12 Fevereiro 2020
Em nota pública divulgada nesta sexta-feira (7), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) manifesta preocupação com as consequências do Projeto de Lei n. 191/2020, que regulamenta pequisa e lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos em terras indígenas, além do aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica. A Câmara alerta que a aprovação do projeto pode levar à “destruição de importantes áreas hoje ambientalmente protegidas, assim como a desestruturação ou desaparecimento físico de diversos povos indígenas, especialmente aqueles localizados na região Amazônica”.
A reportagem é publicada por Procuradoria-Geral da República, 07-02-2020.
O texto ressalta que, em contexto de alta transgressão dos direitos indígenas no Brasil, há o risco de se legitimar ações de violação a direitos previstos na Constituição. “A incapacidade de fiscalização do Estado não pode ser legitimada pelo discurso do governo federal de legalização dessa atividade e a de outras atividades econômicas”, diz o MPF.
A Câmara também alerta para o processo de desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos órgãos de fiscalização ambiental. “É no mínimo temerário que esse debate seja trazido a público sem que as estruturas de fiscalização do Estado, em especial as que cabem ao órgão indigenista oficial, a Funai, estejam em pleno funcionamento”. Outro problema apontado é a ofensa ao direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada sobre medidas capazes de afetá-los, prevista na Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais), ao tomar conhecimento da apresentação, pelo Poder Executivo, do Projeto de Lei nº 191/2020, que trata da regulamentação da pesquisa e lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para a geração de energia elétrica em terras indígenas, manifesta preocupação com as consequências práticas dessa proposição.
Cumpre destacar a complexidade e relevância da matéria, a qual pode, se conduzida com açodamento, levar à destruição de importantes áreas hoje ambientalmente protegidas, assim como a desestruturação ou desaparecimento físico de diversos povos indígenas, especialmente aqueles localizados na região Amazônica.
É muito delicado debater mineração em terra indígena em um contexto de alta transgressão dos direitos indígenas no Brasil, porque corre-se o risco de legitimar ações presentes de violações desses direitos. Mais da metade da população Yanomami está contaminada por mercúrio oriundo do garimpo ilegal de ouro.
Esse debate é pertinente, mas não o é de maneira nenhuma para legitimar essas invasões ilegais. A incapacidade de fiscalização do Estado não pode ser legitimada pelo discurso do governo federal de legalização dessa atividade e a de outras atividades econômicas. Preocupação semelhante foi manifestada pelo deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, em novembro passado, conforme divulgado pela imprensa:
“Recebo e arquivo, recebo e arquivo. A gente não pode usar o argumento de que está tendo mineração ilegal para liberar. Vamos acabar com mineração ilegal, com garimpo ilegal. Coibir atos ilícitos. Primeiro, o governo cumpre seu papel de fiscal, de coibir o ilegal, o desmatamento, os garimpos. Depois disso, vamos discutir em que condições pode-se avançar”.
Importa destacar que desde então não houve mudança substancial na situação da mineração e garimpo ilegal em terras indígenas. O Ministério Público Federal tem recorrido ao Poder Judiciário para proteger as terras indígenas e o patrimônio nacional, como no caso da Terra Indígena Yanomami e da Terra Indígena Vale do Javari.
Cumpre à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão alertar que sua apresentação já constituiu ofensa ao direito dos povos indígenas à consulta “cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”, posto a ausência de diálogo do Poder Executivo com os legítimos representantes das comunidades indígenas.
Interesses econômicos sobre as Imazon avalia que medida provisória sobre terras na Amazônia pode aumentar o desmatamento de 11 a 16 mil km até 2027 e seus recursos que constituem patrimônio da União, no caso das Terras Indígenas com usufruto exclusivo dos povos indígenas, devem observar o estrito limite da lei. É no mínimo temerário que esse debate seja trazido a público sem que as estruturas de fiscalização do Estado, em especial as que cabem ao órgão indigenista oficial, a FUNAI, estejam em pleno funcionamento. É público e notório o processo de desestruturação da FUNAI e dos órgãos de fiscalização ambiental.
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão acompanhará o debate acerca do Projeto de Lei nº 191/2020 e atuará para garantir os direitos legais e constitucionais indígenas conforme sua missão constitucional, e continuará cobrando cumprimento do dever legal da FUNAI e dos órgãos do governo no que diz respeito à fiscalização das terras indígenas.
6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal
Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais
Brasília, 7 de fevereiro de 2020.
A posição vem sendo defendida pela 6ª Câmara em reiteradas ocasiões. Em setembro do ano passado, em audiência pública no Congresso Nacional, o coordenador da 6CCR, o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Bigonha, alertou para os riscos da mineração em terras indígenas.
Acesse a íntegra da audiência pública, que contou com a presença de representantes de órgãos públicos e comunidades indígenas, clicando aqui.
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Em nota pública, MPF critica projeto de lei que permite mineração em terras indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU