24 Outubro 2019
As grandes corporações do mercado de commodities têm apostado, no último período, no desenvolvimento de novas biotecnologias agrícolas. A incidência, além de ampliar o dependência de agricultores ao concentrado mercado de insumos químicos e sementes e o controle do mercado por corporações, localiza o país em um cenário de insegurança alimentar e de ameaça à agrobiodiversidade.
A reportagem é publicada por Terra de Direitos, 23-10-2019.
O país que possui consumo recorde de agrotóxicos, já conta com 90 plantas transgênicas liberadas comercialmente no país - destas 70 modificadas para tolerar algum agrotóxico, e avança na implementação de biotecnologias de alto risco.
Sem garantir a participação popular e o amplo debate público, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou, em janeiro de 2018, a Resolução Normativa (RN) 16/2018, que estabelece requisitos para a definição de novas biotecnologias com engenharia genética que diferem das técnicas utilizadas em transgênicos. Com a nova normativa, a CTNBio pode decidir que os organismos produzidos com o uso dessas biotecnologias não se classificam como transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs), e assim podem ser dispensadas de avaliações de risco, sem monitoramento e sem rotulagem.
Essa normativa torna o Brasil um dos primeiros países do mundo a possibilitar pesquisa, desenvolvimento, produção e comercialização deste tipo de tecnologia - um campo de ampla incerteza e que soa como grande alerta aos camponeses, organizações sociais e movimentos populares que atuam na defesa da saúde, meio ambiente e soberania alimentar.
Uma das formas de biotecnologia mencionadas na Resolução é a condução genética ou redirecionamento genético (gene drives). Os gene drives ou impulsores genéticos são formas de edição ou manipulação genética de seres vivos. São formas mais perigosas dos transgênicos, que editam as características genéticas, sem necessariamente incluir um gene novo, mas manipulando os genes já existentes nos seres vivos. Isto é, uma microcirurgia nas informações genéticas de seres vivos.
A técnica utiliza enzimas que “cortam e colam” (como a CrisPR/Cas9) genes de seres com reprodução sexuada - a exemplo de plantas como o milho e mosquitos - sem necessariamente introduzir genes de outros organismos ou sintéticos.
Essas mudanças alteram as funções originais das plantas e tem o poder de transmitir suas características modificadas para a integralidade de seus descendentes e assim conseguiriam transformar uma espécie inteira, editando genomas para que as características modificadas prevaleçam integralmente para todos os descendentes. Desta forma, a prática pode ter efeitos irreversíveis ou incontroláveis e, inclusive, podem exterminar toda uma espécie.
Também se pode avançar nas tecnologias prometidas aos transgênicos, como a tolerância aos agrotóxicos, a época ou período de frutificação ou germinação e adaptação da espécie para o grande maquinário agroindustrial.
Há duas frentes majoritárias no posicionamento dos países em relação a novas biotecnologias. A primeira diz respeito a não possibilitar a aplicação tendo em vista as incertezas que a prática ainda suscita. A segunda, adotada pelo Brasil, permite a utilização das novas biotecnologias com a atenção ao princípio da precaução previsto no Protocolo de Cartagena.
Durante a 14ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP 14) realizada em dezembro de 2018 os movimentos sociais e organizações da sociedade civil presentes, bem como o Egito, Tailândia, Bolívia e El Salvador se posicionaram pela abstenção da utilização dos condutores genéticos enquanto houver incertezas nas pesquisas sobre os riscos. Já o Brasil, os países africanos, a Nova Zelândia, Malásia, Índia, Indonésia, Argentina, Peru, Canadá, Panamá e Suíça sustentaram a posição de utilização dessas novas tecnologias com precaução e análise caso a caso, sendo esta a posição consolidada no documento oficial.
Previsto na Constituição Federal, o país possui o dever da proteção ao meio ambiente, com garantia da adoção de medidas de cautela diante de atividades impactantes ou cujos efeitos ainda são desconhecidos. Vulnerável aos interesses de empresas que atacam o princípio da precaução dizendo que seus defensores buscam certeza científica de risco zero, a implementação de novas biotecnologias ou novas técnicas de edição genética vulnerabiliza a sociedade aos interesses de empresas e governos.
Elaborada pelo Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), coletivo que congrega diferentes organizações e movimentos sociais, o material busca explicar, de forma didática, como a nova biotecnologia se apresenta como uma ameaça ao meio ambiente, à agrobiodiversidade e à sociedade.
O material pode ser utilizado em atividades formativas e provocações de debate público com diferentes públicos.
Ficha Técnica
Título: Os Gene Drives e as novas manipulações genéticas na agricultura
Gênero: animação
Duração: 4 minutos
Lançamento: Brasil, 2019
Classificação: Livre
Realização: Grupo de Trabalho Biodiversidade - Articulação Nacional de Agroecologia e Terra de Direitos
Produtora: Canteiro Audiovisual
Roteiro e Direção: Guilherme Daldin
Argumento: Naiara Bittencourt, Leonardo Melgarejo
Revisão: Naiara Bittencourt, Lizely Borges, Franciele Petry, Leonardo Melgarejo
Contribuições: Maria Mello, Carla Bueno, Flávia Londres, Gabriel Fernandes, João Dagoberto dos Santos, Marciano Silva
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Sem consulta popular, biotecnologia conhecida como ‘gene drives’ pode resultar em impactos irreversíveis à saúde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU