09 Junho 2020
A celebração do Dia do Meio Ambiente tem provocado a organização de diferentes debates mundo afora. Num deles, Felício Pontes, procurador Regional da República e auditor no Sínodo para a Amazônia, participava de um encontro virtual organizado pela Preferência Apostólica Amazônica – PAAM da Companhia de Jesus. O tema debatido foi “Amazonizar é necessário e urgente: Cenário socioambiental dos povos da floresta”.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Amazonizar é um termo que cobrou protagonismo ao longo do processo sinodal do Sínodo para a Amazônia, mas que já aparece em documentos da Igreja da Amazônia da década de 1970. Segundo Márcia de Oliveira, socióloga e perita no último sínodo, ela afirma que amazonizar é “conhecer a Amazônia, saber sobre o seu bioma, a riqueza e as fragilidades desse bioma, a importância desse bioma na produção das chuvas, na regulação do clima, no restante do Brasil, na América Latina e em todo o planeta. A floresta produz e distribui as chuvas, sem a floresta, sem a Amazônia nós teríamos problemas ambientais gravíssimos”.
Junto com isso, “amazonizar é conhecer os povos da região, que conhecem profundamente o bioma e as suas fragilidades e por isso historicamente se colocaram em defesa. São os verdadeiros guardiões da floresta, da Amazônia, são os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses e camponesas da Amazônia que estabelecem uma relação de reciprocidade, de interdependência, de cuidado com a Amazônia, com a Casa Comum”, segundo a socióloga. Por último, amazonizar deve levar a assumir “a defesa da Amazônia, dos seus povos, dos territórios”. Nesse sentido, seguindo as palavras do Papa Francisco em seu discurso aos povo indígenas em Puerto Maldonado, a perita sinodal afirma que “talvez a Amazônia nunca tinha sido tão ameaçada como na atualidade”, o que faz necessário tomar posição política e reconhecer as práticas que destroem a Amazônia, dentre elas a mineração, os monocultivos, os agrotóxicos e o gado extensivo.
No encontro virtual, mediado por Joicy Falcão, bióloga e coordenadora da obra social dos jesuítas Fé e Alegria, Felício Pontes, que desempenha a defesa jurídica dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia, fazia uma análise da realidade, destacando alguns elementos presentes na Amazônia atual. Ele destacava, entre outros elementos, o assassinato de ativistas, uma prática muito comum na região, onde a grilagem, segundo o Procurador Regional da República, ainda é imensa, o que tem provocado que comunidades tiveram que sair dos lugares onde tradicionalmente moraram porque alguém chegou lá com documentos falsos dizendo que aquela terra era sua.
Na Amazônia, o modelo predatório foi se instalando aos poucos como o modelo dominante, o que motivou, entre outras coisas, o trabalho escravo, uma realidade onde a Amazônia, concentra a metade dos casos registrados em todo o Brasil. Segundo Felício Pontes, existe a possibilidade de transformar isso, porque esse não é o modelo dos povos da região. Ele defende que a alternativa é o modelo socioambiental, direcionado aos povos da floresta, onde a agroecologia tem um papel em destaque, é promovida a distribuição de renda e a floresta é vista como aliado, não como obstáculo.
Recolhendo dados de diferentes estudos, Felício Pontes afirma que existem 17 tipos de atividades que promovem esse modelo socioambiental, que já atingem um benefício de 192 bilhões de dólares por ano, que o faz mais rentável que o modelo predatório. Ele relata a existência de 1.200 produtos que só são produzidos pelos povos da Amazônia, produtos cada vez mais valiosos. Isso sem contar os fitoterápicos, que segundo o Procurador da República poderia fazer com que o Brasil se tornasse uma potência biotecnológica. Para isso, se faz necessário aproveitar o conhecimento milenar dos povos da floresta, implantar isso e não o modelo que nasceu com a ditadura militar, modelo retrógrado, que não nos trouxe beneficio, mas que está sendo de novo impulsionado pelo governo atual. Diante dessa situação se torna um desafio ver como encampar esse modelo no cenário internacional.
O encontro tem servido para refletir sobre algumas situações presentes na Amazônia. Uma delas é a construção do Porto das Lajes, em Manaus, que acabaria com um ponto turístico de importância mundial, o Encontro das Águas, como relatava Valter Calheiros, quem denunciava a situação de uma cidade onde o cuidado do meio ambiente tem caído no esquecimento. Em referência ao projeto, Felício Pontes relatava que esse projeto, assim como o Porto Naval, iria atingir as comunidades ribeirinhas do município de Manaus.
O Porto Naval não saiu dado que faltou a consulta prévia, livre e informada às comunidades atingidas, dado que esse direito a consulta previa não é só para os povos indígenas, também para as comunidades tradicionais. Nesse sentido, o procurador destacava a importância da mobilização da sociedade civil de Manaus, criando um precedente que vai influenciar no Porto do Encontro das Águas. Segundo ele, isso nos dá uma esperança muito grande, algo que deveria ser do conhecimento de todos, pois são valiosíssimas para a população em geral, traduzir os relatórios técnicos para conhecer o impacto ambiental que esses projetos podem provocar.
Outra situação preocupante na Amazônia, é a que vivem os agricultores familiares, como mostrava Sileuza Barreto, considerada por Felício Pontes como uma pedra de resistência frente à soja, numa região tradicional de agricultura familiar, que é responsável pelo 70% da comida que chega na mesa dos brasileiros. Frente a isso, o Procurador Regional da República enfatizava que a agricultura familiar só recebe esmolas do Plano Safra do governo federal, do qual se beneficia o agronegócio, prejudicando a segurança alimentar no Brasil. Ele fazia referência à MP 910, que ia fazer com que as terras da Amazônia fossem entregues para o agronegócio, mas que não foi votada, se tornando um PL, com as mesmas clausulas da MP 910. Isso demanda a necessidade de estar alerta para evitar que esse PL da grilagem seja aprovado.
As comunidades quilombolas também são um elemento importante na Amazônia, uma realidade que faz parte da vida de Vivian Cardoso, do Território Quilombola do Abacatal, na região metropolitana de Belém. Ela denunciava diferentes ameaças que a população está enfrentando. Diante disso, Felício Pontes afirmava que lá é um local de resistência, um campo de teste diante das ameaças, fruto de um colonialismo que tenta reproduzir os métodos dos primeiros colonizadores, que faziam crer que os conhecimentos tradicionais não serviam. Ele alerta sobre os perigos do colonialismo interno, desenvolvido por pessoas que não entenderam o valor dos conhecimentos, línguas, culturas dos povos da floresta, por pessoas da Amazônia que tem a cabeça colonial, não respeitando nada do que está aí. Ele relatava alguns exemplos disso, como a destruição de imensas áreas de floresta para plantar capim.
Em Manaus existe um dos maiores assentamentos indígenas da Amazônia, conhecido como Parque das Tribos. Lá mora Vanda Witoto, quem com suas palavras provocava que Felício Pontes reconhecesse que nós não temos como aprender melhor o significado da palavra resistência do que com os povos indígenas, aprender com eles neste tempo de pandemia. Ele lembrava as palavras de Airton Krenak, uma das grandes lideranças indígenas do país, que defende que nós não podemos, depois da pandemia, voltar ao que chamamos de normalidade.
Nesse perspectiva, Felício Pontes defende que a pandemia tem provocado um processo de conscientização mais rápido. Ele afirmava ter a esperança de que as mortes daqueles que são as enciclopédias da Amazônia, os líderes indígenas, não tenham sido em vão. O procurador lembrava a morte de dois líderes munduruku com quem aprendeu muito, a quem considerava como verdadeiros livros sobre como lidar com a natureza, com a vida. Por isso, ele considera que ninguém melhor do que os povos indígenas, que tem 520 anos de resistência, para nos ensinar o que isso significa. Precisamos saber desse conhecimento, sobre como conseguiram lidar com as epidemias, sobre a importância do isolamento social como instrumento de superação dos riscos, são instrumentos valiosíssimos, segundo Felício Pontes, que denunciava que o governo federal sabia dos riscos que corriam os povos indígenas, mas não foi levado em consideração.
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“Se faz necessário aproveitar o conhecimento milenar dos povos da floresta”, afirma Felício Pontes no Dia Mundial do Meio Ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU