24 Março 2020
Maior produtora de platina do mundo, a mineradora Anglo American, com sede na Inglaterra e na África do Sul, tem planos para explorar cobre, ouro, níquel e manganês em requerimentos que incidem sobre terras indígenas na Amazônia brasileira.
A reportagem é de Maurício Angelo, publicada por Mongabay e reproduzida por Amazônia.org, 23-03-2020.
Os dados obtidos pela Mongabay mostram que, além da própria companhia, a Anglo American também utiliza para isso duas subsidiárias brasileiras, as mineradoras Itamaracá e Tanagra. A prática torna mais difícil que os requerimentos registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) sejam relacionados diretamente com a Anglo.
Somadas, as três empresas têm 296 pedidos de pesquisa e disponibilidade em terras indígenas (TIs) que vão de Roraima, Amapá e Rondônia até o Pará, estado que é o principal alvo da multinacional. As terras visadas incluem algumas com a presença de povos indígenas isolados, como é o caso da Yanomami, em Roraima, e das Kayapó e Tucumaque, no Pará.
Quase a totalidade dos requerimentos datam da década de 1990, quando a regulamentação da exploração mineral em terras indígenas começou a ser oficialmente planejada e ganhou um projeto de lei do ex-senador, ministro e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Romero Jucá.
O PL 191/2020, encaminhado recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, cumpre exatamente o que grandes mineradoras esperavam há décadas, liberando a exploração mineral em Tis e retirando o poder de veto dos povos indígenas.
O caso mais recente de requerimentos protocolizados pela própria Anglo American é o pedido de pesquisa para minério de cobre que incide sobre a Terra Indígena Sawré Muybu, onde vive o povo Munduruku, no Pará.
São cinco requerimentos registrados em 2017 e 2019, com autorização de pesquisa. A movimentação mostra que a Anglo American não só continua prospectando minérios na Amazônia como conta justamente com um marco regulatório federal como o proposto por Bolsonaro.
A TI Sawré Muybu, localizada às margens do Rio Tapajós e próxima da cidade de Itaituba, está com a demarcação paralisada desde 2016. Este é o caso de centenas de terras indígenas no Brasil, que estão com o processo de reconhecimento parado em função de pressões políticas e do agronegócio.
No caso da Sawré, o povo Munduruku do Médio e Alto Tapajós partiu para a autodemarcação da TI, além de monitorar e proteger o território de forma autônoma, defendendo a área de invasores como madeireiros e garimpeiros.
Com o mapa do seu território em mãos, munidos de GPS e com o auxílio de lideranças locais, os Munduruku registram as invasões e ameaças enquanto lutam pela demarcação. Somente em 2016 os Munduruku conquistaram a publicação do relatório circunstanciado de identificação e a delimitação da terra indígena Sawré Muybu, primeira etapa do processo demarcatório.
Além do garimpo, da exploração ilegal de madeira e do interesse de multinacionais como a Anglo American, a TI ainda enfrenta a ameaça de construção da hidrelétrica São Luís do Tapajós, atualmente paralisada, que alagaria parte da terra indígena.
Questionada sobre qual seria a justificativa para o pedido de pesquisa de minério de cobre dentro da TI Sawré Muybu e sobre como avalia o PL 191/2020 de Jair Bolsonaro, a Anglo American optou por não responder as perguntas da reportagem.
No total, foram enviadas dez perguntas detalhadas para a Anglo American, colocando em questão vários pontos problemáticos que os quase 300 pedidos em Tis que a empresa tem em conjunto com as suas subsidiárias.
Em nota, a Anglo se limitou a afirmar que “fez requerimentos de pesquisa mineral na Amazônia com base em dados geológicos disponíveis. A autorização para realizar esses trabalhos de pesquisa mineral será concedida ou não pelas autoridades competentes. A Anglo American somente executa trabalhos de pesquisa mineral em áreas devidamente autorizadas.”
A Associação Indígena Pariri, que representa os Munduruku do Médio Tapajós, tem sistematicamente se posicionado contra a mineração dentro de territórios indígenas. “Vamos continuar a manifestação contra a regulamentação da mineração em terra indígena e pela saída imediata dos garimpeiros das nossas terras. Não vamos aceitar mais destruição. Nossos rios estão poluídos com mercúrio, nossos peixes estão morrendo. Vamos retomar o controle do nosso território, temos o nosso próprio governo e todos têm que respeitar. Não vamos parar esta luta até solucionar os nossos problemas”, afirmam.
Presente na reunião convocada pelo cacique Raoni em janeiro, os Munduruku acusaram o presidente Bolsonaro de genocídio.
“Viemos denunciar o Presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, por estar cometendo e incentivando o genocídio, etnocídio e ecocídio. Estamos aqui para dizer que esse presidente está nos matando cada vez mais, tirando nossos direitos que estão escritos na Constituição Federal de 1988. Bolsonaro incentiva a nossa morte por meio da mineração, grileiros (que contratam pistoleiros para nos matar) hidrelétricas, ferrovia (Ferrogrão) e arrendamento das Terras Indígenas”, declaram.
Indígenas Munduruku expulsam invasores da TI Sawré Muybu (PA). (Foto: Povo Munduruku | Divulgação)
Os dados mostram que a Anglo American, em conjunto com as subsidiárias Tanagra e Itamaracá, desistiu em 2015 de 111 requerimentos de pesquisa para explorar ouro, níquel e cobre, com destaque absoluto para o ouro, em diversas terras indígenas. A prevalência de requerimentos vai para as Tis Trincheira Bacajá, no Pará, Igarapé Lourdes e Sete de Setembro, em Rondônia.
Segundo a Agência Nacional de Mineração, no entanto, quando uma empresa desiste de um requerimento mineral, a área é novamente aberta para disponibilidade e a mesma empresa pode participar da disputa novamente, caso deseje. “Todos os interessados podem participar do processo de Disponibilidade, inclusive a empresa que apresentou a desistência, que vai participar do processo de Disponibilidade de igual para igual com os outros pretendentes”, afirmou a ANM em resposta à reportagem.
Questionada, a Anglo American confirmou a desistência dos pedidos citados, que representam pouco mais de um terço do total, mas não respondeu se pretende participar novamente da Disponibilidade para as mesmas áreas no futuro.
“A empresa realizou uma revisão de seu portfólio e desistiu de todos os requerimentos em áreas de pesquisa em terras indígenas até 2015. Requerimentos de pesquisa vigentes que porventura margeiem terras indígenas podem apresentar blocos com interferências nesses territórios. Nesses casos, cabe à Agência Nacional de Mineração (ANM) demarcar corretamente os blocos fora das áreas ou reservas indígenas”, afirmou a Anglo American.
Esse é o caso de três requerimentos da Itamaracá para explorar ouro em Tis de Rondônia, bloqueados em 2018 em função da Ação Civil Pública n.º 3392-26.2005.4.01.4100/RO. Os requerimentos incidem sobre as Tis Sete de Setembro, Zoró e buffer de 10 km da TI Roosevelt, do povo indígena Cinta Larga.
Na ação, o Ministério Público Federal afirma que “a posição dúbia do DNPM (atual Agência Nacional de Mineração) tem incentivado a especulação sobre as terras indígenas povo Cinta Larga e contribuído para a perpetuação da violência contra a comunidade. (…) O conflito é decorrente das consequências da mineração nessas áreas com a inevitável degradação do meio ambiente e isto tem um efeito devastador para as populações indígenas tais como o assoreamento e contaminação de rios e igarapés por mercúrio, transmissão de doenças, como tuberculose, gripe, lepra e mudança de hábitos tradicionais da comunidade”.
Mapa com os processos minerários existentes na Renca. (Foto: ISA)
Renca também é alvo de Bolsonaro. As mineradoras Tanagra e Itamaracá têm 27 requerimentos de pesquisa de ouro dentro da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), entre o Pará e o Amapá, uma das áreas mais preservadas da Amazônia. Todos os requerimentos estão sobre a TI Rio Paru D’Este, parte da reserva.
Os pedidos foram bloqueados em 2017 após a abertura da área para a exploração pelo ex-presidente Michel Temer, que foi obrigado a recuar após enorme repercussão internacional contra a medida.
Criada em 1984, no fim da ditadura militar, a Renca é uma área visada há décadas pela mineração. Além do PL encaminhado ao Congresso, Jair Bolsonaro, um entusiasta do pensamento e da prática da ditadura no caso dos povos indígenas e da Amazônia, já afirmou diversas vezes que pretende abrir novamente a Renca para exploração.
A área, uma floresta preservada de 46.450 quilômetros quadrados, equivalente à metade do tamanho de um país como Portugal, passou a ser alvo de revisão desde o início da gestão Bolsonaro.
A Renca tem cinco áreas protegidas, sendo duas terras indígenas e três unidades de conservação de proteção integral. De acordo com estudos da WWF, cerca de 30% da Renca poderia ser minerada. Ouro, ferro, fosfato, titânio, manganês, nióbio, fósforo e tântalo são os minerais alvo da cobiça de grandes empresas, que podem ter em breve a autorização oficial para explorar com a aprovação do PL 191/2020 e a possível extinção ou diminuição drástica da área da Renca.
A Anglo American não respondeu se os acionistas da empresa ao redor do mundo estão cientes dos quase 300 requerimentos minerários que incidem sobre terras indígenas e dos planos de pesquisa e exploração da empresa na Amazônia.
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Mineradora inglesa Anglo American quer explorar terras indígenas na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU