04 Mai 2020
"É um impasse a empatia seletiva da Globo? Ou será que é momento de crise mesmo e os agentes econômicos, políticos e ideológicos que não são centralizados pela demência bolsonarista, que fazem cálculos apressados tentando se salvar da desgraça? Apostaria na segunda hipótese", escreve Bruno Lima Rocha, cientista político, professor nos cursos de Relações Internacionais, Jornalismo e Direito.
Este texto aborda as mazelas da ausência de política econômica por parte do desgoverno Bolsonaro e por isso foca, em especial, nos absurdos comandados por Paulo Guedes e cia. Como os artigos de análise que produzo semanalmente tem razoável circulação, peço perdão pelos eufemismos, porque se fosse digitar o que realmente penso a respeito desse tema, o volume de palavrões e xingamentos seria de calão tão baixo quanto o das autoridades que comandam a liquidação econômica do país.
A última semana de abril e os primeiros dias de maio são marcados por duas inflexões. Uma é a ruptura da Lava Jato com Bolsonaro ou do Moro com a linha protofascista do presidente eleito através do Whatsapp. Outra inflexão é a tentativa desesperada, tanto de Bolsonaro como das Organizações Globo (porta-voz dos capitais especulativos e dos bancos mais poderosos) em salvar Paulo Guedes, o modelo austericida, as mentiras do ajuste fiscal, as falácias fiscalistas e o conjunto do embuste marcado pelo “receituário neoliberal”.
Cabe um apontamento. Logo que foi lançado (em entrevista coletiva, através de Power Point do coitado do estagiário), o Pró-Brasil mais parecia um balão de ensaio do que uma proposta real de governo. Reconheço que fiz uma crítica muito dura ao tal plano (Pró-Brasil, do Braga Netto) e a mantenho, porque os recursos são ínfimos, ainda mais diante do trem da alegria dos bancos, com o aporte de um trilhão e 200 bilhões de reais para a conta da agiotagem com pessoa jurídica e autorização para operar no Bacen. A alegação é "garantir liquidez", mas a verdade é privilégio no conflito distributivo.
Outra meta do Chicago Boy pinochetista e seus auxiliares é assegurar a compra de papeis podres na carteira desses bancos. A proposta veio no mesmo modus operandi de sempre: largam no ar a ideia absurda e, se colar, colou. Mas não colou. Guedes nem ponderou essa medida, entupiu de liquidez os bancos, prometeu refinanciar a parte podre que já foi refinanciada há pouco e não obrigou contrapartida para as instituições privadas. As mesmas “contrapartidas responsáveis” exigidas em suas falas asquerosas e repetidas em simulacro pelos reprodutores e reprodutoras da mentira sobre temas econômicos, que chafurdam e poluem o imaginário da população brasileira.
Voltando ao balão de ensaio dos “militares de pijama”, creio que a massa pensante do Brasil até desejou ver ali algo semelhante a um PAC ou, quem sabe, uma versão tímida do Plano Nacional de Desenvolvimento do regime ditatorial. Na queda de braço dos fantasmas de Roberto Campos e Golbery do Couto e Silva, o bruxo da ditadura ganhou de Bob Fields em nosso imaginário. Mas, foi isso. Ao menos até agora, não passou de quase nada, um espinho no pé. O tal do Pró-Brasil é ínfimo, diminuto, mínimo. E pelo que vi, incomoda. Incomoda muito e pode vir a motivar a milicada de alta patente, encastelada no Palácio do Planalto. Assim, se sair um pacote de obras públicas, de retomada de obras paradas, cartelizado com o capital nacional que sobreviveu a si mesmo e à fúria entreguista da Lava Jato, ao menos vai gerar algum aumento de emprego direto. Caso seja retomado esse debate, o processo de consecução é mais briga na interna do governo Bolsonaro e choque, mesmo que indireto, com a agiotagem chantagista que opera nos dois lados do balcão, forçando fuga de dólares e ataques especulativos.
Parece que não fui só eu que vi a crise das crises se aproximar. Considero ser muito importante a queda do Guedes e, junto com ele, de todo o primeiro escalão e cargos indicados no “super” Ministério da Economia, fragmentando essa pasta absurda. Isso porque o apetite insaciável da “piranha voraz”, conforme apelido de seus pares no Chile, engoliu a Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio. Mas isso não basta. É preciso trocar todos os cargos de direção do Banco Central do Brasil, Tesouro Nacional, BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e BRDE. Que a “bancada da especulação”, travestida de tecnocracia, caia por completo, rachada entre si e cada vez mais fragilizada.
O que desejei acima virou profecia anunciada e a nave mãe começou a se mover novamente. Abandonou as notas cobertas, explicando a necessária economia de crise, pacto keynesiano e expansão da base monetária. Diante do possível enfraquecimento de Paulo Guedes e dos financistas que ele colocou em postos-chave do Estado brasileiro, a Globo lembrou que é a Globo e já começou a falar nas mentiras de "necessidade Teto dos Gastos" e manter a "Regra de Ouro".
Ao mesmo tempo, deu sequência na coletânea de matérias rec (matérias 500), apontando a agenda positiva empresarial que pode fortalecer o caixa da emissora. Nesta “venda casada”, demonstram o "lado humano" do capitalismo periférico, colocando cada vez mais distante do imaginário a necessidade de reconversão industrial, racionalidade regionalizada e a planificação econômica dos setores essenciais.
A dinâmica do jornalismo, por vezes, obriga as editorias a fazerem um arranjo estranho. Elogiam o Guedes e criticam a política de auxílio emergencial. Assim, apontam a bateria contra o ministro da Cidadania, Ônix Lorenzoni (DEM-RS, aquele que admitiu caixa dois e que o Moro deu “sentença”, perdoando-o na internet) e passam o pano para os bancos privados e a equipe do Paulo Guedes. Explico de novo. Tem mais de um trilhão e 200 bilhões de reais nos bancos. A Caixa está repassando o auxílio emergencial que foi destinado do Tesouro. A turma do Guedes diz que não pode se comparar com a Alemanha - que já alocou mais de 35% do PIB no combate à pandemia e recessão -, que aqui não era possível, justo porque o Tesouro não está com esta alocação. MENTIRA!
A PEC do Estado de Calamidade permite à União fazer tudo e gastar o que quiser. Não faz, porque não quer! E mais: os bancos instalados no Brasil poderiam ser pagadores - todos os bancos e não apenas a Caixa. Poderíamos colocar uma força tarefa emergencial para regular presencialmente os cadastros em todos os municípios. O conjunto das instalações de toda a praça bancária, incluindo as agências lotéricas credenciadas da Caixa (mais de 13.000 pontos), o banco postal (aquele que o Lula criou e deu de bandeja para o Bradesco, sendo que o banco privado rompeu a parceria tempos depois), os bancos de empréstimos consignados (como o BMG, aquele mesmo, denunciado em 2005), os bancos favoritos do baronato financeiro (como Safra, Santander, Itaú e Bradesco), ou ainda, os sistemas cooperativos (como Sicredi, com mais de 1.700 agências e Sicoob, com 2.800 pontos de atendimento).
Enfim, era possível realizar o auxílio com máxima agilidade. E essa mesma força de instalação poderia liberar as linhas de crédito, com juros zero e carência de dois anos, para salvar negócios locais e os empregos diretos. Mas, ao invés disso, o que eles fazem? Promovem a contaminação em massa, nas filas sem fim na frente das agências da Caixa. Decretam o lockdown do INSS e condenam à morte milhões de empregos diretos, através da quebradeira (que poderia ser evitada) de milhões de micro e pequenos negócios locais.
O Jornal Nacional destrói o Bolsonaro (muito bem feito por sinal, com critério e rigor jornalístico), enquanto salva tanto o Paulo Guedes como as mentiras austericidas. A família Marinho aceita rifar o pai dos parlamentares “bananinhas”, mas jamais vão abrir mão do golpe contra os direitos sociais e a necessidade de renda mínima e do financiamento público, mesmo em uma sociedade com cada vez menos possibilidade de emprego vivo.
A dona Miriam Leitão expressa a dupla face da emissora, ainda líder do país. Por um lado, faz um comentário perfeito lembrando que Bolsonaro não tem empatia com ninguém e se recusa a liderar o Brasil. Ou seja: é um presidente que não governa. 24 horas antes, ela mesma elogia o sociopata do Paulo Guedes, cujas medidas de política econômica condenam a maioria a viver na miséria e na informalidade.
Repito. Já foi alocado um total de 35% do PIB alemão para combater os efeitos da recessão pela pandemia. Enquanto isso, o maldito Chicago Boy fala em "investimento privado e austeridade".
No senado, Davi Alcolumbre (DEM-Amapá) quer fazer graça de "garantidor da governabilidade" do Guedes e, com isso, vai acabar levando à falência os governos estaduais. A conta é outra. O ex-capitão de artilharia, que foi reformado para não ser expulso do exército de Caxias, foi às compras. A tal da “nova política” vai custar R$ 68,5 bilhões, em troca dos 146 votos na Câmara, necessários para evitar qualquer um dos quase trinta pedidos de impeachment que se avolumavam até este texto ser concluído. Do total desses recursos alocados, a bagatela sob controle das legendas PP, PL, Republicanos e PSD (juntas, essas legendas à direita somam o volume necessário para a “vacina anti-impeachment”) seria de R$ 10,6 bilhões, que podem ser remanejados para serem usados conforme o desejo dos políticos do tal do Centrão da direita.
É um impasse a empatia seletiva da Globo? Ou será que é momento de crise mesmo e os agentes econômicos, políticos e ideológicos que não são centralizados pela demência bolsonarista, que fazem cálculos apressados tentando se salvar da desgraça? Apostaria na segunda hipótese.
Por sorte, os demônios estão todos soltos – literalmente, ao menos os que ainda não se juntaram ao capitão Adriano da Nóbrega – e prometendo a mútua destruição ampla, geral e irrestrita. Como a aposta do Bolsonaro é do tamanho de seu blefe, deve estar desesperado à procura do “cabo e do soldado” prometidos pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, como necessários para fechar o STF. Como os cercos jurídico e midiático não vão aliviar, talvez nem o Paulo Guedes resista. Como bom apostador, quem sabe ele levante da mesa antes de perder as fichas? Tomara.
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Paulo Guedes e a crueldade institucional da farsa fiscalista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU