05 Dezembro 2019
"Há muito tempo a comunidade humana abusa das condições dos ecossistemas planetários, comprometendo assim, de maneira integral, os sistemas geradores de vida da Terra. Não é de hoje, apontam os mais diversos indicadores de insustentabilidade, que se afetam os fatores e se inviabilizam as condições que tornam possível a vida no planeta", escreve Marcus Eduardo de Oliveira, economista, ativista ambiental, mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “Civilização em desajuste com os limites planetários”.
Na medida do possível, é preciso estar devidamente atento para o que poderá acontecer nesse vasto mundo onde os indivíduos escolhem se refugiar. Sob essa perspectiva, e indo direto ao assunto, vejamos alguns poucos exemplos:
i) se os biólogos estiverem certos, o desenho do futuro é assombroso, uma vez que nos próximos cem anos, dizem alguns deles, os humanos poderão eliminar de 20% a 50% de todas as espécies da Terra;
ii) mais de 1 milhão de espécies de animais e vegetais estão ameaçados de extinção, conclui relatório da Organização das Nações Unidas (ONU);
iii) a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) informa que até 2048 os oceanos atingirão um ápice em que não mais será permitido a retirada de recursos alimentares, uma vez que a excessiva atividade de pesca não respeita o tempo de reposição dos cardumes;
iv) relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) aponta que a emissão de gases causadores do efeito estufa (20 países mais desenvolvidos do mundo respondem por 78% de todas as emissões) precisa diminuir mais de 7% ao ano no período entre 2020 e 2030 para que o aumento na temperatura média global seja de apenas 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Caso as emissões não sejam reduzidas nesse ritmo, o mundo caminha para um aumento de temperatura de 3,2ºC;
v) com as temperaturas mais quentes, a população mundial estará cada vez mais exposta a enfermidades. Isso é tão sério e comprometedor que diversos especialistas em saúde pública apontam que as transformações ambientais provocadas pelo homem ameaçam minar os progressos realizados pela medicina nos últimos 50 anos.
Observando de perto o que já aconteceu:
i) apenas nos últimos quarenta anos, segundo o World Wildlife Fund (WWF), mais da metade dos vertebrados do mundo morreu;
ii) o número de espécies nativas dos principais habitats terrestres caiu em pelo menos 20%, principalmente desde 1900;
iii) Relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) destaca, entre outros, que 75% da superfície terrestre já foi modificada por atividades humanas;
iv) a Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que 9 em cada 10 pessoas de diferentes lugares do mundo respiram ar contendo altos níveis de poluentes; no mundo, todos os anos, são 7 milhões de óbitos (mais de 19 mil mortes por dia) decorrentes da poluição do ar;
v) números atualizados pela Universidade de Maryland (USA) e divulgados pelo Global Forest Watch mostram que os trópicos perderam 12 milhões de hectares de cobertura florestal somente em 2018, a quarta maior perda anual desde que registros começaram a ser feitos em 2001.
E mais: quando se olha para o que é calculado pela Global Footprint Network, considerando quatro fatores principais, quanto os ecossistemas são capazes de produzir; quantas pessoas existem no planeta; quanto essas pessoas consomem; e, com que eficiência os produtos são feitos, se percebe com alguma clareza que, em 2019, o planeta Terra entrou no “cheque especial” no exato dia 29 de julho. Isso significa dizer que os 7,6 bilhões de habitantes do planeta consumiram todos os recursos naturais que o planeta consegue regenerar em um período de um ano em apenas 210 dias. Por isso a velocidade de consumo, nesse caso, é 74% maior do que a capacidade de a Terra se regenerar.
Ora, todas essas ocorrências, como é fácil presumir, configuram um drama que altera todo o sistema de funcionamento da Terra, enfraquecem biologicamente o planeta e afetam a ordem da vida, o imperativo maior, isto é, princípio máximo que a inteligência humana conhece.
Quando se pensa, pois, na necessidade de mitigar esse conjunto de situações adversas ao equilíbrio planetário, para que se busque construir um destino sustentável para todos, é a escala da vida (humana e não humana), bem como o ambiente que acolhe o sistema vida, que devem ser bem assistidos pela espécie pensante; afinal de contas, ninguém em são consciência pode colocar em dúvida que a Natureza é a responsável direta por sustentar o modo de vida conhecido. Logo, se o desejo da comunidade terrena for mesmo o de obter segurança social, a preservação da Natureza é sim a resposta imediata e definitiva.
Colocado dessa forma, e voltado ao interesse de se construir uma almejada ordem social e ambiental, a conquista da sustentabilidade, isto é, a ação que procura devolver o equilíbrio à Terra e aos ecossistemas para que o meio ambiente possa continuar sendo habitável e para que as formas de vida prosperem sem desequilíbrios, se impõe como condição irrevogável entre nós.
Daí, pergunta o senso comum: o que temos que fazer? Independentemente das capacidades e aquisições de cada um, devemos, de imediato, procurar corrigir nossas mais gritantes falhas, dentre as quais: i) mudar nosso comportamento, a partir do reconhecimento de que não estamos cuidando dos ecossistemas e do planeta Terra como um todo; na verdade, temos sido grosseiramente incapazes de bem gerenciar os recursos do planeta; ii) deixar de acreditar na promessa de progresso oferecida pelo crescimento econômico, como se o aumento material, pelas mãos do consumismo, fosse mesmo a condição responsável por completar todas nossas carências.
Repare que em relação a esse último ponto tudo continua como sempre foi: é esperado uma maior pressão sobre o meio ambiente, principalmente se os economistas do crescimento, quer seja aqui, ali ou acolá, insistirem com suas políticas de expansão industrial, aumentando a produção material, o consumo, e o uso dos principais serviços ecossistêmicos.
E detalhe: ainda que o século 21 não repita o desempenho econômico verificado no século 20, a partir do exemplo dos “trinta gloriosos anos”, tampouco nunca mais se alcance no tempo futuro o explosivo crescimento econômico do século 19, propulsionado pela chegada da Revolução Industrial, ao que tudo indica a comunidade humana está mesmo com uma bomba-relógio no colo, uma vez que a capacidade de reserva natural desse mundo fisicamente limitado se encontra em rota de colisão com os desejos e as necessidades ilimitadas de consumo material e a própria perspectiva do crescimento, ponto medular da macroeconomia convencional.
Dito isso, a questão definidora, assim atrevo-me a sinalizar, parece ser essa: se o crescimento econômico e a atividade humana dependem de recursos ecológicos limitados e finitos, o próprio crescimento, por dedução óbvia, necessariamente tem de ser limitado. De tal modo que, se os governos modernos, seja lá do Sul ou do Norte global, acelerarem o crescimento, contrariando essa premissa, fatalmente irão colher severos colapsos ecológicos, comprometendo a civilização moderna.
Quero crer, uma vez exposto isso, que a advertência feita outrora por A. Toynbee (Um Estudo da História) continua bastante válida: grandes civilizações não são exterminadas, mas acabam com a própria existência.
Repare com certa atenção que esse grave e preocupante problema antropogênico mostra uma dissociação do ser humano em relação a seu próprio lar planetário. Por sinal, algo que foi devidamente apontado tempos atrás pela iluminada Rachel Carson (1907-1964) ao comentar que “o homem esquece que é parte da natureza e a sua guerra contra essa é, inevitavelmente, uma guerra contra a si mesmo”.
O mais assustador aqui, tomando como referência as pontuais palavras de Carson, é que o péssimo comportamento do sujeito humano em relação ao mundo vivo, não bastasse os contratempos impostos ao sistema-vida, termina por lhe obscurecer a percepção de que a existência dos seres viventes depende fundamentalmente das funções e dos serviços prestados pela natureza; e sequer há o reconhecimento, pasmem no tamanho de nossa ignorância, de que são essas funções e serviços que tanto ajudam a compor o desempenho da vida como a conhecemos.
Pois bem, alcançado este ponto, e para que bem se compreenda, importa lembrar que desde há muito tempo a comunidade humana abusa das condições dos ecossistemas planetários, comprometendo assim, de maneira integral, os sistemas geradores de vida da Terra. Não é de hoje, apontam os mais diversos indicadores de insustentabilidade, que se afetam os fatores e se inviabilizam as condições que tornam possível a vida no planeta.
Por diferentes formas tem sido percebido que o limite suportável em termos de respeito à vida alheia já foi estupidamente ultrapassado pelo gênero humano, assim como continuam sendo desrespeitados os “Direitos da Natureza”, promovendo ao mais completo desprezo às condições que procuram assegurar a conservação da biodiversidade e a integridade dos ecossistemas.
Nesse pormenor, tem sido dito que, quando são desrespeitados os Direitos da Natureza, o que passa a ser de fato desrespeitado são os direitos cidadãos a um meio ambiente saudável, conhecidos, em geral, como direitos humanos de terceira geração (direitos transindividuais destinados à proteção do gênero humano).
Desnecessário dizer que a superação de todo esse descompasso levanta a necessidade de se procurar envolver a produção econômica global em consonância com os limites estabelecidos pela biosfera (a soma global de todos os ecossistemas), uma vez que nenhum subsistema (e a atividade econômica é um deles) pode crescer indefinidamente em termos físicos num planeta fechado e finito.
O que mais precisa ser feito, continua assim rezando o senso comum, é imaginar a criação de novos modelos de viver e conviver, procurando desse modo assentar as bases para uma sociedade diferente, o que requer que se proponha, antes, a plena valorização da convivencialidade.
No uso rigoroso das palavras, precisamos agir. Kate Raworth, sob essa inspiração, chama a atenção dizendo que a nossa geração é a primeira a compreender adequadamente os danos que temos causado ao nosso lar planetário, e provavelmente a última a ter a chance de fazer algo transformador em relação a isso.
Já Riane Eisler, também uma economista inclinada à boa causa ecológica, escreve que fomos bem providos pela natureza com um cérebro incrível, uma enorme capacidade de amar, uma criatividade extraordinária e uma capacidade única de aprender, mudar, crescer e planejar à frente. Se agirmos agora, poderemos usar essas aptidões para co-criar os sistemas econômicos e sociais que amparam as grandes dádivas que nos foram concedidas pela evolução.
Fato concreto e, por fim, falando estritamente o óbvio: um destino sustentável para todos depende unicamente dos esforços de cada um de nós, a partir do claro entendimento de que somos parte e parcela da natureza.
Como consta no preâmbulo da Carta da Terra: estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro [...] A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida [...]
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Cuidar da Terra ou arriscar a nossa destruição? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU