13 Julho 2020
A Igreja Católica contará com um novo documento para regular as relações entre bispos e a Vida Consagrada que substitua a instrução “Mutuae relationes”, promulgada há 42 anos. Depois de um longo processo de consulta e reflexão, a elaboração deste vade mecum de caráter pastoral e canônico entrou em sua fase final na Cúria Romana.
A reportagem é de Darío Menor, publicada por Vida Nueva, 10-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Como resultado do trabalho conjunto da Congregação para os Bispos e da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, o texto foi produzido por uma comissão chefiada pelo capuchinho Paolo Martinelli, bispo auxiliar de Milão. Este grupo de trabalho reuniu as sugestões levantadas pelas conferências regionais dos bispos e pelas Uniões Superiores Gerais de institutos religiosos masculinos e femininos. O Secretário de Estado, o Conselho Pontifício de Textos Legislativos e a Congregação para a Doutrina da Fé também fizeram suas contribuições.
Com o título provisório de 'Diretório sobre as relações entre os bispos e a vida consagrada em comunhão e missão da Igreja', o documento, cujo conteúdo a Vida Nueva teve acesso, baseia-se em três princípios.
1. A primeira é a eclesiologia da comunhão, um conceito que vem do Concílio Vaticano II.
2. Depois, há a co-essencialidade entre os dons hierárquicos do pastor e os dons carismáticos dos consagrados.
3. O terceiro pilar em que se baseia é a justa autonomia da vida religiosa: seu lugar na Igreja local é reconhecido, enfatizando, sim, que deve estar em comunhão com o bispo.
“Deve se prevalecer o respeito mútuo das diversidades de cada um”, explica um dos participantes do desenvolvimento da nova instrução, que pediu a esta revista para permanecer anônimo. “Pretende evitar”, acrescenta, “dois riscos: que a comunidade consagrada esteja presente na diocese sem vínculo com a vida e os cuidados pastorais, e que sua presença seja reduzida apenas ao aspecto funcional dos serviços que desenvolve”.
O Diretório tenta esclarecer um dos aspectos que gera maior controvérsia entre bispos e pessoas consagradas: a montagem, supressão, venda ou mudança de uso nos bens de um instituto religioso. Para a abertura de uma nova casa, o documento indica que a decisão deve ter a aprovação do bispo, que deve submetê-la a um processo de discernimento no qual ele deve levar em conta o benefício que pode trazer para a diocese, tanto em termos de testemunho como atividade apostólica.
A aprovação do pastor também é necessária para a mudança de uso de uma comunidade. A situação muda quando se pretende suprimir uma casa legitimamente estabelecida: nesse caso, a permissão do bispo não é essencial, uma vez que cabe aos superiores do instituto avaliar se é possível manter a comunidade aberta. No entanto, o documento afirma que, como sinal de boas relações entre o comum da diocese e as pessoas consagradas, é aconselhável consultar a operação.
Antes de fechar uma casa, os superiores são convidados a realizar um processo de discernimento que leve em consideração as necessidades da diocese e a importância da atividade apostólica realizada pela comunidade que pretende fechar. O bispo deve procurar encontrar uma solução para preencher a lacuna que a casa extinta deixará.
Outro ponto importante da questão patrimonial é que o pastor, conforme recordado pelo Diretório, não decide qual é o destino dos bens da obra que está sendo fechada, ainda que tenham prioridade os compradores que destinem os bens a fins similares ao que se perseguia até então. O bispo, em qualquer caso, não pode alegar que o instituto doe seus bens à diocese.
“Muitas vezes, o produto da venda é necessário para sustentar outras atividades apostólicas ou a vida dos membros do instituto, especialmente no caso de mosteiros de freiras”, diz um dos especialistas que trabalhou na preparação do Diretório, observando que, nos episódios em que a única comunidade de uma realidade eclesiástica é suprimida e nos casos dos institutos de direito diocesano, é a Santa Sé que tem os poderes finais, tanto para o fechamento quanto para o destino das mercadorias.
Outra fonte envolvida no processo enfatiza que o princípio básico é “que os bens dos religiosos são eclesiásticos e, portanto, devem ser favorecidos sempre que permanecerem na Igreja. Isso não significa que, quando uma congregação deseja deixar um edifício, deve necessariamente deixá-lo ao bispo, mas deve dialogar com ele. Muitos dizem que não estão interessados”.
O vade mecum, que obviamente inclui as mudanças que ocorreram no Direito Canônico desde a publicação de 'Mutuae relationes' em 1978, também lida com o discernimento que os bispos devem desenvolver antes de erguer um novo instituto. Solicita-se que se preocupem com a qualidade das vocações e dos planos de formação, a fim de alcançar uma sólida maturidade humana e espiritual, e não tanto o número de candidatos. Lembra-se também que os bispos não devem ser considerados superiores internos dos institutos, que têm autonomia própria.
Outra questão habitualmente sensível que o documento enfrenta é o que fazer quando um padre diocesano pede para ir a um instituto de vida consagrada e vice-versa. Para esses casos, considera-se “fundamental” que as decisões tomadas, de uma maneira ou de outra, venham após um “discernimento sério”, a fim de tentar entender as motivações espirituais dessa decisão e verificar se a solicitação não parte de um problema com a diocese ou instituto a que pertence.
Ao contrário do que aconteceu com ‘Mutuae relationes’, o novo documento inclui outras formas de consagração na vida diocesana além dos institutos religiosos, como o Ordo Virginum, os eremitas ou as ordens de viúvos e viúvas. Também lida com o amplo fenômeno de pessoas que fazem parte de associações públicas ou privadas de fiéis, nas quais permanecem seculares, embora se comprometam com a obediência, a castidade e não possuam bens próprios, morando em comunidade, sozinhas ou com familiares.
O rascunho do Diretório reconhece que, ainda que não se possa reconhecer estar formas com o título de Vida Consagrada, “o radicalismo evangélico que caracteriza essas pessoas é evidente” e que, às vezes, essas realidades “florescem dentro ou em estreita conexão com movimentos eclesiais e novas comunidades que surgiram particularmente no século XX e no início do terceiro milênio”. Algumas dessas instituições, segundo os redatores do texto, poderão, no futuro, tornar-se verdadeiras formas de Vida Consagrada, o que justificaria completamente o interesse que o documento lhes dá.
Outro aspecto significativo do novo Diretório é a avaliação que faz da vida feminina consagrada, destacando a importância dos bispos a favor de sua inserção nos planos pastorais das dioceses. Sua dedicação em paróquias, escolas, hospitais, asilos e várias formas de assistência exige que sejam ouvidos e levados em consideração. Por fim, o documento reconhece a dignidade das mulheres consagradas, recorda o peso do “gênio feminino” na vida da Igreja e rejeita qualquer tipo de discriminação.
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O Vaticano publicará uma instrução que regulará as relações entre religiosos e bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU