23 Janeiro 2020
Quando ativistas católicos dedicados à causa da imigração foram chamados a participar de um ato de desobediência civil nas dependências do Senado americano em Washington no último mês de julho, mais de 200 compareceram para protestar contra a separação de famílias de imigrantes e contra a detenção de crianças na fronteira.
A reportagem é de Sarah Salvadore, publicada por National Catholic Reporter, 21-01-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Uma das imagens mais marcantes deste dia foi uma foto tirada do padre franciscano Joseph Nangle – religioso que, aos 87 anos, anda com a ajuda de uma bengala – no momento em que fora algemado pela Polícia do Capitólio e trazido para fora do prédio.
Nangle está entre o número cada vez maior de religiosos e leigos católicos que participam ativamente de movimentos de desobediência civil nos EUA em protesto contra aquilo que consideram um tratamento desumano a imigrantes na fronteira entre os EUA e o México.
“Quando me convidaram para essa atividade, eu disse que não havia motivos para eu faltar. Fui por meu amor às pessoas, às crianças e famílias separadas”, disse Nangle, que viveu quinze anos trabalhando como missionário na América Latina.
O ano passado foi especialmente prolífico para os ativistas e líderes sociais católicos de vários grupos. Através de marchas, comícios e movimentos de desobediência civil, eles voltaram o foco para a questão imigratória.
Estas pessoas rezaram o rosário, cantaram hinos e deram testemunhos públicos. Elas também correram o risco de serem detidas.
“Temos de sair da nossa zona de conforto, desafiar alguns dos nossos privilégios e, talvez, arriscar a nossa amizade com os nossos próprios companheiros católicos”, disse Eli McCarthy, professor da Universidade de Georgetown e diretor de Justiça e Paz da Conferência dos Superiores Maiores, rede nacional das lideranças religiosas católicas.
Este recente movimento católico por justiça social se fortaleceu como uma resposta às reportagens sobre as crianças imigrantes que ficavam detidas na fronteira, mantidas em gaiolas e que vinham sofrendo traumas.
Embora há décadas vemos católicos envolvidos em iniciativas que buscam mudar as leis de imigração, o que é diferente dessa vez são os riscos que eles estão assumindo para enfatizar a situação dos migrantes.
As Irmãs da Misericórdia das Américas também têm um envolvimento ativo no movimento. Tendo trabalhado com comunidades de imigrantes e refugiados desde Maine até a Califórnia, estas religiosas vivenciaram, em primeira mão, o sofrimento decorrente das leis imigratórias empregadas no país. Essas irmãs acabaram presas em várias ocasiões.
Coordenadora do núcleo dedicado à causa da imigração e não violência das Irmãs da Misericórdia das Américas, Jean Stokan explicou que as ações realizadas vêm de um lugar de “profunda compaixão e senso de misericórdia”.
“Essas irmãs pediam algo mais – algo ousado e que ajudasse a despertar o povo americano para o sofrimento dos imigrantes. A crueldade nos obriga a assumir estes riscos”, disse Stokan.
Desde o protesto em Washington, uma coalizão de grupos pró-migrantes organizou manifestações do lado de fora do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos da América, em Newark, Nova Jersey, em setembro, e em outubro na fronteira dos EUA com o México, na cidade de El Paso, no Texas. Para o protesto de outubro, a Coalizão DC Catholic uniu forças com a Coalizão Latinx Catholic Leadership – iniciativa de católicos hispânicos que reúne pesquisadores, teólogos, ministros e agentes comunitários.
Para McCarthy, colaborar com a Latinx foi animador. “Tem muita coisa acontecendo entre os católicos, desde Chicago e Nova Jersey até El Paso e outras cidades dos Estados Unidos. Isso cria um espaço onde podemos nos sentir mais conectados e partilhar o trabalho que está sendo feito”, disse.
Em El Paso, cenas difíceis ocorreram em frente à Patrulha Fronteiriça, enquanto o grupo pedia pelo fim das políticas migratórias praticadas pelo governo de Donald Trump. Dez lideranças católicas de várias coalizões acompanharam quinze mexicanos que buscavam asilo no país enquanto estes se apresentavam às autoridades locais para preencher os formulários.
Griffin Oleynick, um dos que acompanhavam o grupo, descreveu um impasse tenso de trinta minutos com os agentes da Patrulha Fronteiriça antes de os imigrantes terem a autorização para entrar nos EUA e pedirem asilo.
O movimento ganhou uma identidade mais coerente, fato atribuído aos vários esforços colaborativos das coalizões católicas.
Kathy O’Leary, coordenadora regional da Pax Christi Nova Jersey, atua na área da imigração há mais de 20 anos. Ela vem trabalhando incansavelmente para expor as condições sombrias dos centros de detenção no estado de Nova Jersey. O’Leary diz que a onda de apoio por uma reforma imigratória não existia anos atrás. Mas tudo mudou desde a eleição de Donald Trump.
“As políticas do governo Obama criminalizavam a comunidade. Não é só o governo Trump. Mas, hoje, as pessoas estão mais ativas. Elas prestam mais atenção. Assim, precisamos educá-las sobre a história das políticas imigratórias de discriminação”, disse O’Leary.
Os organizadores tiram sua inspiração na fé católica e no Papa Francisco. “A base do ensino social católico é que todo ser humano é filho de Deus. Temos que ter uma opção preferencial pelos pobres em tudo o que fazemos”, disse Nangle.
Estas pessoas inspiram-se também nas obras do Rev. Martin Luther King Jr., de Mahatma Gandhi e de Nelson Mandela. Os ativistas de hoje usam métodos semelhantes para criar movimentos não violentos, onde a injustiça e a violência de um lado manifesta-se claramente quando comparado à não violência do outro lado. “Isso é muito importante, já que pode ser central na mudança das políticas e em propor mudanças sociais. Estamos tentando criar estes movimentos e vamos continuar tentando”, disse McCarthy.
Na cultura atual de demonização dos migrantes, os ativistas dizem que trabalham para garantir a dignidade dessas pessoas, ao mesmo tempo que resistem às injustiças.
“O trabalho que fazemos tem a ver com levar esperança às pessoas. E o que é mais cristão do que a esperança?”, disse O’Leary.
Além disso, estes ativistas veem o movimento se tornando cada vez mais católico. Nestas eleições, eles acham que os católicos estarão mais dispostos a se envolver politicamente e a priorizarem a imigração em níveis mais elevados. Para isso, os organizadores vêm trabalhando uma estratégia para encorajar os católicos a não só votarem “mas pensarem criticamente sobre o processo e sobre o ensino social católico, em particular na imigração”, disse McCarthy.
“Acho que a mensagem dos candidatos democratas irá melhorar em relação à imigração, e isso deve ter um impacto no debate político como um todo”, disse ele.
Com as próximas eleições presidenciais, espera-se que a retórica anti-imigrante aumente. Mas os organizadores já estão prontos para contrabalançar este discurso com ações católicas nos próximos meses.
“Através de orações, do uso de símbolos transformadores como o crucifixo e a presença de lideranças católicas notáveis, queremos aumentar a visibilidade dos católicos e fazer a mudança acontecer”, explicou McCarthy.
No entanto, Nangle quer que mais bispos apoiem o ativismo. “Com a exceção de uns poucos, em geral os nossos bispos estão muito silenciosos. Eles se manifestam por notas da conferência dos bispos e alguns escrevem comunicados por si próprios, muito bons. Mas muitos também não têm sido proféticos. Eles publicam notas, mas precisamos de mais ação”, falou.
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Ativistas católicos intensificam batalha contra políticas imigratórias de Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU