim, vão empurrando com a barriga velhas situações de convivência que se tornam insuportáveis.
Pois bem, considero que o caminho revolucionário é o ponto crítico, a chave que abre um novo tempo que seja mais fiel ao Evangelho. Também no tempo de Jesus existiam muitos grupos com posições diferenciadas, mas tudo indica que Jesus não entrou na onda de nenhum deles. Ele saiu ileso, pois sua motivação era algo bem diferente. O caminho revolucionário é justo aquele que assume o modo de ser e agir de Jesus que se resume em uma dupla paixão: Paixão pelo Reino e Paixão pelo Pai. O reino é a ação divina na história, o Pai é a realidade transcendente que nutre a esperança. O caminho revolucionário nasce, portanto, desta fonte e corre em toda a história por meio de uma fidelidade criativa.
Ao invés de aplicar doutrinas já prontas, tal caminho ouve primeiro a vida, pois a realidade é maior que a ideia. Indo mais além, o caminho revolucionário não pretende melhorar o mundo, como pensam muitos movimentos e associações, pelo contrário o que se almeja é um mundo totalmente novo, visto que a história tem recentemente nos ensinado que todo e qualquer melhoramento, fruto do progresso e da técnica, é um tipo de remendo que se arrebenta com o passar dos anos, causando enormes danos à vida. A realidade do mundo novo, defendido pelo caminho revolucionário, não caduca com a validade dos estatutos, mas permanece sempre atual, tem o bem do próximo e não interesses pessoais, como fundamento. O olhar não se divide entre o “nós” e “eles”, mas vê o outro como irmão.
Se você decidir pelo caminho revolucionário saiba que não deve contentar-se com o status quo da realidade. O homem deste caminho já não suporta mais ser enganado pelas invenções loucas da técnica que destrói a própria vida. Este homem não acredita no melhoramento da espécie, mas crê numa humanidade totalmente nova, não melhorada, mas, repito, nova! A vida deste homem não é governada por manipulação e sustentada por armas, mas governado por amor e sustentada por novos caminhos de comunicação interpessoal. Em outras palavras, este é o fogo que Jesus veio trazer a terra. É este o irromper de uma nova era. Quer dizer, esta é a revanche do Evangelho de Jesus. É este caminho revolucionário que teremos que trilhar daqui para a frente se quisermos sair da depressão e das facções ideológicas que se apoderou da comunidade humana e da Igreja. Vamos trabalhar para isso ser realidade? Então, conte comigo!
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O caminho revolucionário: a revanche do Evangelho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU