18 Outubro 2019
Fala a auditora Rose Bertoldo, uma das 35 mulheres participantes do Sínodo para a Amazônia, na linha de frente na luta contra o abuso, a exploração, a escravidão, o tráfico e o feminicídio no Brasil.
A entrevista é de Anna Moccia, publicada por Nigrizia, 17-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ouvir o "grito de escravidão" que vem não apenas da natureza, mas também de seus povos, especialmente de mulheres constantemente ameaçadas em seus territórios, é parte integrante da missão da Igreja e, em particular, deste Sínodo, que conclama a construir novos caminhos para o futuro. A irmã Roselei Bertoldo, entre as 35 mulheres participantes dos trabalhos do Sínodo, está na linha de frente da luta contra o tráfico de pessoas através da rede Um grito pela vida no Brasil, um dos 44 grupos da rede internacional Talitha Kum.
O risco de violência contra mulheres na Amazônia aumentou devido à presença de funcionários de empresas de mineração, comerciantes de madeira, soldados, todos na maioria homens. O que está acontecendo?
Quando se trata do Brasil, devemos primeiro fazer uma distinção entre exploração sexual e prostituição, porque esta é legal a partir dos 18 anos. Mas acontece que muitas mulheres são enganadas pelas várias empresas, que as atraem com falsas promessas de trabalho e, uma vez que chegam à sede dessas grandes empresas, são exploradas sexualmente. As ações do Estado geralmente se revelam ineficazes e ainda há muita impunidade. Fizemos muitas denúncias relacionadas principalmente às indústrias de mineração e garimpeiros, mas, apesar de nossos esforços, caem no vazio. Ao mesmo tempo, verifica-se um enfraquecimento das políticas públicas, principalmente dos comitês de luta contra o tráfico de pessoas.
Nos últimos anos, houve uma proliferação de um grupo obscuro de prostituição que envolveu especialmente as adolescentes. Como acabam nessa rede?
Na maioria dos casos, as meninas vivem em cidades pequenas ou em localidades dispersas e já sofrem situações de violência dentro de suas famílias. Acontece que são as próprias jovens que fogem para ir às grandes cidades, na esperança de encontrar um futuro melhor. Mas, quando chegam, acabam entrando nessas redes de exploração e tráfico. Há também casos de garotas que se mudam para a cidade por motivos de estudo e são acolhidas por famílias locais, mas são justamente essas "novas famílias", que deveriam cuidar delas, que as exploram no plano de trabalho ou sexual.
Existem casos recentes sobre os quais você pode falar?
Tem a história de uma jovem adolescente de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, que foi estudar em Manaus. O acordo era que ela moraria com essa família e receberia um salário pelo trabalho que realizaria para eles. Mas, depois de dois dias que estava lá, o chefe da família a levou para São Paulo, onde passou a viver em situação de escravidão: ela não podia sair e não recebia salário. Felizmente, a menina conseguiu denunciar esses abusos e, graças ao ministério do trabalho brasileiro, conseguiu resolver sua situação.
Outro caso recente diz respeito a quatro adolescentes entre 16 e 17 anos que foram contatadas pela internet para trabalhar como modelos em São Paulo. Elas já haviam comprado as passagens e estavam prestes a partir, mas uma das famílias que era contra a partida denunciou tudo à polícia e acabou-se descobrindo que essas pessoas gerenciavam uma rede criminosa e que já havia escravizado outras 40 garotas.
Como Talitha Kum atua no Brasil contra o tráfico?
A maioria dos casos em Manaus está relacionada à exploração sexual ou doméstica e o trabalho da Talitha Kum, e especificamente da rede Um grito pela vida, centra-se principalmente na área da prevenção: frequentamos escolas públicas toda semana e existe uma colaboração com as prefeituras para realizar atividades com meninas e adolescentes. É um trabalho que também se estende para as suas famílias. Por exemplo, quando há uma reunião na escola, os pais participam desses encontros de formação. Depois realizamos um trabalho de diálogo para que políticas públicas de apoio possam ser criadas em favor das vítimas.
Outro trabalho importante é realizado em termos de comunicação, por meio de estações locais de rádio e televisão, para multiplicar o conhecimento sobre os riscos possíveis. Não menos importante é o nosso empenho nas áreas de fronteira. Por exemplo, temos um grupo específico trabalhando na cidade de Tabatinga, na fronteira entre Peru, Colômbia e Brasil, onde acordos específicos foram assinados com os três países e um trabalho interessante está sendo desenvolvido no campo da prevenção.
O Instrumentum Laboris menciona a questão do tráfico várias vezes. O que vocês esperam deste sínodo?
No Instrumentum Laboris, a palavra "tráfico" aparece sete vezes e, em todos os grupos de escuta e de diálogo com as diferentes realidades das quais estou participando, a questão do tráfico e da exploração sexual está muito presente. Uma das propostas que estamos apresentando no Sínodo é que a Igreja se responsabilize pela luta contra o abuso, a exploração, o feminicídio e o tráfico e o leva adiante em todas as atividades eclesiais. Também solicitamos que, por meio do Dicastério de Desenvolvimento Humano Integral, que atua com os migrantes, sejam tomadas medidas nos vários países da região Pan-amazônica para garantir que aqueles que assinaram pactos sobre a migração possam realmente colocá-los em prática. Também seria importante para as Conferências Episcopais envolvidas na Região Pan-Amazônica criem comissões de trabalho específicas. É muito bom o exemplo do Celam, o Conselho Episcopal da América Latina, que em 2017 criou uma rede chamada Clamor. Talitha Kum está pedindo a todas as Conferências Episcopais que se juntem a essa rede.
O pontificado do Papa Francisco é certamente inovador também na frente dos direitos das mulheres. Qual é o papel das mulheres na Igreja ou qual deveria ser?
Nós, mulheres, estamos intervindo ativamente em todo o processo sinodal e estamos pedindo que ministérios específicos sejam criados dentro da Igreja. Isso pode acontecer, ou talvez não. De qualquer forma, estamos escrevendo a história. Tudo o que falamos é registrado e servirá principalmente para o futuro. Estamos abrindo um caminho e o aspecto positivo diz respeito, sobretudo, às mulheres indígenas que estão participando do sínodo: o fato de as mulheres que vivem ao longo dos rios, muitas vezes esquecidas no passado, agora possam falar, está deixando uma marca muito grande. A sua palavra marcou e marca o que está acontecendo durante os trabalhos. Elas são realmente ouvidas e é interessante ver como os maiores problemas de destruição da vida e da natureza sejam trazidos ao Sínodo através das palavras das mulheres.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Violência contra mulheres aumenta no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU