22 Janeiro 2020
Se em seu best-seller, O capital no século XXI, Thomas Piketty explorou a dinâmica perversa da acumulação de capital. Em seu Capital e ideologia, propõe um imposto de 90% aos bilionários.
A entrevista é de Nuria Navarro, publicada por El Día, 18-01-2020. A tradução é do Cepat.
Você tem as costas protegidas?
A imprensa financeira se tornou especialmente agressiva, sim. Mas é muito instrutivo.
Como instrutivo?
Aqueles que, por exemplo, atacam minha ideia de “herança para todos” por incitar o desinteresse dos jovens das classes populares a encontrar trabalho, dão por certo que os jovens da elite farão escolhas bem-sucedidas.
Propõe fritar os ricos com impostos. Lança pedras sobre o seu próprio telhado.
Desculpe?
Você é um rockstar da economia, disputado nos fóruns. Já é da casta.
Estou disposto a pagar 90% de impostos sobre meus direitos autorais. E mais, o sucesso de O capital no século XXI reforçou minha ideia de pagar por alguns rendimentos que, finalmente, têm uma base especulativa. Eu me beneficiei da educação pública e do trabalho de pesquisa coletiva. Não inventei a justiça social.
Certamente.
Tampouco Bill Gates inventou o computador sozinho. Ter uma boa ideia aos 30 anos não significa que aos 70 continue acumulando e tome decisões que afetem milhares de assalariados. É uma concepção monárquica da economia.
Na propriedade privada não se toca, dirão.
Em sua origem, toda propriedade é social e deve voltar à sociedade. A propriedade absolutamente privada é uma construção política e ideológica.
A qual de suas propriedades você seria incapaz de renunciar?
Propriedades? Eu pago aluguel perto da Gare de l'Est, em Paris, e tenho três filhas, 22, 19 e 16 anos. Talvez salvaria algum livro. Sou fã de Balzac.
Como nasceu a sua consciência? Um legado de seus pais, trotskistas?
Inicialmente, fui liberal. Tinha 18 anos no momento da queda do Muro de Berlim [novembro de 1989]. Para a minha geração foi um acontecimento fundacional. Eu era anticomunista, mas me perguntei: “Quais são as insatisfações do sistema capitalista prévio à guerra que conduziram o mundo ao comunismo?”.
O que aconteceu?
No ano de 2001, trabalhando no livro Los altos ingresos en Francia en el siglo XX, analisei dados sobre o imposto de renda desde o ano de 1914 e percebi que a redução das desigualdades no coração do século XX havia ocorrido de maneira violenta. A revolução bolchevique, por exemplo, pressionou os países capitalistas a aceitar reformas fiscais e sociais.
E se encaminhou para o anticapitalismo?
Tento formular as bases de um socialismo participativo, que supere o capitalismo através de um modelo de propriedade social e de descentralização do poder.
Não se define.
Diálogo com a França Insubmissa de Mélenchon e com gente do Partido Socialista. Ambos devem unir forças, como Pedro Sánchez e Pablo Iglesias na Espanha, que em 2015, soube em primeira mão, se detestavam. A esquerda deve organizar um programa de transformação para uma maior justiça social e ambiental na Europa.
A realidade segue em direção contrária.
Após a crise de 2008, há um questionamento ao neoliberalismo. Bernie Sanders não é Bill Clinton. O desdobramento nas fronteiras e os estados-nações são apenas uma fase de regressão.
O independentismo se equivoca?
Na conferência da Fundação La Caixa, perguntei: se a Catalunha se tornar um Estado independente, que tipo de tributação almejará? Se deseja apenas conservar a receita tributária, é uma ideia elitista.
Cite uma medida urgente (e possível) para frear a desigualdade social.
Justiça educacional. Existe uma enorme hipocrisia, mesmo entre a esquerda brâmane, em relação à emancipação das classes populares através da educação. Os professores qualificados estão nos bairros ricos.
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“Em sua origem, toda propriedade é social e deve voltar à sociedade”. Entrevista com Thomas Piketty - Instituto Humanitas Unisinos - IHU