06 Julho 2020
Menos de cinco meses após a publicação da “Querida Amazônia”, a exortação ou, melhor, a carta de amor escrita pelo Papa Francisco após o Sínodo sobre a Região Pan-Amazônica de outubro de 2019, nasceu oficialmente, no dia 29 de junho, a Conferência Eclesial da Amazônia. Um fruto no meio do deserto humano, social e econômico causado pela Covid-19, que pôs de joelhos uma parte do mundo que já sofre e provocou até agora mais de 13 mil vítimas.
A entrevista é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 03-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
À frente desse novo órgão, foi eleito, após três dias de assembleia online, o cardeal Claudio Hummes, presidente da Repam. Ao seu lado, é significativa a escolha de colocar três representantes indígenas. Entre eles, Patricia Gualinga, da comunidade Kichwa de Sarayaku (Equador), uma realidade que o Vatican Insider teve o privilégio de conhecer de perto.
Patricia Gualinga. (Foto: Vatican Insider)
Ativista pelos direitos humanos, várias vezes convidada pela ONU para denunciar as condições de vulnerabilidade em que a sua população vive, Patricia explica qual será o seu papel na Conferência Eclesial e como ele representa um passo para as muitas mulheres da Amazônia que aspiram a uma maior participação na Igreja: “Nós merecemos isso, não somos invisíveis”.
Patricia, única leiga e indígena dentro de um órgão eclesial composto principalmente por bispos. O que isso significa para você?
Certamente é uma honra, mas acima de tudo uma grande responsabilidade. Raramente, para não dizer nunca, foram envolvidos leigos e muito menos indígenas em instituições da Igreja. A minha nomeação, junto com a de Dario Siticonatzi e da Ir. Laura Vicuña, ajudará a oferecer uma visão a partir de dentro das populações indígenas, daquilo que elas sofrem e do seu compromisso com a defesa dos territórios. Também será um modo de entender que tipo de acompanhamento a Igreja deve oferecer a essas pessoas.
Que tipo de mensagem a sua presença na Conferência Eclesial envia às muitas mulheres indígenas, para as quais o Sínodo invocava uma participação mais ampla na Igreja?
Sem dúvida, é um passo, nem que seja pelo fato de isso nunca ter acontecido antes. Pessoalmente, repito, trata-se de uma responsabilidade enorme, porque, através de mim, quer-se dar visibilidade às muitas mães, avós, irmãs, filhas que habitam a Amazônia. Mulheres que lideram famílias e comunidades inteiras e que aspiram a uma presença maior nos espaços da Igreja. Nós, mulheres, merecemos isso, precisamos agir, falar, não devemos permanecer invisíveis! Espero que isso possa abrir a mente e fazer com que se reflita sobre as novas transformações que o momento histórico atual requer.
Há muitos anos, você leva ao mundo o clamor dos povos nativos. O seu nome é identificado como “ativista dos direitos humanos”. Que contribuição o novo cargo dará à sua missão?
Defender a Amazônia e o seu ecossistema é um direito humano vital. Vou continuar levando em frente o meu compromisso e não acho que mudarei, pelo contrário, fazer parte de um órgão desse tipo será um impulso para insistir para que a Igreja seja amiga e aliada da Amazônia e veja nela uma parte vital para o equilíbrio do planeta. Estamos falando de um dos lugares da criação de Deus, importante para a humanidade, mas também para a própria Igreja.
Como será realizado o trabalho da Conferência Eclesial? Vocês já elaboraram um programa de trabalho?
Trabalharemos a partir do território, “atravessando o território”, como solicitado pelos Padres sinodais no Vaticano. A Conferência nada mais é do que o resultado do longo caminho que foi o Sínodo, assim como o fruto do documento do Papa Francisco.
O Sínodo recebeu várias críticas pelo fato de símbolos e ritos pagãos terem sido introduzidos na Igreja Católica...
Sim, eu também li comentários desse tipo. Ainda existem aqueles que veem a presença de uma pessoa como eu como algo não ritual ou até mesmo como um sacrilégio. Eu acho que é uma visão triste, que impede que se veja aquilo que, talvez pela primeira vez, está realmente sendo feito, isto é, unir as forças para defender os direitos de pessoas que sofrem. Naturalmente, a espiritualidade é transversal: não se trata de impor, mas sim de se respeitar e de olhar além. Essa é a riqueza.
Por outro lado, para os indígenas, alguns dos quais lamentaram no passado uma ingerência da Igreja nas suas culturas e tradições, é positivo ou não que uma instituição desse tipo tenha nascido?
Muitos acolheram o órgão eclesial como um apoio e uma instância que deu voz às suas propostas. O objetivo é trabalhar a partir do território, o que significa olhar a partir de dentro das necessidades das populações nativas, acompanhando-as, lado a lado, como amigos e não como instituição que vem se impor. A verdadeira questão, na minha opinião, é outra.
Qual?
O que significa para a Igreja universal ter uma Conferência Eclesial pan-amazônica? Acho que é um desafio aplicar realmente o que o Evangelho diz: estar ao lado dos pobres. Eu espero que se possa ter um novo reposicionamento da Igreja no território amazônico, e não só.
Enquanto isso, a Covid-19 agrava uma situação já complexa. O que vocês fazem para enfrentar a emergência?
A Amazônia vive muitas emergências. O coronavírus é o último elo de uma corrente de sofrimentos. Há as inundações que afetaram as habitações e os cultivos dos povos indígenas; há a contaminação com a ruptura contínua de oleodutos desgastados, que instilam substâncias tóxicas nas lavouras ou na água; há a dengue, o paludismo, o abandono do Estado. Estamos tentando agir graças a voluntários, aliados, amigos. A Igreja se “mistura” nesse grupo: a Repam trabalha duro, assim como os episcopados locais. O que estamos fazendo é enfrentar de peito aberto a emergência e obter respostas do governo que não assumiu as suas responsabilidades. Pelo contrário, acho que jamais pensou nelas! Fomos deixados em uma condição de abandono. Mas a Amazônia é muito grande e precisa de muitas respostas, diversas e imediatas.
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Uma mulher leiga e indígena na Conferência Eclesial da Amazônia. Entrevista com Patricia Gualinga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU