08 Julho 2020
Ele desceu 30 degraus de metal carregando um jovem em seus braços. "Borhan não pesava mais de 35 quilos, era o fantasma de um ser humano."
Na manhã de domingo, o marinheiro sírio Ali Bib desceu 30 degraus e três lances de escada, do convés seis para o convés quatro, carregando o etíope Borhan Loukasi, de 17 anos, sem força e com o pé quebrado. "Eu senti muito por ele." A descida da compaixão. No final, Borhan pisou na primeira faixa de Europa: o barco-patrulha da guarda costeira maltesa. Até agora, o governo de Valletta concedeu o desembarque, por razões médicas, apenas a dois dos 52 náufragos resgatados pelo cargueiro Talia na última sexta-feira na área Search and Rescue de jurisdição maltesa.
(Foto: Sea-Watch Italy – Reprodução | Twitter)
Um deles era Borhan, que as dificuldades reduziram a um esqueleto e as torturas sofridas na Líbia o deixaram manco. Ou, pelo menos, foi o que disseram as pessoas que viajaram com ele no barco de madeira que partiu da costa da Líbia.
Aquela fotografia, tirada pelo comandante do Talia Mohammed Shaaban e publicada no site do Repubblica, a chamamos de "Pietà do Mediterrâneo". Uma lição de coração aberto para quem quer que olhe. Uma imagem simbólica. Ali Bib tem 22 anos, não fala inglês, mas através do comandante Shaaban conseguimos nos comunicar com ele.
A entrevista com Ali Bib é editada por Fabio Tonacci, publicada por La Repubblica, 07-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
De onde você é?
Moro no vilarejo de Alhamidiyah, perto de Tartous, na Síria, a três quilômetros da fronteira com o Líbano. Estou a bordo há sete meses. A bordo da Talia, cuido um pouco de tudo, sou um simples marinheiro. Eu faço o que é preciso.
Você sabia que a foto circulou na web?
Eu não sabia. E para dizer a verdade, eu não achava que estava fazendo algo tão especial. Fiz o que meu coração me disse para fazer: havia um garoto deitado no convés seis, ele não conseguia se levantar nem caminhar. Estava muito magro e fraco. No convés quatro, os médicos enviados por Malta com o barco de patrulha estavam esperando por ele. O comandante Shaaban pediu que nós, da tripulação, o ajudássemos e, antes mesmo de terminar sua frase, eu me apresentei. Não pude resistir ao ver um garoto reduzido àquele estado. Então eu o peguei no colo e comecei a descer as escadas.
O que você pensava enquanto descia os degraus?
Que Borhan poderia ser meu irmão. Aliás, em certo sentido, é: qualquer um que precisar de ajuda é meu irmão.
O que você fazia aos 17 anos, a idade de Borhan?
Eu trabalhava na terra da minha aldeia, vendia plantas e alimentos.
Que sentimentos seu encontro com ele despertou?
Fui tomado por duas sensações opostas. Tristeza, porque lamento que haja pessoas forçadas a atravessar o Mediterrâneo fugindo do Oriente Médio e da África. Mas também senti outra emoção: Borhan não conseguia caminhar e fiquei feliz em ajudá-lo. Eu estava fazendo o pouco que podia fazer naquela situação, mas fiquei de certa forma feliz.
Vocês conversaram ao longo dos três lances de escada?
Não, ele estava exausto. Eu senti que respirava com dificuldade. Somente no final ele me olhou com aqueles olhos grandes e assustados e disse thank you. Falo apenas árabe, mas sei o que isso significa. Ele agradeceu a mim e à equipe do Talia por recuperá-los do barco à deriva. Ele apenas disse isso: thank you. Duas palavras que valem por mil para mim.
Existe alguém na sua família que tentou vir para a Europa?
Não. Meu pai e minha mãe trabalham em uma fazenda na Síria. Ninguém deveria ser forçado a deixar seu país, mesmo que eu saiba que em algumas situações não há outra solução.
O que você espera agora?
Que Malta nos dê permissão para desembarcar essas pessoas. Eles não aguentam mais, estão nas últimas.
A foto foi comparada com a Pietà: a Nossa Senhora segurando o corpo de Jesus.
Sou apenas um marinheiro, essas coisas são maiores que eu. Só posso dizer que sou muçulmano e rezo para que Borhan se recupere logo.
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O marinheiro da Pietà: “Aquele migrante doente era como meu irmão” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU