11 Março 2020
Kayapó, Panará e xinguanos reivindicam direito à Consulta Livre, Prévia e Informada no planejamento e implementação das obras do Corredor Logístico de Exportação, combate ao crime organizado e regulamentação da Consulta Legislativa.
A reportagem foi publicada por Instituto Socioambiental – ISA, 09-03-2020.
Uma delegação de 70 indígenas da bacia do Xingu veio a Brasília para debater com o governo os impactos de obras de infraestrutura sobre seus territórios e exigir que seus direitos sejam garantidos nos processos de planejamento e implementação dos empreendimentos. Nesta terça feira (10), as lideranças Kayapó, Panará e dos povos Kawaiwete, Khisetje e Kalapalo – representando o Território Indígena do Xingu – vão participar de Audiência Pública no Senado Federal.
O evento, realizado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, vai discutir os impactos socioambientais do Corredor Logístico de Exportação no interflúvio Tapajós-Xingu, que engloba a BR 163, MT 322, EF 170, a Hidrovia do Baixo Tapajós e as Estações de Transbordo de Carga (ETC) de Miritituba.
Os efeitos dos empreendimentos do Corredor Logístico, sejam de obras já consolidadas como a BR 163 ou ainda em fase de planejamento, como a EF 170, já são sentidos no território. A bacia do Xingu concentrou as cinco Terras Indígenas mais desmatadas na Amazônia e a Unidade de Conservação mais desmatada no Brasil em 2019. Em um ano, 168 mil hectares, uma área maior do que o município de São Paulo, foi desmatada na bacia do Xingu. Destes, quase 40 mil hectares foram desmatados ilegalmente dentro de Áreas Protegidas, um aumento de 52% em relação ao ano de 2018. [Saiba mais]
O avanço da agropecuária e de atividades ilegais como grilagem, roubo de madeira, garimpo explicam essas altas taxas, que são potencializadas pelos impactos de obras de infraestrutura implementadas sem as devidas salvaguardas socioambientais.
Em carta que será entregue na audiência, os indígenas alertam que uma das principais consequência dos empreendimentos é a valorização fundiária das áreas adjacentes que “desencadeia processos de aumento de invasão de áreas públicas e desmatamento em áreas privadas”. As lideranças colocam, ainda, que com a ausência de um planejamento territorial adequado, esses processos podem intensificar “o aumento de fragmentação florestal e a perda de biodiversidade, assim como resultar na contaminação do solo, da água, do ar e dos animais dentro de nossos próprios territórios por conta do aumento do uso de agrotóxicos no entorno”.
Os indígenas cobram que o Governo Federal realize um processo de Consulta Livre, Prévia e Informada no planejamento e implementação das obras que compõem Corredor Logístico de Exportação. Eles também reivindicam que os processos de licenciamento ambiental do conjunto de empreendimentos considerem os impactos socioambientais, sinérgicos e cumulativos dos mesmos.
Além de assegurar seu direito à consulta sobre as obras, as lideranças exigem serem ouvidas pelo Congresso Nacional sobre iniciativas legislativas que tratem de seus direitos, como o Projeto de Lei 191/2020, que abre as Terras Indígenas para atividades econômicas predatórias, como garimpo, mineração industrial, exploração de petróleo e gás natural, implantação de hidrelétricas e outras obras públicas e plantio de transgênicos.
Em carta que será entrega nas comissões de Direitos Humanos e do Meio Ambiente do Senado, afirmam que o PL 191/2020 “não tem condições para tramitar no Congresso Nacional sem o devido processo de consulta prévia com os povos indígenas de todo o Brasil como estabelecido na Convenção 169 da OIT (2004), na Declaração dos Direitos indígenas da ONU (2007) e na Declaração dos Direitos Indígenas da OEA (2016)”.
Além das lideranças indígenas, estarão presentes na Audiência Pública representantes do Ministério Público Federal, Ministério da Infraestrutura, Secretaria Especial do Programa de Parceria Para Investimentos (PPI) e Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas.
Serviço: Audiência Pública “Impactos Socioambientais do Corredor Logístico de Exportação no Interflúvio Tapajós-Xingu”
Quando: 10/03/2020 às 9h
Onde: Plenário nº 6, Ala Senador Nilo Coelho, Senado Federal, Brasília (DF)
A rodovia BR 163, conhecida como Cuiabá-Santarém, começou a ser aberta em 1971 pelo governo militar para “ocupação” do interior do Brasil e cuja função seria conectar a região Centro Oeste aos portos do norte do país. Juntamente à construção, veio um processo de ocupação e colonização, o que na prática significou a espoliação e invasão de territórios de indígenas como os Panará e Kayapó. A instalação das frentes de obras da rodovia trouxe surtos de gripe e diarreia , provocando o quase extermínio dos Panará. Restaram apenas 70 pessoas de uma população estimada, na época do contato, em 400 indivíduos.
Em 2003, com a concretização do projeto de pavimentação da rodovia, os processos de grilagem, desmatamento e conflitos fundiários na área impactada pelo empreendimento aceleraram. A inauguração do último trecho asfaltado da estrada, em fevereiro, e a pressão pela duplicação da rodovia aumentam a pressão sobre as Áreas Protegidas na área de influência do empreendimento.
Dados do Sirad X, o sistema de monitoramento da Rede Xingu +, revelam um crescimento das taxas de desmatamento nas Unidades de Conservação e Terras Indígenas ao longo do traçado da estrada. A destruição da floresta na Flona de Altamira e REBIO Nascentes da Serra do Cachimbo aumentou 99% e 145% respectivamente entre 2018 e 2019. Já a Terra Indígena Baú apresentou um aumento expressivo de 541% decorrentes da abertura de áreas para o garimpo e para extração de madeira. No entorno da TI Panará houve um aumento de 99% de desmatamento no mesmo período.
A expectativa da construção da Estrada de Ferro 170, conhecida como Ferrogrão, vêm aquecendo o mercado de terras na região oeste do Mato Grosso. Em 2018, 17.685 hectares foram desmatados nos municípios de Cláudia, Feliz Natal, Marcelândia, União do Sul e Santa Carmem, todos na área de influência do projeto. A taxa se manteve alta no ano seguinte, com 17.197 hectares desmatados no total.
Se sair do papel, a obra vai conectar a região produtora de grãos do Mato Grosso aos portos de exportação no Pará, consolidando um novo corredor logístico de exportação do Brasil pela Amazônia. A construção da ferrovia deve potencializar os impactos socioambientais das áreas protegidas nas proximidades do seu trajeto, além de acirrar os conflitos fundiários da BR-163, rodovia paralela à Ferrogrão.
Em 2017, Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) se comprometeu com lideranças indígenas do Xingu a realizar a Consulta antes de avançar com o processo de concessão da obra.
A MT 322 é uma rodovia estadual cujo traçado acompanha a divisa do Território Indígena do Xingu (TIX) com a TI Capoto Jarina, ao norte do Mato Grosso. A pavimentação total da estrada deve aumentar o fluxo de caminhões e em consequência, os impactos socioambientais na região. Esse quadro pode ser potencializado com a construção da Ferrogrão e duplicação da BR 163, devem aumentar o escoamento da produção agrícola do Mato Grosso para os portos no norte do país. O Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Ferrogrão, por exemplo, prevê a possibilidade de instalação de uma estação em Matupá-MT, município localizado na interseção entre a MT-322 e a BR-163.
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Indígenas vão ao Senado para debater impactos de obras de infraestrutura no Xingu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU