17 Junho 2020
Michele Lasala entrevista Francesco Postorino sobre o cristianismo no contexto atual de uma nova pós-modernidade. Postorino aprofundou sua pesquisa na Universidade Paris 1-Sorbonne e estuda o neoidealismo italiano e europeu e o socialismo liberal. Entre suas publicações recentes incluem-se: Carlo Antoni. Un filosofo liberista (pref. de Serge Audier), Rubbettino; Democrazia in lessico crociano, La scuola de Pitagora; Bobbio et le marxism, Droit & Philosophie.
A entrevista é de Michele Lasala, publicada por Settimana News, 13-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Benedetto Croce, no artigo "Por que não podemos não nos chamar de cristãos", de 1942, escrevia que o cristianismo foi a maior revolução que a humanidade já fez, e isso porque abriu ao homem o universo de sua interioridade. Essa revolução, para Croce, operou no centro da alma e na consciência moral. Acredito que, hoje mais do que nunca, aquele artigo possa - e deva - ser relido e remeditado, se considerarmos o fato de que exatamente a esfera da interioridade está em perigo.
Você concorda?
Esse ensaio abriga uma adesão sincera e inteligente ao perfil cultural do Ocidente, e eu não escondo sua importância; mas aquelas palavras não chegam mais ao fundo, não tocam o outro lugar, não se pronunciam sobre o sentido da cristandade, porque se dirigem mais ao intelecto ou ao ruído habitual da polêmica do que ao coração. Não devemos esquecer que, para Croce, a história que acontece é o Absoluto, ou Deus.
Para um cristão, pelo contrário, a história é a minha oportunidade de pronunciar o "sim" a um rosto suspenso entre o tempo e a eternidade, e que me permite encontrar o tu. Aliás, não sou eu que encontro o segundo pronome, mas Cristo que repousa em mim, que grita, chora e sorri em mim.
Não sou mais eu, mas me torno no que Cristo faz. É por isso que o teólogo Karl Rahner está certo quando diz que o cristão do futuro é um místico ou não é nada. Ter Cristo dentro não significa mostrar-se "possuído" ou endiabrados, inclusive porque a humanidade que está em você não se desloca nem um milímetro. Mas o amor que você sente adquire maior consciência, sua consciência prefere viajar em espaços não monopolizados pelo criticismo kantiano, e a fragilidade que você sente tem um nome e um impulso de esperança.
O que é o cristianismo, em suma?
Uma relação de amor com aqueles que me doou uma Palavra eterna e, com ela, me permite visitar os olhos e a biografia do meu próximo. Uma relação vertical e horizontal que se alimenta de tensões, de desvios, de trevas, de crises, de intervalos que sopram luz inédita na história. Uma relação que quer a vida e rejeita o pesadelo de uma morte infinita. Uma relação guiada pelo impossível e que situa no centro o Cristo faz.
O Cristo dentro é um Cristo em saída. Não há contradição. O Cristo dentro responde à doce dialética que envolve meu novo eu em uma luta contínua entre minha vontade natural e o desígnio do amor, entre o egocentrismo e o esvaziamento de si mesmo para... Cristo em saída, de fato, significa que, tão logo o toco, mal posso esperar para entregá-lo às tuas misérias. É por isso que um Cristo dentro não pode existir sem um Cristo em saída. O Cristo dentro já é um Jesus que escapa de qualquer estática perigosa ou do chamado "demônio do Meio-dia". Mas Cristo em saída não significa Cristo fora.
Qual é a diferença?
O Cristo em saída desperta quando irrompe o Cristo dentro. Se eu tiver Ele e sinto o perfume da cruz, faço com que Jesus ame você, nesse exato instante, onde o tempo ignora as regras do Chronos de Anaximandro e privilegia a fome do Kairos.
O Cristo fora, por outro lado, é um Cristo que não habita em meu ser, um Cristo externo e ocasional, um grande Ente que não se comunica, um quadro nunca explorado. Cristo dentro e em saída vence o mundo através do inédito Cristo faz; enquanto o Cristo fora sucumbe à normativa / mundo.
O Cristo faz a melhor réplica à sociedade materialista e capitalista de hoje?
O Cristo faz vencer o mundo através de mim. O mundo é o conjunto dos meus pontinhos pretos e velhos que turvam o segundo olhar e me prendem no ódio e na lógica-mundo que me quer lobo do meu irmão, tirano e princeps por alguns dólares a mais. O Cristo torna-me místico da cotidianidade, ou seja, uma pessoa continuamente renovada, não porque eu tenha méritos, talentos ou porque sou mais lindo e sábio, mas porque Ele habita no meu espaço secreto e derrota os produtos da terra, entoando a beleza e o cheiro da verdade. Hoje eu tenho que fazer a Cristo o que eu, na minha fraqueza hobbesiana, não posso fazer. Mas não basta dizer isso!
Acredito que este seja o momento da ação/mais. Não da ação ordinária daqueles que usufruem da serenidade que não toca, mas a ação que faz um segundo evento e liberta ..., aquela que me permite mover-me com ele e em direção a você. Se minha palavra é mais longa do que o meu sentir, volto ao ponto de partida e me caso no extrínseco com a cristandade, torcendo até o fim por ritos e folclore.
Então, pelo que eu entendo, existem dois tipos de cristianismo?
A diferença, na minha opinião, está entre o "místico da cotidianidade" e o "cristão moderado". O primeiro, que anunciei acima, não é um alienígena, um estranho que fala com Deus de manhã à noite, reza terços no chuveiro e talvez fuja do encontro normal com seus semelhantes.
O "místico" de hoje é alguém que superou sua sombra ou o delírio da onipotência e se veste do "Filho do homem". O místico come, se diverte e trabalha como qualquer outro, só que seu eu cede lugar a Cristo. E quem tem Cristo dentro não fica zangado, não troca seu rosto com uma máscara pronta para a guerra, para as cruzadas, para os fundamentalismos da espada, da oratória ou das estúpidas trocas nas mídias sociais.
Quem tem Cristo dentro não quer vencer, não quer chegar em primeiro, não reforça sua imagem, não se coloca no centro, não se diverte com as armas do individualismo proprietário, não confunde a Palavra eterna com proposições de ódio e vingança, justamente porque almeja ao Cristo em saída e à transmissão imperfeita do mistério.
Ninguém é Jesus, portanto ninguém é perfeito! De fato, na direção mística, encaminham-se aqueles que sentem em si o desafio entre a própria vontade e a de Cristo: quanto mais eu me rendo à sua mensagem (Cristo faz), mais me aproximo do sentido cristão. É claro que cada um de nós navega nas noites de tormento, às vezes sem sequer um colete salva-vidas para dar apoio. Sentimo-nos sozinhos, decepcionados, abandonados, não sentimos mais a emoção, o mistério assume a aparência de um castigo, a Providência se torna um nome preso no escuro que não cura. Nenhuma oração consola. Nenhum ato ilumina. E a nossa noite corre o risco de interceptar o niilismo de todos os tempos.
Depois, coisas estranhas acontecem: em um instante você estaciona a cruz do lado de fora de casa, onde ninguém pode vê-la, no instante seguinte você procura a luz e finalmente se sente desconfortável com a linguagem/mundo. Essas são, de fato, as lutas que nunca terminam. Ninguém é Deus! Ninguém realmente sabe! Hoje é noite (o hoje do homem), hoje é manhã (o hoje de Deus).
O místico contemporâneo não é uma pessoa segura, certa de tudo e de sua manifestação. Ele tem que lidar com o teatro da pós-modernidade e acaricia a vitória sobre o mundo quando seu grito existencialista, à beira do desencanto, abre a porta ao outro lugar e exclama "eu confio!".
Há, no entanto, outra direção, a do cristão moderado, cerimonial ou sentado, que lê Deus como um Ente entre outros entes, ou seja, uma minha atualização do currículo existencial. Um Deus que é colocado em jogo somente quando preciso. Um Deus/empresário que tem que me dar algo, caso contrário eu não o reconheço.
Um Deus que nos assusta. Um Deus/Faraó que nos castiga se cometermos erros ou nos recompensa porque fomos gentis em algum fragmento do nosso dia. Todos caímos nessa "orquestração religiosa", eu primeiro, e muitas vezes não percebemos que Deus/amor, anunciado na primeira Carta de João, pode ser amado e sentido profundamente apenas pelo místico.
Quem pode ser o místico hoje?
Qualquer um! O "místico da cotidianidade" está pronto para morrer para não deixar Deus morrer. Ele pode escorregar, mas depois se levanta mais "derrotado" do que antes. O místico perde para premiar você, abandona-se para não abandonar você, se faz "pincel" para pintar o rosto de Jesus nas almas que o perseguem, como aconteceu com a esplêndida Teresa de Lisieux. Ele vive na sociedade e pode ser médico, engenheiro, filósofo, carpinteiro, agricultor, político (por exemplo, Giorgio La Pira), padre ou freira (por exemplo, a irmã Clare Crockett), só que age com um segundo olhar e o coração renovado. Jesus dentro, além disso, antecipa não apenas o Jesus em saída, mas também o Jesus no meio.
Uma terceira dimensão?
Quando eu impacientemente o entrego a você (Cristo em saída), introduz-se no sem-tempo um espaço (Jesus no meio) que fotografa o assombro por uma relação horizontal entre o eu renovado (Jesus dentro-em saída) e o você que pergunta. O Jesus no meio, portanto, é o respiro-mãe que une e divide duas almas. Sem Jesus no meio, não posso conhecer os lugares, essência, medo, sonho, desejo de amar e ser amado que você tem. Assim, as nossas humanidades restituem à Verdade o seu pão.
Jesus dentro-em saída e o Jesus no meio soam como infinita prerrogativa do místico contemporâneo, daquele que derrota a lógica/mundo com uma tripartição que tem um único significado, um único nome e um único rosto.
É importante insistir que o místico de hoje não é um cristão exagerado, ortodoxo, partidário ou pós-humano. Mas ele é o verdadeiro cristão! A alternativa é o "cristão soft" acorrentado às prisões do mundo, escravo do sucesso, do protagonismo midiático e da vontade de poder. Quem ouve o Evangelho até às raízes é um místico!
Voltando à primeira questão, pergunto-lhe por que não podemos deixar de nos chamar de cristãos. Na minha opinião, o cristianismo está tão profundamente enraizado em nossa cultura que negá-lo também significaria negar Dante, Michelangelo, Rafael, Manzoni... a nossa história e a nossa civilização.
Discordo de uma afirmação que reivindica títulos de apropriação e identidade. O plano hermenêutico de discussão deve ser outro para um crente. Tertuliano nos lembra que não nascemos cristãos, mas nos tornamos.
Eu prefiro muito mais a definição (não definição) de Romano Guardini, que afirma que seria ainda mais correto dizer, até o último momento, "eu gostaria de me tornar cristão!". Isso indica a verdade in fieri que é provada por aquele que se converte todo dia ao inesgotável grito da nona hora.
O cristianismo é uma oferta que meu intrínseco pode acolher ou não. Devemos permanecer nesse aut-aut: uma escolha que pode transformar o meu instante. Eu tenho que decidir se perseguir a "morte de Jesus" ou a "morte de Deus".
A propósito da "morte de Deus", no século XX, foi marcado pelo niilismo, aquela sensação de nada que ainda impregna nossas vidas com suas sombras espessas. Já Nietzsche, no final do século XIX, em A Gaia Ciência, em um famoso aforismo, fazia um louco gritar, em plena luz do dia e no mercado, justamente que Deus estava morto. E isso ocorre porque os homens da modernidade gradualmente destruíram os fatos da metafísica e os substituíram por interpretações, e a verdade resultou assim em um grande engano.
Nós, homens contemporâneos, agora tomamos como certo não haver certezas absolutas e que, acima de tudo, não há nada além da experiência mundana. Mas a coisa mais terrificante é que esse nada não assusta mais. Não é mais vivenciado como um drama. Na verdade, pode-se mesmo dizer que os homens vivem em um constante divertissement de pascaliana memória e, embriagados por distrações mundanas, mais que viver, se deixam viver
No Four Quartet de 1959, o poeta T.S. Eliot nos lembra que: "[...] os capitães, os grandes banqueiros, os eminentes literatos, os generosos mecenas da arte, os estadistas e soberanos, destacados funcionários públicos, presidentes de muitos comitês, industriais e pequenos mediadores, todo estão se dirigindo para a escuridão [...] e nós junto com eles”.
Além disso, com a morte de Deus morrem condições históricas e transcendentais do homem-céu, daquele que pode viver a partir da misteriosa linguagem da morte de Cristo. Gostaria de retomar a frase final e provocativa da resposta anterior.
É preciso escolher entre a "morte de Jesus" e a "morte de Deus". A morte de Jesus é o começo da segunda vida, o gosto de uma segunda possibilidade que finalmente posso experimentar, o desejo de me descentralizar, de me anular com o sorriso de nenhum tempo, a escolha de reviver os pregos, porque Ele fez isso por mim sem que eu lhe pedisse, o caminho que leva à sua porta, o desejo de descer sem receio em você, como Jesus fez com a samaritana.
De fato, Jesus detesta o politicamente correto, ele não é formalista ou homem de boas maneiras. Não! Ele coloca o pé na porta e cava nos ferimentos mais profundos. Não dá soluções, mas fica comigo. O seu sentir-se abandonado na nona hora é o meu sentir-me abandonado, minha desorientação nas vicissitudes do silêncio e da angústia. Ele o sabia, é por isso que grita no abandono. Ele não trai, e nos convida a mostrá-lo aos outros, e ele quer que outros o mostrem novamente para mim, com Ele presente no meio entre minhas inquietações e as perguntas que você tem.
A morte de Deus, por outro lado, é um deserto sem água nem metas, a escuridão que já inicia nesta vida. A morte de Deus é a extinção do espaço em que posso confiar-me à luz inédita. Quando Deus morre, realizo uma nova crucificação de Jesus - que não é a "morte de Jesus" no sentido explicado acima - e faço ressuscitar as ambições de um super-homem que repousa no meu instinto de dominação. Se Cristo vence o mundo com a sua morte, com a morte de Deus/Pai, toma lugar, ao contrário, aquele Übermensch que aguarda o momento propício para vencer no mundo.
A morte de Jesus indica a extinção do meu desejo de dominar você e me sugere com amor o Amor inaudito. Eu posso morrer por você e me reduzir a nada, porque Ele se reduziu a nada. E apenas um nada pode finalmente encontrar a essência do você.
Por outro lado, com a morte de Deus, posso matar você, comprar você ou abandonar você à beira da dor mais sombria, ou ainda posso lhe dizer que vou orar por você e que confio você à Providência, enquanto ao mesmo tempo não o ouço, não o olho, você não está presente, não tem rosto, pois eu eliminei o rosto da Verdade do meu coração. Afinal, basta apenas um instante para passar da morte de Jesus para a morte de Deus, isto é, da luz para as trevas, da Verdade para a mentira.
Se bem entendi, a morte de Jesus, que você distingue da morte de Deus, é a Verdade sem tempo, o mistério que hoje tem dificuldade para emergir. Você não acha que, além da morte de Deus, sinal dos tempos, também podemos efetivamente falar da "morte do homem"?
Hoje a morte de Deus tende a ultrapassar a morte de Jesus de maneira chocante. Um escândalo que corre o risco de triunfar sobre o escândalo do crucifixo. Embora seja bom insistir, na minha opinião, sobre as lutas interiores e tentar fazer um pouco de sociologia. Hoje - o advérbio adotado doze vezes no Evangelho de Lucas - devo empregar a escolha entre duas mortes incompatíveis: a morte de Jesus me permite saciar a sede de dominação e me oferece outra sede toda a ser experimentada; a morte de Deus me faz beber a mesma água da finitude, entristece meu coração e me lança em busca de um deus com letra minúscula que fabrico com mão tosca ou intelecto "sapiente".
A morte de Jesus invoca a morte (positiva) do homem, que padece o espetáculo do infinito; a morte de Deus corteja a morte (negativa) do homem, aquela que me faz exibir os músculos e lutar contra você no meu hoje, para depois me entregar a um desespero perpétuo e sem voz.
A "criança" de Nietzsche venceu o jogo às custas do "camelo" e do "leão". Sua inocência desresponsabilizante está pronta para expressar um poderoso "sim" à terra e a um eterno retorno do nada igual. O niilista que matou Deus é uma criança que adentra o insensato e ri de tudo, especialmente da morte de Jesus.
Em nome da laicidade - e, se quisermos, também por causa dessa "inocência desresponsabilizante" -, chegamos a remover os crucifixos das salas de aula. Em nossa época, cada um deve se sentir livre para professar ou não uma religião. A questão, no entanto, é ainda mais complexa, porque tirar o crucifixo não é um ato de liberdade, mas sim uma ação violenta contra nossa própria cultura, contra o significado da mensagem de Cristo, que é universal justamente porque interpela o espírito do homem.
Negar o cristianismo é negar o princípio em que ele se baseia: "ame o seu próximo como a si mesmo". Não ver o rosto de Jesus não é ver o rosto do homem; e o rosto do outro, entendida como abertura e como infinito (Lévinas), não desperta mais interesse em nós. Não sentimos mais nenhuma responsabilidade em relação a ele e ficamos surdos ao apelo de sua presença. Não somos mais capazes de realizar uma revolução semelhante à que Cristo fez quando "viu" Zaqueu na multidão e o chamou pelo nome. Foi a primeira vez que aquele usurário se viu em sua dignidade de homem. Como você interpreta essa nossa rejeição do rosto de Jesus?
Há no ar muito cansaço e desencanto. O vento que "sopra onde quer" tem que ajustar as contas com o vento de indiferença que ruge contra o impossível. Porque a fé em Jesus é a ocasião do impossível. Nossas categorias, a percepção kantiana, nossos hábitos não podem conter o seu mistério. É por isso que preferimos condená-lo novamente com Pilatos, em vez de amá-lo.
O mundo sugere o possível e nós acreditamos nisso. Jesus nos exorta ao impossível e, portanto, nós o rejeitamos.
Confiamos na primeira batida, no primeiro compromisso, na primeira resposta. Não confiamos na possibilidade do impossível: a representação de um castelo interior e exterior (como disseram duas místicas), no qual o impossível se torna vida.
E esse impossível que se torna vida, de fato, só pode acontecer se o homem começar a olhar para dentro de si, redescobrindo a humanidade ou a espiritualidade que infelizmente esqueceu justamente com seu "sim" à terra. Mas não aquela humanidade ou "autenticidade" da qual Heidegger nos falava, que se resolve no angustiante nada, mas a que se revela - como Luigi Stefanini afirmava – a imago Dei: imagem de Deus (ou o "Cristo dentro", como você diz) por ser criada por Deus.
Só assim o homem não poderá mais ser entendido como um "ser-para-a-morte", mas como um ser para a vida, para o amor e para o outro. Em suma, uma abertura ao impossível que recusa a aceitação do limite - e da morte - como única dimensão possível para a existência. E, em certo sentido, aquela bela frase de Guardini que você recordava antes concorda com a posição de Stefanini, porque, afinal, querer se tornar cristão significa querer descobrir, dia após dia, aquele Deus que já está dentro de nós, em um percurso que é sim interior, mas ao mesmo tempo capaz de abrir caminho para a "possibilidade do impossível", criando uma ponte entre mim e você para além de qualquer indiferença. Um percurso que, de certa forma, também lembra as reflexões de Stein sobre o valor da pessoa.
Mas o drama do nosso tempo parece ser o agnosticismo. Há uma tendência a acreditar apenas no que é possível atestar, verificar. Se existe um outro lugar além da experiência, não nos é dado conhecer. Se existe um Deus ou um Princípio para além do acontecer, não é questão que possa causar preocupação. Vivemos em uma espécie de gaio "não sei", porque o desconhecido não é mais motivo de questionamento.
Como podemos interpretar esse nosso agnosticismo que evita as perguntas mais radicais?
O agnosticismo é a religião da prudência. Se eu não sei, se não posso vê-lo, tocá-lo, interceptar suas caretas, suas censuras, sua aprovação ou seu aperto de mão, como eu poderia me convencer de sua existência? Eu entendo as razões do agnóstico. Eu também pensava assim, e meus livros anteriores - especialmente o último de 2018, intitulado L’altro Croce. Un dialogo con i suoi interpreti - se baseavam na importância do Sollen kantiano ou daquele "acionista" enunciado no século passado, em suma, o perfeito "deve ser" de viés cosmopolita que não pode coincidir com a cinzenta contingência (mundo/história), elogiada de várias maneiras pelas correntes filosóficas do historicismo.
Não renego a emoção de querer mudar as coisas. Longe disso! Mas o princípio primeiro, o fundamento do qual emana toda possibilidade/impossível, não pode ser encerrado em um condicional desprovido calor; caso contrário, a revolução nunca será autêntica, e a única que não poderá falhar é a do coração.
O “não sei” não pode melhorar o mundo?
Pelo contrário, o agnosticismo pode melhorar o mundo! A questão é se ele pode vencê-lo, e a resposta é não! Para vencer o mundo, serve Cristo, é preciso um corpo, uma verdade que se faz pergunta. De fato, apenas um rosto pode me permitir sentir outro rosto.
O agnosticismo moderno e contemporâneo constitui a variante negativa da incerteza; a fé cristã, por outro lado, representa a variante positiva da incerteza. De fato, aquele que tem fé não tem nenhuma resposta no bolso. Ele simplesmente confia. Ele não pode ver com clareza se liga os olhos dos sentidos. Tem fé quem antepõe a loucura de um mistério à insípida razoabilidade do mundo.
A diferença entre o crente e aquele que se move no perímetro agnóstico é que o primeiro não sabe e mesmo assim avança no inexplorado, sente, desvincula-se do óbvio e ganha o impossível.
O agnóstico logo prefere parar, confia em si mesmo e em seu eu irredutível. Mas há uma diferença ainda mais sutil: o agnóstico não pode amar seriamente o segundo pronome. Ele não pode amar o outro com um amor inédito e rico de gratuidade. No máximo, pode tolerá-lo, como ensina a escola do reformismo secular e iluminista, ou pode respeitá-lo. Não vai além disso!
Quando se opta pela incerteza negativa (agnosticismo), nosso ser "exigente" é encurtado e ficamos demasiado desorientados para construir pontes entre homens e mulheres, também porque à primeira tempestade existencial caímos. O cristão moderado, ou seja, aquele que tem Cristo fora, é cúmplice dessa linha agnóstica que acaba se rendendo ao vocabulário do mundo. Naturalmente, quem desfruta de uma "certeza de Deus" - típica abordagem fundamentalista - vive um estado de perfeita tranquilidade, calma e descanso prolongado; consequentemente, a emoção diminui e, a uma nova perturbação, as pontes se transformam em muros com arame farpado.
O amor cristão, o ágape, o transcendente que se torna carne, só pode ser descoberto e vivificado por quem entra, com os sinais do assombro e de uma positiva incerteza, nas dinâmicas do Cristo dentro-em saída. Se eu respeitar ou tolerar você, nunca morrerei por você, porque não tenho Ele em mim.
Certamente, nos labirintos de bellum omnium contra omnes já é algo iniciar as práticas da tolerância ou do respeito; mas hoje eu tenho que andar nas vias paradoxais e pintar com o "pincel" o Cristo faz, colocando no meio entre dois sombreamentos uma cruz que une no grito.
Segundo Russell, a religião nasceu por causa do medo do desconhecido e do oculto; mas esse medo por ele poderia ser removido só pela liberdade da pesquisa científica. Acho difícil acreditar que a religião nasça do medo, nem estou convencido de que possamos falar de liberdade em relação à pesquisa científica.
Pelo contrário, a ciência nos obriga, com suas análises meticulosas, a permanecer nos horizontes da experiência, interrompendo assim o pensamento. Não nos permite pensar em uma realidade para além daquela física e nos aprisiona na gaiola do mensurável. Pelo contrário, a religião amplia o pensamento e o abre ao universal. "As fábulas do mundo - escrevia Michelangelo – me roubaram o tempo dado a contemplar Deus".
Que importância pode ter hoje a religião, considerando que essas "fábulas" se tornaram a nossa morada?
A técnica imperialista responde, na verdade, ao paradigma religioso. A religião, de fato, é um dogma que nos afasta do imprevisível e do assombro de uma relação.
Os fanáticos da ciência, da tradição, os ateus do supermaterialismo são religiosos exatamente como aquele "cristão cerimonial" que já vimos antes: o cristão sem Cristo, mas com um Deus/empresário que deve atender meus desejos aqui e agora. A religião, em suma, não é a fé. A primeira rejeita o amor; a segunda se alimenta de um encontro ambientado no eterno, de uma troca de verdade e respiros.
Como responder às pretensões da ciência e da técnica?
Às pretensões da ciência não se responde com a ira do fundamentalismo, isto é, com uma diferente religião; mas com os olhos da fé, os olhos de Jó, os olhos humanos, simples e em tensão que, apesar do mal inexplicável no aqui e as honestas raivas contra Deus durante a noite existencialista, continuam a confiar. A alternativa é um falso jogo de xadrez contra as "serenas" manobras do niilismo.
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Cristianismo e nova pós-modernidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU