23 Novembro 2019
O governo divulgou, na segunda (18), que, entre agosto de 2018 e julho de 2019, foram destruídos 9.762 km² de florestas na Amazônia – extensão maior que a Região Metropolitana de São Paulo. A alta é de 29,5% em relação ao período anterior. Trata-se da taxa oficial anual preliminar, produzida pelo Programa Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No primeiro semestre do ano que vem, será divulgado o dado consolidado.
A reportagem é de Oswaldo Braga de Souza, publicada por ISA, 21-11-2019.
É o maior aumento percentual do século, entre um ano e outro, e o terceiro maior desde o início da série histórica, em 1988, além do maior valor absoluto em 10 anos. O número está acima da tendência de alta observada desde 2013: de acordo com ela, deveria ficar em 8.278 km², ou seja, 1.500 km² a menos do que o divulgado anteontem (leia editorial do ISA).
Quem esperava o anúncio de medidas de impacto contra a devastação, como aconteceu nos últimos 25 anos em situações semelhantes e foi antecipado pelo Ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, na segunda, no entanto, ficou decepcionado.
Ele convocou, para hoje (20), uma reunião com os nove governadores da Amazônia Legal e parlamentares e, na sequência, uma coletiva de imprensa em Brasília para, ao final, não anunciar nenhuma ação concreta. Na prática, o país continua sem uma estratégia que substitua o antigo Plano de Ação para Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), lançado em 2004 e engavetado pela gestão atual.
Os jornalistas ouviram apenas que haveria consenso entre os governos federal e da Amazônia Legal para o Brasil cobrar, na próxima Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP 25), na Espanha, em dezembro, os recursos prometidos pelos países desenvolvidos às nações pobres para conservar suas florestas.
Desde o início do governo, o ministro repete que o Brasil tem uma das maiores contribuições no combate ao desmatamento e às mudanças climáticas – o que é verdade – e tem de ser pago por isso pela comunidade internacional. A questão é que Salles foi o principal responsável pela paralisação do Fundo Amazônia, criado justamente como compensação pela redução dos desmatamentos e maior financiador atual de projetos de conservação da floresta no país, mantido com recursos da Noruega e Alemanha, principalmente.
Na coletiva, Salles também informou de forma genérica os eixos de uma suposta nova estratégia – ainda em estudo, mas já com o slogan “ambientalismo de resultados” – para combater o desmatamento: fiscalização ambiental; regularização fundiária; estímulo à “bioeconomia” e pagamento por serviços ambientais; zoneamento ecológico-econômico; assistência técnica rural. As ideias já foram todas previstas no PPCDAM e em outras iniciativas de governos anteriores.
Apesar de não detalhar nenhuma medida, Salles disse que o governo pretende reduzir o desmatamento já no ano que vem. Questionado pelos jornalistas sobre metas, no entanto, foi evasivo. “Nosso objetivo de redução tem como base a evolução histórica”, afirmou. “Mais importante do que estabelecer metas numéricas é ter uma estratégia. E seu primeiro item é ter um alinhamento do governo federal com os estados. Alinhamento que ficou 100% estabelecido hoje.”
Os governadores também informaram que conversariam, ainda hoje, com senadores e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, sobre a possibilidade de serem repassados diretamente aos estados os R$ 430 milhões destinados à conservação ambiental da floresta amazônica pela ação que instituiu um fundo com recursos recuperados da Petrobrás pela Operação Lava Jato. Conforme um projeto de lei encaminhado ao Congresso, a verba deveria passar, primeiro, pelo governo federal. Os governadores argumentam que isso vai burocratizar e atrasar a chegada do dinheiro aos cofres estaduais.
Salles insistiu que há consenso entre as gestões federal e estaduais para articular novas iniciativas contra o desmatamento. Em conversas com alguns governadores na saída do evento, porém, ficou claro que ainda não há posição fechada sobre pontos importantes.
O ministro mencionou que a Medida Provisória (MP) que pretende promover a regularização fundiária na Amazônia continua em estudo. “Pontos específicos da MP ainda estão em análise, tramitando na Casa Civil, mas eles estão alinhados com a expectativa uníssona de todos nós, governos federal e estaduais presentes”, reforçou. O desafio seria agora encontrar recursos para viabilizar a iniciativa.
Pesquisadores e organizações da sociedade civil denunciam que o instrumento de autodeclaração dos posseiros de terra em análise pelo governo poderá significar, na prática, a legalização em massa da grilagem na Amazônia. O ministro negou que isso vá acontecer.
“Ainda temos muita conversa para ter sobre isso”, contrapôs em entrevista à reportagem do ISA o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), presidente do consórcio criado, neste ano, entre os nove governos da Amazônia. “Não pode abrir a guarda, discurso permissivo, consentimento com a ilegalidade. Isso tem de ter tolerância zero. Qualquer iniciativa que seja trabalhada e possa gerar desconfiança e, principalmente, falta de transparência tem de ser suspensa. Ter uma iniciativa e poder avaliar: sem problema”, defendeu.
Góes também colocou em questão a ideia novamente sugerida por Salles, nesta semana, de transferir uma maior parte do combate ao desmatamento aos estados. Na reforma ministerial do início do ano, já haviam sido extintas atribuições formais e áreas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) relacionadas à articulação de ações dessa política entre ministérios, governos federal e estaduais. Na coletiva, Ricardo Salles também negou que a alta do desmatamento tenha a ver com a medida, como também apontam cientistas e ambientalistas.
“Nas áreas privadas, tanto o poder público municipal, estadual e federal tem poder de polícia. E assim ele deve usar na situação de ilícito. Não defendemos o contrário”, comentou o governador do Amapá.
Góes contou ainda que um outro ponto da conversa com Salles seria o Fundo Amazônia, mas não houve tempo de discuti-lo. O governador salientou que os estados não desistiram do fundo e seguem negociando alternativas. “Não abrimos mão. Entendemos que são recursos volumosos. Os estados neste momento estão executando recursos do Fundo Amazônia. E mantemos individualmente e coletivamente uma relação com essas embaixadas [da Noruega e Alemanha]”, disse.
Ele contou que uma proposta alternativa de financiamento de ações ambientais do consórcio dos nove estados amazônicos deverá ser apresentada, nesta quinta, em São Luís. O governador mostrou-se confiante na viabilização da ideia. “Eu penso que está dependendo muito mais do consórcio. Há disposição de países, embaixadas e doadores”, concluiu.
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Governo Bolsonaro não tem plano contra desmatamento, apesar de taxa recorde em 10 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU