08 Junho 2020
"Poderíamos ter administrado empresas e não obscuros tráficos pelas ruas, mas vocês colocaram um joelho no nosso pescoço. Temos criatividade e poderíamos ter feito o que qualquer outra pessoa pode fazer, mas não conseguimos tirar o vosso joelho do nosso pescoço. O que aconteceu com Floyd acontece todos os dias neste país, na educação, nos serviços de saúde e em todos os setores da vida americana. E é hora de lutar pelo que é justo, agora. Em nome de George, temos que dizer: tirem os joelhos dos nossos pescoços", escreve Alfred Charles "Al" Sharpton Jr. (Nova York, 3 de outubro de 1954), pastor batista norte-americano, ativista dos direitos civis e radialista. Em 2004, ele foi indicado como candidato democrata à presidência norte-americana. Sharpton apresenta o talk show de rádio Keepin 'It Real e faz regularmente aparições como convidado especial na CNN, na MSNBC e na Fox News, em programas como The O'Reilly Factor, apresentados por Bill O'Reilly, em artigo publicado por SettimanaNews, 06-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quero que não fiquemos sentados aqui como se fosse um funeral normal. George Floyd não deveria ter morrido. Ele não morreu de uma doença física. Morreu de uma doença no sistema de justiça estadunidense. Morreu porque não houve um comportamento saudável que ensinasse a este país que, se você cometer um crime, não importa se você está vestindo jeans azul ou uniforme azul, ainda tem que pagar por um crime cometido.
Portanto, não é um funeral normal. Não é uma circunstância normal, embora muito comum, e temos que lidar com isso. Deixe-me dizer que para aqueles que precisam de uma referência bíblica para uma homilia, podem ler o Eclesiastes 3.1: "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu".
Vou deixar isso de lado, por enquanto.
Eu vi alguém diante de uma igreja outro dia, ocupando aquele espaço como resultado de um ato de violência. E depois ele segurou uma Bíblia com a mão. Eu sou pregador desde jovem. Eu nunca vi ninguém segurar uma Bíblia daquela maneira em toda a minha vida. Mas vamos deixar de lado. Desde que sacudiu a Bíblia, aquele homem provavelmente hoje ele a está olhando. Eu gostaria que aquele homem a abrisse, a Bíblia, e gostaria que ele fosse ler o Eclesiastes 3.1: Tudo tem o seu tempo determinado. Acredito que nosso esforço para deixar o mundo saber o que está acontecendo em nossas ruas e nas ruas da Europa seja o esforço para tornar evidente que tempo é este.
Antes de tudo, não podemos usar a Bíblia como um fetiche. E para aqueles que têm um propósito diferente da justiça, essa família não permitirá que vocês usem George como um fetiche. Se você quer ser ouvido, não o use. Lutamos pelo que é justo. Abertamente.
Deixe-me contar uma coisa. Eu cresci em Brownsville, e lá tinha baratas. Agora, eu sei que Kevin Hart e alguns caras ricos de Hollywood aqui presentes não sabem o que são baratas, mas tínhamos baratas, e elas eram nojentas, e uma coisa que aprendi sobre as baratas é que, se você mantiver a luz apagada, se estiver no escuro, uma barata vai subir na sua mesa e fará um belo banquete. Então, eu aprendi que uma das maneiras de espantar as baratas é acender a luz, você pode vê-las, correr atrás delas e esmagá-las, e passei toda a minha vida perseguindo baratas neste país.
Assim que falei com a família de George e fiquei conhecendo os detalhes, soube que as últimas palavras de George foram as seguintes: não consigo respirar, com um joelho no seu pescoço, pensei imediatamente em Eric Gardner. Eu rezei no funeral dele e liguei para a mãe dele. Eu disse, sei que não vamos sair em público por causa do coronavírus, mas isso tem a ver com o que aconteceu com Eric. Se pudermos encontrar uma maneira de ir a Minneapolis de alguma maneira particular, você iria? E ela me disse: Reverendo, estou com as malas prontas. Avise-me. Tyler Perry disse: vou oferecer às famílias o avião de que precisam, porque o que aconteceu está errado. Robert Smith disse: não se preocupem com os custos do funeral.
Em suma, pessoas de diferentes raças e origens sociais começaram a chamar e, no final, viajamos até aqui, ela e eu, na quinta-feira passada, e quando cheguei, o que me impressionou foi a constatação de que a história de George é a história dos afro-americanos que começou quatrocentos e um anos atrás, a história de quem nunca conseguiu se tornar quem queria ser, porque vocês colocaram um joelho em nosso pescoço. Éramos mais inteligentes e não merecíamos ir para as escolas de classe B, mas vocês colocaram um joelho no nosso pescoço.
Poderíamos ter administrado empresas e não obscuros tráficos pelas ruas, mas vocês colocaram um joelho no nosso pescoço. Temos criatividade e poderíamos ter feito o que qualquer outra pessoa pode fazer, mas não conseguimos tirar o vosso joelho do nosso pescoço. O que aconteceu com Floyd acontece todos os dias neste país, na educação, nos serviços de saúde e em todos os setores da vida americana. E é hora de lutar pelo que é justo, agora. Em nome de George, temos que dizer: tirem os joelhos dos nossos pescoços.
Esse é o problema, não importa quem você seja. Pensamos que talvez fosse um problema que só acontecia conosco, mas também sobre as pessoas de cor de sucesso vocês mantiveram vossos joelhos nos nossos pescoços. Michael Jordan venceu todos aqueles torneios e vocês continuaram cavando porque tinham que colocar um joelho em nossos pescoços. As empregadas brancas trabalharam em casas onde assistiam a uma mulher chamada Oprah Winfrey na televisão e você a desacreditaram porque precisavam colocar um joelho nos nossos pescoços.
Um homem cresceu criado por uma mãe sozinha, educou-se, emergiu e se tornou o Presidente dos Estados Unidos, mas vocês pedem a certidão de nascimento porque não conseguem tirar o joelho dos nossos pescoços. A razão pela qual estamos marchando ao redor do mundo é porque somos como George, não podemos respirar, não porque algo está errado com nossos pulmões, mas porque vocês não tiram os joelhos dos nossos pescoços.
Nós não queremos favores. Simplesmente saiam do caminho e nós poderemos ser e fazer o nosso melhor. Houve protestos em todo o mundo. Em alguns protestos, houve saques e outras violências e nenhum de nós nesta família justifica isso. Mas o que eu gostaria que fôssemos realistas é que há uma diferença entre um pedido de paz e um pedido de silêncio. Entre vocês há alguém que não quer a paz, quer que fiquemos tranquilos e em silêncio. Entre vocês, há alguém que quer nos calar e quer que soframos em silêncio.
A grande maioria das pessoas nos protestos não destruiu as vitrines das lojas, eles estavam tentando quebrar barreiras. Não estavam roubando nada, estavam tentando recuperar a justiça roubada. Aqueles que violaram a lei tem que pagar pelas leis que violaram. Mas também devem pagar os quatro policiais que causaram esse funeral hoje.
Não temos nenhum problema em denunciar uma violência, senhor governador. Não temos nenhum problema em denunciar os saques, Sr. Governador. Mas parece que alguém no sistema de justiça tenha um problema ao assistir ao vídeo e reconhecer que há um problema, e parece que é preciso muito tempo para fazer o que vocês precisam fazer.
Como Ben Crump disse, eles não se envolverão em muitas dessas lutas que envolvem o sistema judiciário. Fiz discursos e pregações na maioria dos funerais que tivemos nesta área nos últimos vinte anos, conduzi marchas e fiz o que eu tinha que fazer. Vejo Martin III, fomos presos juntos por travar essas batalhas, como seu pai foi preso no passado. Por quê? Bem, deixe-me voltar ao texto.
Eclesiastes. Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito e quando olhei para esse momento e vi as marchas em que, em alguns casos, os brancos eram mais numerosos do que os negros, e agora sei que este é um momento diferente. Quando olho e vejo pessoas na Alemanha marchando por George Floyd, é um tempo e uma ocasião diferentes. Quando os vi diante do parlamento em Londres, percebi que este é um tempo e uma ocasião diferentes.
Anos atrás, fui a uma marcha. Lembro-me de uma jovem mulher branca que me olhou direto no rosto e disse: negro, vá para casa. Mas quando eu estava aqui, na quinta-feira passada, e a Sra. Carr e eu estávamos indo para o aeroporto e paramos na delegacia para conversar com um repórter, e uma jovem garota, no máximo onze anos, puxou minha jaqueta e eu me virei e ela olhou para mim e disse: “sem justiça, sem paz", pois bem, entendi que este é um tempo e uma ocasião diferentes.
Aquele homem que sacode a Bíblia diante daquela igreja, se abrisse a Bíblia, gostaria que ele se lembrasse de algo.
Sabem, eu estava atrasado para um compromisso em outubro passado porque o fuso horário tinha mudado. Meu relógio estava indicando um horário errado. Uma vez por ano, os ponteiros adiantam uma hora. Sim, o tempo adianta. E se você, minha cara parlamentar Omar, não avançar os ponteiros, descobrirá que está atrasada. Não porque seu relógio está errado, mas porque você manteve o relógio no horário antigo. Bem, eu lhes digo que toda aquela conversa em Washington sobre militarizar o país ou não, vocês estão no horário errado, meus caros. O tempo para vocês pedirem desculpas acabou. O tempo de paralisar tudo acabou. O tempo de suas palavras vazias e promessas vazias acabou. Este é o tempo em que nós não vamos parar. Continuaremos a avançar até mudarmos todo o sistema de justiça.
Temos ordenanças específicas que precisamos que entrem em vigor. Por isso, estou feliz que Martin III esteja aqui hoje, porque em 28 de agosto, 57º. aniversário da marcha em Washington, retornaremos a Washington, Martin. Lá onde seu pai protestou à sombra da estátua de Abraham Lincoln e disse: I have a dream. Bem, voltaremos neste 28 de agosto para restaurar e nos comprometer novamente por aquele sonho, como quando nos revoltamos contra a escravidão. Em outro momento, lutamos contra Jim Crow. Em outro momento, lutamos pelo direito de votar. Este é o momento para lutar por uma justiça justa. Devemos retornar a Washington e lutar, negros, sul-americanos, árabes, à sombra de Abraham Lincoln, e dizer a eles: "Agora é a hora de acabar com isso!".
Martin e eu conversamos sobre isso. Pedi ao reverendo Bryant que agrupasse os líderes de diferentes religiões juntos. Conversei com Randy White para reunir os líderes sindicais. Nos próximos dois meses, organizaremos em cada região, não apenas uma marcha, mas uma procissão. E será liderada pela família Floyd. E pela família Gonda. E será guiada pelas famílias que sofreram e conhecem a dor, e sabem o que significa ser deixados de lado. Será uma preparação para a votação de novembro, não apenas para a Casa Branca, mas para o parlamento e os conselhos municipais que deixam essas questões inexploradas.
Vamos mudar o horário. Deixe-me dizer isso à família que mostrou tanta graça, lucidez e equilíbrio. É por isso que quero a ajuda deles para guiar tudo isso. E eu quero, quem considero um dos maiores pensadores do nosso tempo, Dr. Michael Eric Dyson, que venha e fale. Temos que entrar com força, porque vocês não sabem que horas são. Vocês agem como se fosse ontem. E a razão pela qual vocês estão atrasados e precisam correr atrás dos eventos desses protestos é porque não adiantaram os ponteiros de seus relógios. Estamos falando de tornar a América grande novamente? Ok, para quem? E quando? Queremos tornar a América grande para todos pela primeira vez.
Nunca foi grande para os negros. Nunca foi grande para os sul-americanos. Nunca foi grande para muitos outros. Nunca foi grande para as mulheres. As mulheres que tiveram que marchar pelo seu direito de voto. E no final a questão espiritual. Eu estava lendo e fiquei pensando que George, no momento de seu sofrimento, desse ataque brutal, chamou sua mãe. Eu disse ao advogado Crump: "Bem, sou grato por poder falar com seus irmãos, mas gostaria de falar com sua mãe". E ele me disse: "Sua mãe está morta". E eu respondi: "Mas como sua mãe está morta? Ele estava chamando pela mãe antes de morrer". E pensei nisso porque fui criado por uma mãe solteira. E, às vezes, a única coisa que temos em comum entre nós são as nossas mães. Às vezes, a única coisa que pode nos proteger do perigo são as nossas mães.
As únicas pessoas que garantiriam comida em nossas mesas são as nossas mães. Eu sei por que George estava chamando por sua mãe. Quando entendi tudo isso, também entendi por que também continuo chamando por ela, minha mãe, e ela morreu oito anos atrás. Às vezes, ligo para o número do telefone para ouvir sua voz porque não apaguei as mensagens na secretária eletrônica.
Eu sempre quero de alguma forma poder chegar até minha mãe. E conversando com Quincy na noite passada, um de seus cinco filhos, Quincy me disse: “Eu pensei que ele estava chamando pela mãe porque naquele momento ele estava percebendo que ia morrer, e a mãe estava estendendo os braços dizendo ‘Venha George, estou aqui para te receber, em um lugar onde não há sofrimento. Há um lugar em que a polícia não coloca os joelhos em você, George. Há um lugar onde os perseguidores não ficam impunes. Talvez a mãe tenha dito: Vamos lá, George’".
Há um Deus que ainda reina no alto dos céus, e olha para baixo e fará estradas onde não há saídas. Este Deus ainda está no trono. Então, a partir do momento em que deixarmos este lugar hoje, digo a esta família, mantenham alta a esperança. Quero lhe dizer que houve um momento na minha vida em que perdi a esperança. Podem acontecer coisas como essas que podem te arrasar, mas também há algo como a fé, que é a irmã da esperança. A fé é a substância das coisas que esperamos, a evidência das coisas que não se veem. A fé é quando você tem uma pilha de contas a pagar e não tem dinheiro, mas você diz que Ele proverá de alguma maneira.
A fé é quando você não tem os remédios necessários no armário do banheiro e seu corpo está doente, mas você diz que Ele é o médico que nunca abandonou nenhum de seus pacientes. E Ele enxugará as lágrimas dos seus olhos. Fé é quando amigos o abandonam, quando pessoas que ama lhe dão as costas. Mas você diz: não acredito que Ele me trouxe aqui para me abandonar na minha solidão”.
Não chegamos tão longe graças à sorte. Não chegamos a esse ponto por causa do destino. Chegamos aqui graças à fé, confiando em Deus, crendo nas suas palavras sagradas. E Ele nunca, nunca, nunca me decepcionou. Das favelas à Casa Branca, percorremos um longo caminho. Pela vontade de Deus, Ele abrirá um caminho para nossos garotos. Agora vá para casa, George. Descanse, George. Você mudou o mundo, George. Continuaremos a marchar, George. Vamos manter os ponteiros na hora certa, George. Vamos seguir em frente, George. O tempo acabou. O tempo acabou. O tempo acabou.
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“Você mudou o mundo, George. Continuaremos a marchar, George. Vamos manter os ponteiros na hora certa, George. O tempo acabou”. Homilia de “Al” Sharpton Jr., pastor batista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU