06 Dezembro 2019
Apenas em Rondônia, quase 24 mil hectares de áreas protegidas no estado já foram desmatadas. Tis Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau estão entre as 10 mais ameaçadas do país.
A reportagem é de Mayara Subtil, publicada por G1, 02-12-2019.
O avanço do desmatamento que assola as terras indígenas de Rondônia vem preocupando aqueles que estão à frente na luta pela preservação das reservas. Ao G1, Ivaneide Bandeira, ambientalista da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé – responsável por assistir os povos da região –, acredita que o governo precisa ter uma “atitude drástica” para frear o problema.
“Ou se toma uma atitude drástica do governo exercer mesmo o seu papel de defensor do patrimônio público, porque as terras indígenas, unidades de conservação são patrimônios do povo brasileiro. Então precisa que o estado defenda essas áreas, fiscalize e puna os invasores, os grileiros, aqueles que cometem ilícitos”, disse.
O fato de ter aumentado a área desmatada nas terras indígenas do Norte não é surpresa para a ambientalista. Segundo ela, as projeções do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já vinham apontando um futuro crescimento de desmate nas áreas que tangem as florestas.
Entre agosto de 2018 e julho de 2019, por exemplo, o desmatamento nas terras indígenas no Brasil cresceu 74%. O percentual é resultado da análise do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Inpe, que foi divulgado pelo G1 em 28 de novembro.
Apenas em Rondônia, quase 24 mil hectares de áreas protegidas no estado (sendo unidades de conservação estadual, federal e terras indígenas) já foram desmatadas, o que representa 18% de floresta suprimida na região.
Entre o ranking de áreas mais desmatadas estão as Tis rondonienses Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau. Com uma área que abrange 153 mil hectares, entre 2008 e novembro de 2019, a terra Karipuna teve 33,17 km² de desmate. Já a Uru-Eu-Wau-Wau, que tem ao todo 1.857 mil hectares de área, perdeu 42,54 km² no mesmo período, conforme dados do Prodes.
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Juntas, a soma de terra perdida em cerca de 11 anos é de 75,71 km², o equivalente a quase 13 campos de futebol do tamanho do Maracanã, no Rio de Janeiro.
“Se pegarmos o Uru-Eu-Wau-Wau, que é a terra indígena considerada como sendo a mais importante de Rondônia por conta de ter a nascente dos principais rios do estado, todo o entorno está desmatado e que há uma pressão, uma invasão muito grande em cima da terra indígena. O mesmo acontece com a Karipuna, Sete de Setembro, Roosevelt, Aripunã. Então você tem uma série de terras indígenas hoje ameaçadas e invadidas por madeireiros, garimpeiros e grileiros”, explicou Ivaneide.
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A resistência dos Karipuna O perfil do povo Karipuna é mais jovem. A maioria deles são crianças e adolescentes. Mas é uma população pequena: apenas sete famílias formam a aldeia atualmente. Porém, está no ranking das 10 regiões mais desmatadas do Brasil.
Também foi o alvo preferido das queimadas em 2019, sendo a terra mais ameaçada pelo fogo. Em outubro deste ano, por exemplo, o G1 esteve na região e revelou que a base da Fundação Nacional do Índio (Funai) no local foi destruída.
Segundo Adriano Karipuna, atual presidente da Associação dos Karipuna, o trabalho dos garimpeiros continua mesmo assim. As ameaças e a propagação do medo também, principalmente para as lideranças.
“Depois que o Exército saiu, voltaram a desmatar. Tem lotes, roçado para começarem a fazer derrubada maior. Mas, de modo geral, a comunidade está ameaçada. Acreditamos que eles andam armados. Eles falam que ‘se pegar alguém nas picadas’ (parte dos garimpeiros nas redondezas desmatando) deles irão matar”, revelou.
Adriano acredita que o trabalho de desmate na região fique mais parado durante o período chuvoso, mas prevê que o problema seja retomado entre abril e maio de 2020. O que resta para a aldeia é continuar denunciando o desmatamento das florestas junto ao Ministério Público Federal de Rondônia (MPF-RO).
“O que tem refletido hoje é o medo. Não temos mais sossego em dormir. A aldeia não é mais segura. Não estamos podendo mais caçar direito, o colhimento de alimento. O que fazemos é resistir, pois aquela terra é nossa. A gente vai resistir”.
A floresta na terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau garante a sobrevivência de cinco povos, sendo dois isolados, ou seja, sem qualquer contato com pessoas de fora da aldeia. Eles dependem exclusivamente do que a mata oferece. A terra também está na lista das mais desmatadas do país.
Porém, como consequência do desmatamento desenfreado na terra, é possível ver até gado pastando em uma área que, de regra, deveria ser constituída apenas por mata. A Fundação Nacional do Índio (Funai), por exemplo, informou à Rede Amazônica em agosto deste ano que muitas das placas que marcam os limites da terra indígena ou foram arrancadas ou estão marcadas por balas.
De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), duas áreas invadidas foram ocupadas pela Associação Rural Rio Bonito, do município de Campo Novo de Rondônia, que estaria loteando e comercializando as áreas.
Na ocasião, o coordenador da Frente de Proteção Índios Isolados da Funai, Rieli Franciscato, disse que temia por um confronto.
“Pode acontecer duas coisas: uma é os índios tomarem atitude, eles mesmo fazerem valer a defesa do seu território, e a outra é o extermínio de certos povos. A exemplo dos Uru Eu e Karipuna, que são grupos pequenos e podem, com essa ação, levar ao extermínio desses povos”, explicou na época.
O MPF-RO contabilizou 44 denúncias por desmatamento em terras indígenas em 2019. De caráter temporário, o órgão resolveu colocar em prática quatro operações também este ano com objetivo de proteger as florestas e as unidades de conversação do estado. Oito madeireiras também foram denunciadas.
Ao G1, a procuradora Giseli Bleggi informou que os crimes dentro das terras não se limitam apenas a desmatamento de área. “É invasão de terra indígena, grilagem, lavagem de dinheiro, organização criminosa e também crimes ambientais. A Força-tarefa Amazônia foi criada para desmantelar essas quadrilhas. É muito movimento de madeira dentro das florestas”, explicou.
Apesar da TI Karipuna estar abaixo no ranking entre as 10 regiões mais desmatadas, é a primeira quando se fala em impacto sinérgico. Segundo Giseli, os Karipunas sofrem muito mais com a prática grileira, queimadas e ações criminosas de cunho ambiental.
“E há ainda os impactos dos empreendimentos hidrelétricos. Então imagina uma intervenção humana desse grau às terras indígenas? É uma das mais pressionadas”, complementou a procuradora.
Apesar do trabalho do MPF em proteger como pode as terras indígenas, Giseli acredita que um reforço frequente dos órgãos fiscalizadores seria o ideal. “Eles têm recursos mais frequentes. Teria que ter fiscalização mais intensiva, porque nós estamos em um período de crise”.
O secretário de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam), Elias Rezende, explicou que mais de 150 missões de combate foram desencadeadas afim de também combater o desmatamento.
Isso significa que os agentes da pasta aplicaram em torno de R$ 150 milhões apenas em multas em áreas preservadas onde não se pode desmatar. Em 2018, a Sedam aplicou mais de R$ 175 milhões em multas.
Apesar disso, Rezende revelou que o foco não foram as terras indígenas em si, mas as regiões onde há maior incidência, já que depende do local atingido. Porém, garantiu que a demanda de fiscalização foi intensificada este ano.
“Nós mapeamos quais são as áreas com maiores incidências de queimadas e de desmatamento. Intensificado as nossas fiscalizações. As áreas, tanto as nossas unidades de conservação estadual e federal, as terras indígenas, a zona de amortecimento, tem muita pressão. E o que nós temos feito é intensificar a fiscalização através dos nossos agentes da Sedam e também da Polícia Ambiental. Estamos também trabalhando com uma outra forma de abordagem na educação ambiental. Evitando o desmatamento, iremos evitar queimadas lá na frente”, explicou.
Entre uma das medidas determinadas pela Sedam em frear o desmatamento está na aplicação das multas. Segundo o secretário, a estratégia é não aplicar multas exorbitantes, pois o “infrator nunca vai pagar e vai colocar a situação dele em uma restrição a crédito até mesmo para recuperar áreas. Nós optamos por aplicar multas razoáveis, partindo do mínimo legal, daquilo que a lei nos autoriza”.
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Ambientalista diz que é preciso ‘atitude drástica’ para frear o desmatamento em terras indígenas de RO - Instituto Humanitas Unisinos - IHU