13 Mai 2020
"Vemos as notícias desta praga em nossos espaços separados, usamos máscaras para esconder nossas máscaras e mantemos uma distância segura do próximo que é o nosso eu (Marcos 12,31). O coronavírus é mais que uma metáfora. É a manifestação externa de uma consciência coletiva que, há tempos, valoriza o medo do estrangeiro em detrimento do amor ao próximo, a separação em lugar da unicidade como a única saída. Somos Adão e Eva novamente", escreve Michael Leach, ex-editor de Orbis Book, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 12-05-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“A emoção neste país nunca foi tão sentida quanto atualmente.”
– Governador de Nova York, Andrew Cuomo, 18-04-2020.
Imaginemos uma foto do coronavírus. Ele parece uma pizza com todos os pedaços cortados a separarem-se cada vez mais entre si. Agora, imaginemos de um outro ângulo e veremos uma mina marítima da Segunda Guerra Mundial prestes a explodir e se despedaçar em um milhão de pedaços. Essas imagens são metáforas apropriadas para aquilo que este vírus representa. Ele representa o que nos tornamos.
Numa época em que pensávamos que a ideia da unidade estava surgindo nas consciências, o pecado original de achar que seria melhor nos separarmos de Deus e uns dos outros clama por seu domínio, ideia esta que só traz decadência e morte. Somos um navio de tolos, repletos de ideias equivocadas de separação.
Vemos as notícias desta praga em nossos espaços separados, usamos máscaras para esconder nossas máscaras e mantemos uma distância segura do próximo que é o nosso eu (Marcos 12,31). O coronavírus é mais que uma metáfora. É a manifestação externa de uma consciência coletiva que, há tempos, valoriza o medo do estrangeiro em detrimento do amor ao próximo, a separação em lugar da unicidade como a única saída. Somos Adão e Eva novamente.
A noção de nacionalismo que assustou o século XX exibe suas bandeiras esfarrapadas mais uma vez em todo o mundo. Gordon Gekko está vivo e passa bem nos Estados Unidos, enquanto o mendigo Lázaro (Lucas 16,19-31) continua batendo à porta. As águas que se abriram para os israelitas ameaçam sobrecarregar nossas praias, enquanto crianças na África subsaariana não têm água para beber. O capitalismo triunfou sobre a comunidade. O sarcasmo superou a ironia. E aqui estamos nós, presos em nossas cavernas, assistindo isso tudo na TV.
Há um desenho animado na revista The New Yorker de um menino na cama puxando as cobertas para cima enquanto vê um monstro com chifres saindo do armário. O monstro diz: “Não sou uma metáfora”.
Uma metáfora é uma ideia, um pensamento, e um pensamento é uma unidade de energia. De acordo com a primeira lei da termodinâmica, não podemos criar nem destruir a energia, ela apenas se transmuta em outras formas. Os pensamentos tornam-se emoções. Então ações. Mesmo sintomas. Uma emoção de medo é altamente carregada. Somente o amor perfeito pode extingui-la (1 João 4,18). Vivemos tempos de terror e ansiedade específicos. Não é exagero pensar que uma experiência universal de medo transforme-se em uma doença, a qual pode atingir duramente o mundo inteiro.
“O que eu mais temia aconteceu para mim”, dizia Jó, “e o que mais me apavorava me atingiu. Vivo sem paz, sem tranquilidade e sem descanso, em contínuo sobressalto” (Jó 3,25-26).
Podemos ver o que está acontecendo conosco da mesma maneira que vemos uma imagem do coronavírus e percebemos uma mina submarina prestes a explodir, ou um pedaço de pizza sendo rasgado e arrancado do todo.
O geoquímico russo Vladimir Ivanovich Vernadsky (1863-1945) foi o primeiro a popularizar o termo noosfera: esfera da atividade mental que emerge de todo nós, em todo lugar e influi em tudo. O filósofo Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) elevou a noção de noosfera a um outro nível, um novo patamar, vendo-a a evoluir cada vez mais até chegar na consciência de Cristo.
O psiquiatra Thomas Hora (1914-95) alertava sobre o “mar de lixo mental”, aquele turbilhão de ideias que circundam a ecosfera e conquistam a consciência individual, onde nossa única opção é interessar-nos por essa ou aquela ideia.
A futurista Barbara Marx Hubbard (1929-2019) escrevia sobre a evolução consciencial, chamando-nos de cocriadores com Deus através do nosso interesse em fazer escolhas em direção a uma nova criação. Deus nos garantiu: “Vejam! Eu vou criar um novo céu [nooesfera] e uma nova terra. As coisas antigas nunca serão mais lembradas, nunca mais voltarão ao pensamento” (Isaías 65,17).
A única coisa que não sabemos é quando a consciência universal cristã será a única consciência. A experiência que temos dela depende das escolhas que fazemos. Enquanto isso, não há nada que deva nos surpreender quanto ao coronavírus. Trata-se de uma ideia tão antiga quanto as pragas que atormentavam o Egito. “O que aconteceu, de novo acontecerá; e o que se fez, de novo será feito: debaixo do sol não há nenhuma novidade” (Eclesiastes 1,9).
A boa nova é que aos olhos de Deus a nova criação já se faz presente. Está aqui para todos que têm olhos para ver a bondade, a beleza e a unicidade invisíveis que estão dentro de nós e que infundem tudo ao nosso redor (Mateus 13,16), apesar das aparências. Interessar-nos no amor, não no medo, em meio ao terror é perceber a paz, a tranquilidade e o descanso, não importa o quê.
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Coronavírus: quando uma metáfora é mais do que uma metáfora - Instituto Humanitas Unisinos - IHU