18 Outubro 2019
"Liberais até a página 2: ao contrário do que alegam corporações tecnológicas, cada 'inovação' presente em seus produtos foi desenvolvida a partir de pesquisa estatal – muitas vezes associada à tecnologia de guerra. Vale conferir o caso da Apple".
O artigo é de Marianna Braghini, publicado por Outras Palavras, 14-10-2019.
Quando tomamos nossos celulares e tablets em mãos, estamos utilizando tecnologias desenvolvidas com décadas de financiamento e apoio estatal. Muitas das aplicações que dão a característica de “inteligente” aos smartphones são inovações que surgiram e foram desenvolvidas via demanda por inovações tecnológicas que garantissem algum tipo de superioridade bélica. Em seu livro O Estado Empreendedor, a economista italiana Mariana Mazzucato dedica uma seção para tratar do sistema nacional de inovação dos EUA e o caso do iPhone, que obteve seu sucesso, fundamentalmente, ao englobar e integrar diversas destas tecnologias, especialmente aquelas que surgiram no seio do setor de Defesa estadunidense e foram sendo desenvolvidas para uso comercial e civil, para além do militar.
A autora demonstra como nos EUA, agências e outras iniciativas foram criadas pelo Estado como fomento (e a própria configuração) de seu sistema nacional de inovação. O exemplo escolhido pela autora é emblemático. Pode-se dizer que os EUA são os maiores propagandistas do livre mercado, advogando pela desregulamentação, privatização e por abertura comercial mundo afora – frequentemente garantindo este seu ambiente econômico favorito via força bélica. A leitura do livro de Mazzucato desmente a crença segundo o qual o desenvolvimento tecnológico deu-se sem a participação interventora do Estado e mostra como é falsa a mística que rodeia os ideais do livre mercado. Segundo esta, o setor privado seria supostamente o grande agente inovador; e o Estado, portador de uma estrutura arcaica, que entravaria este processo “aventureiro”.
Para o economista austríaco Joseph Schumpeter, a inovação mantém o capitalismo em constante mutação, em um processo denominado por ele como “destruição criadora”. Ao se introduzir inovações que alterem as estruturas de mercado, que concedem ou retiram vantagens competitivas, produzem-se assimetrias na concorrência entre as empresas. Nem todas terão capacidade, técnica e/ou econômica, de expandir ou mesmo se manter na mesma posição no mercado, podendo significar a falência ou a conquista de um número maior de consumidores. Mas é este processo que mantém o sistema em movimento, ao mudar os processos produtivos – quando uma inovação barateia o custo de produção de uma determinada mercadoria – ou ao introduzir novos padrões no gosto dos consumidores. [1]
Mazzucatto demonstra que o Estado norte-americano criou um aparato descentralizado, ampliado e dinâmico voltado à criação, desenvolvimento, difusão e comercialização de inovações tecnocientíficas. Ele funciona sob direcionamento e supervisão estatal, por meio de financiamento público. A configuração do sistema nacional de inovação dos EUA firmou suas bases principalmente em uma rede entre universidades, iniciativa privada (pequenas e grandes empresas) e setor público, principalmente a Defesa.
O Estado atuou por meio de políticas que atuam no lado da oferta (com apoio e intermediação de planejamento) e no da demanda (como cliente). O fomento proativo do setor de inovação é efeito desde o laboratório ao uso comercial – ou seja, desde a concepção de ideias no plano abstrato até sua transformação em manufatura comercialmente viável.
Sobre este último aspecto mencionado, há uma importante questão colocada por Schumpeter. Nem sempre uma invenção se traduzirá em inovação – ou seja, uma novidade que de alguma forma causa ruptura. [2] A inovação ocorre em um contexto tecnológico específico, segundo critérios de demanda potencial, viabilidade técnica e custeios, mirando a produção de algo com valor mercantil e, como não poderia deixar em uma economia capitalista, o aumento da lucratividade. É oportuno mencionar o processo de rotinização do processo inovativo, especialmente no setor privado, que busca agir de forma cautelosa e defensiva, frente a um ambiente de incerteza, em que os objetivos não se dão sobre circunstâncias bem delineadas. [3]
Mazzucato analisa quatro exemplos de agências regidas por interconexão – segundo a autora, fundamental para um Estado inovador. Elas atuam num ambiente que estimula o compartilhamento, mais do que a rivalidade, entre os atores envolvidos. São elas: a Agência de Projetos e Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA), o Programa de Pesquisa para a Inovação em Pequenas Empresas (SBIR), o Orphan Drug Act e a National Nanotechnology Initiative (respectivamente, Lei de Medicamentos Órfãos e Iniciativa Nacional em Nanotecnologia). O caso da DARPA é o que mais nos interessa aqui. As demais iniciativas serão comentadas com o objetivo de apresentar a estratégia do sistema de inovação dos EUA de forma mais ampla.
O envolvimento dos EUA na II Guerra Mundial impeliu o país a concentrar sua energia produtiva na garantia de superioridade bélica e tecnológica no front de batalha. É justamente a questão da superioridade tecnológica que logo se mostrou um forte argumento em favor do investimento de inovações na área. Foi durante o conflito que experiências deste caráter foram dando forma ao que viria ser a DARPA, como o Projeto Manhattan, nome do programa que desenvolveu a bomba atômica, num esforço entre universidades, cientistas e financiamento público das agências de Defesa.
Depois do conflito, e com a conformação de um complexo industrial-militar-acadêmico [4], as tecnologias desenvolvidas para atender a necessidade militar tornaram-se um imperativo no processo inovativo. Os gastos no setor devem passar pela anuência do Congresso e, portanto, pela anuência também da população. Uma população convencida que, à medida em que mais tecnologia fosse incorporada às batalhas, mais “limpas” seriam as guerra, maiores as chances de seus combatentes voltarem a salvo para casa. Convenhamos: apresentar nos telejornais operações militares “cirúrgicas”, com mínimo impacto contra civis inocentes, era mais aceitável – uma forma de tornar a opinião pública menos hostil às aventuras bélicas de seu país em terras estrangeiras.
A DARPA foi criada pelo Pentágono no contexto da corrida armamentista da Guerra Fria, em 1958 — um ano após o lançamento do satélite soviético pioneiro Sputnik. Segundo Mazzucato, buscava conduzir pesquisas acadêmicas até finalidades práticas determinadas. A agência financiou a formação de departamentos de Ciência da Computação em universidades ao redor dos EUA, apoiava start-ups em seus projetos iniciais, teve uma contribuição fundamental no desenvolvimento de semicondutores, além do papel significativo nos estágios iniciais da internet. Pesquisadores financiados pela agência seguiram atuando na área da tecnologia e desenvolvendo tecnologias que hoje estão incorporadas em nossos dispositivos de computador pessoais.
A autora apresenta as principais características da agência: sua estrutura organizacional de pequenos e diversos escritórios, com autonomia orçamentária e com a função de determinar a agenda de pesquisa em desenvolvimento tecnológico. Ou seja, os desafios são pré-selecionados por centros de pesquisa especializados e em conformidade com o que se apresenta como demanda pelo Estado, seu centro financiador. O financiamento não aderia à dicotomia entre “pesquisa básica” e “ pesquisa aplicada”. Aí fica explícito seu objetivo de desenvolver tecnologias até finalidades práticas e com viabilidade comercial. Além disso, por conta do seu papel determinante na agenda de pesquisa, a DARPA adquiriu também, em alguma medida, o papel de supervisão de diferentes centros de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Mesmo nos períodos de paz, as metas de guerras atribuídas à DARPA, afim de se manter este “ecossistema” de inovações em tecnologias de defesa, foram orientadas de forma a desenvolver as inovações para se tornarem mais comercializáveis. Foi após a Guerra Fria que o departamento de Defesa criou o Programa de Reinvestimento de Tecnologia (PRT), destinando centenas de milhões de dólares para a pesquisa de tecnologias de dupla capacidade: militar e civil.
Outro exemplo analisado por Mazzucato é o Programa de Pesquisa para a Inovação em Pequenas Empresas (SBIR), assinado em 1982 na Era Reagan, um presidente notadamente conservador. O programa pretende formalizar um consórcio entre a Small Business Association (Associação de Pequenas Empresas) e agências governamentais com altos orçamentos em pesquisa, que deveriam designar 1,25% (originalmente) de seus recursos para empresas menores. O programa, conforme descrito pela autora, ampliou a interlocução de governos locais com o federal por meio dessa nova possibilidade de financiamento de pequenos negócios.
A lei dos Medicamentos Órfãos, de 1983, também foi uma iniciativa estatal em pesquisas científicas de forma a garanti-las sem depender completamente da iniciativa privada no setor biofarmacêutico. Por meio de incentivos fiscais, subsídios clínicos e em P&D e direitos de comercialização de medicamentos voltados a doenças raras (aquelas que acometem menos de 200 mil pessoas no mundo), a legislação possibilitou que pequenas empresas também pudessem se beneficiar, ainda que, como exposto por Mazzucato, as grandes corporações tivessem êxito em incrementar sua receita com os medicamentos órfãos.
A National Nanotechnology Initiative, de 1999, é mais um caso apresentado no livro. A nanociência é relativamente recente, a tecnologia necessária para o manejo em tal escala só foi desenvolvida nos anos 1980. Enquanto o setor privado dificilmente opta por investir em tecnologias cuja viabilidade comercial ainda está décadas à frente, o Estado tem sido o principal visionário da nanotecnologia, conduzindo os investimentos iniciais, conformando a rede de atores para explorar o que pode vir a ser um novo paradigma tecnocientífico [5] (“a próxima grande coisa”).
As características que fazem do iPhone um smartphone são capacidades tecnológicas possibilitadas após décadas de investimento e apoio estatal: microprocessadores, a internet, o GPS, touchscreen, tecnologias de comunicação, assistente virtual por voz, dentre outras.
Lançada em 1977, Apple buscou a consolidação da marca com foco em computadores pessoais. Mas foi o nascimento da família iOS [6] (durante a primeira década dos anos 2000) que alavancou a empresa como uma das gigantes da tecnologia e uma das corporações mais valiosas dos EUA.
Pensando no impacto do processo inovativo na concorrência, autores neoschumpeterianos se debruçaram sobre a análise das mudanças técnicas no mercado e na indústria, levando em consideração o caráter de desequilíbrio da concorrência entre as firmas e o do clima de incerteza que permeia ações e reações dos agentes. Estavam focados na ação dinamizadora das inovações, ao serem introduzidas e difundidas. Segundo apresentado por Possas (1989), o economista Giovanni Dosi conduz um esforço de contribuição a esta abordagem teórica, integrando a análise das transformações das estruturas de mercado por meio da inovação junto a padrões de geração destas 5. Para tal, se fez necessário identificar os aspectos econômicos e tecnológicos que transformam as tecnologias em fatores de mudança. No que se refere ao primeiro, estão a oportunidade – o momento ideal de introdução de determinada inovação, a cumulatividade, ou seja, capacidade complementar de tecnologias já utilizadas e o grau de apropriabilidade do mercado possibilitado pela inovação em questão.
Estas características são pensadas pelas empresas de forma que venham garantir vantagens competitivas, que por sua vez geram assimetrias no próprio âmbito da concorrência. Nesse sentido, vale destacar a análise de Mazzucato, sobre a grande capacidade da Apple em se apropriar com sucesso das tecnologias desenvolvidas dentro de determinados contextos tecnológicos, ao invés de gerar tais inovações. Destaca-se o desempenho da empresa em 2011, quando sua receita de US$ 76,4 bilhões superou o caixa operacional do governo norte-americano (U$73,7 bi) e apesar dos aumentos nas vendas, verificou-se queda na relação entre gastos com P&D e vendas líquidas. No período de 2006 a 2011, dentre suas principais concorrentes, a Apple ficou entre as três empresas que registraram o menor gasto médio em P&D, ficando à frente somente da Dell e da Acer. Em primeiro lugar, com o maior gasto médio, estava a Microsoft, seguida pela Nokia e Google. Até a Amazon gastava mais em P&D do que a Apple.
A observação de como o iPhone moldou a preferência dos usuários e consumidores no mercado das inovações tecnológicas permite identificá-lo enquanto projeto dominante [7] de celular. Ele concentra a expectativa do que um aparelho deste tipo deve ter e fazer, um consenso quanto a convergência de trajetórias tecnológicas incorporadas em um bem industrial.
A autora estabelece doze tecnologias principais integradas nos produtos iOS, que passaram, então, a diferenciar a Apple entre as empresas rivais: (1) microprocessadores centrais (CPU); (2) memória de acesso aleatório dinâmico (memória RAM); (3) micro armazenamento do disco rígido (HD); (4) tela (LCD); (5) baterias de lítio; (6) processamento digital de sinais (PDS); (7) a internet; (8) Linguagem HTTP; (10) sistemas de posicionamento global (GPS), (11) touchscreen, e (12) inteligência artificial com programa de interface com voz do usuário (SIRI). Destas, irei me referir àquelas desenvolvidas no seio do setor bélico.
A tecnologia utilizada para manufatura dos HDs teve um influente papel estatal dos EUA, apesar de desenvolvida primeiramente na Europa. O laboratório do alemão Dr. Peter Grünberg, ganhador do prêmio Nobel de Física, em 2007, por ter desenvolvido, junto ao francês Albert Fert, a tecnologia da magnetorresistência (MRG) que tem aplicação nos sensores magnéticos utilizados em HDs, era associado ao maior centro de P&D do Departamento de Energia dos EUA mesmo antes da descoberta. Tratava-se de dois projetos de pesquisa independentes, mas com o apoio e financiamento estatal da Alemanha e França, com associação ao sistema de inovação estadunidense, ideias abstratas tornaram-se uma inovação com alto potencial de comercialização. Suas aplicações estão em diversos dispositivos utilizados atualmente, e possibilitam que empresas estabelecidas explorem este desenvolvimento tecnológico, como a IBM.
Entretanto, como denota Mazzucatto, a continuação das pesquisas e da própria manufatura dos dispositivos encontrou entraves, semelhante ao que aconteceu no caso do desenvolvimento de semicondutores de Silício. Este último tinha uma importância estratégica para a superioridade tecnológica bélica dos EUA, já que em 1980 o Japão estava explorando as inovações na tecnologia de forma mais acelerada e com alta competitividade. Não era estratégico aos EUA depender de importações para garantir o desenvolvimento e manufatura de suas tecnologias de defesa. O departamento de Defesa viu-se obrigado a agir e criou um programa de investimento em informática avançada, Programa Computing Initiative (SCI), ao passo em que o governo federal estabeleceu uma rede que reunia produtores e departamentos universitários, o Semiconductor Manufacturing Technology (SEMATECH).
Os microchips com alta capacidade armazenamento, que revolucionaram os dispositivos como iPad e o iPhone, tiveram como principais clientes, no início das pesquisas, a NASA e a Força Aérea dos EUA, principalmente por conta do programa de mísseis Minuteman II e ao Programa Apollo, [8] que passaram a demandar estas tecnologias em larga escala. Um microchip que custava ao Apollo cerca de mil dólares, passou a custar entre vinte e trinta dólares em poucos anos. O início da indústria de microprocessadores está intimamente ligado aos contratos públicos com o setor de Defesa dos EUA, que pavimentou o caminho pelo qual trilharia o sucesso da Intel e outras.
Mazzucato acrescenta: a própria tecnologia touchscreen, que parece tão “humana”, foi uma das que emergiram do setor de Defesa. O princípio de rolagem de tela sensível ao toque, sem a necessidade de botões, só foi possível com o desenvolvimento de sensores capacitivos. O sistema de navegação chamado de clickwheel chegou aos produtos da Apple no fim dos anos 1990, mas a tecnologia já vinha sendo desenvolvida desde a década de 1960 pela Royal Radar Establishment (RRE), uma agência britânica focada em P&D no setor de defesa. A inovação passou a exigir o desenvolvimento de telas mais resistentes e adaptadas para o multitoque. Este caminho inicia em 1970, quando uma tecnologia de tela (TFT) era desenvolvida financiada pelo exército norte americano. Na busca pela comercialização e outras fontes de financiamento, as grandes empresas estabelecidas rejeitaram qualquer contrato, duvidando da capacidade de produção necessária com preço competitivo ao importado do Japão. É em 1988, com um contrato milionário com a DARPA, que se avança até a tecnologia LCD tal como a conhecemos hoje. O contrato chegou a ser rejeitado pelas gigantes do setor – Apple, Xerox, Compaq e IBM –, [9] que mostra uma adversidade do sistema de inovação no país: a resistência do setor privado.
A autora explicita o desenvolvimento da própria internet e suas raízes na necessidade de superioridade bélica. Aí teve papel fundamental da DARPA. A preocupação com a possibilidade de ataques nucleares destruírem as instalações de comunicação resultou na concepção de um sistema em rede, plano desenvolvido no seio da RAND, divisão de pesquisa do exército estadunidense. O contrato para instalação da rede, junto à DARPA, fora rejeitado pela IBM e AT&T, e obteve ajuda do serviço postal inglês para sua execução de costa a costa.
Outra tecnologia chamativa dos smartphones é o GPS. Criado também para fins militares, ele hoje está incorporado não só em nossos dispositivos celulares mas também em outros bens onde se verificou aplicação comercial civil, como automóveis. Como explica a autora, o sistema de interface por voz da Apple, o SIRI, foi gerado com o objetivo de ser um assistente virtual para militares. Atualmente outras empresas também possuem sistemas próprios como o da SIRI, a fim de acompanhar o que foi sendo padronizado nas tecnologias de celular e outros dispositivos eletrônicos. A Amazon desenvolveu a Alexa como assistente pessoal para o lar, enquanto no sistema operacional da Google, o Android, basta dizer “Ok, Google” para acionar o assistente pessoal com ativação por voz.
Iniciativas dentro do setor nacional de inovação e as respectivas tecnologias geradas, principalmente no contexto da Guerra Fria, deixam pistas de como a conformação de um complexo industrial-militar criou um caminho bem sucedido para desenvolver e executar projetos na área da tecnologia, integrando diferentes departamentos de Ciência e garantindo financiamento público a partir do Departamento de Defesa dos EUA e outras agências. Essa base tecnológica foi desenvolvida estrategicamente nos anos da Guerra Fria e está presente atualmente nos mais diversos bens de consumo.
Faz-se necessário elucidar aqui o papel que um Estado interventor na economia tem, enquanto agente capacitado a realizar a articulação entre os diversos setores necessários para a geração e difusão das inovações. É possível observar, ainda, a prática de proteger deliberadamente empresas e tecnologias que garantem a posição hegemônica nos setores estratégicos para o Estado. Pode-se dizer que estes aspectos demonstram bem a estratégia do sistema nacional de inovação arquitetado à época nos EUA. De forma que a abordagem estatal estadunidense provou-se muito mais flexível e “aventureira” do que a iniciativa privada em geral, presa a retornos financeiros no curto prazo, imediatista. O Estado dos EUA, no processo inovativo, revelou-se um principal cliente (quando não o único) e o maior investidor, criando ainda as devidas legislações, financiando a infraestrutura necessária e garantindo acesso a mercados estrangeiros, bem como o protecionismo das nacionais.
Nos termos da atual “cultura do empreendedorismo”, em que personagens como Steve Jobs aparecem com destaque, exalta-se a suposta capacidade individual revolucionária, em um indivíduo com uma ideia inovadora é o fator determinante para abalar estruturas de mercado. Nada se considera sobre os contextos materiais nos quais este indivíduo está inserido. Nos termos da própria Mazzucato, é muito mais fácil ser este sujeito empreendedor quando se vive em um país cujo Estado desempenha um papel ativo nos investimentos de “maior risco” (segundo os critérios do mercado financeiro), até que a iniciativa privada sinta-se segura quanto aos possíveis ganhos e “apareça para brincar e se divertir”. [10]
O que não significa que as empresas não estejam vulneráveis à concorrência no setor, como explicitado pela tentativa de boicote à chinesa Huawei, concorrente da Apple. O governo dos EUA tenta impor restrições a que use tecnologias patenteadas em solo estadunidense, como Bluetooth e cartões SD. Também pede empresas como a Google de autorizar o uso de seu sistema operacional. A tentativa fracassou. Neste caso, o Estado exerce um papel ativo na proteção das nacionais no setor, como a Apple, que seguem tendo este apoio para crescer e manter sua parcela de mercado.
MAZZUCATO, M. O Estado Empreendedor: desbravando o mito do setor público vs setor privado; tradução Elvira Serapicos. – 1a. Edição – São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.
MEDEIROS, C. A. O desenvolvimento tecnológico americano no pós-guerra como um empreendimento militar. In: FIORI, J. L. (Org.). O Poder Americano. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 225-252
POSSAS, M. L. Em direção a um paradigma microdinâmico: a abordagem neoschumpeteriana. In: AMADEO, E. J. (Org.). Ensaios sobre economia política moderna: teoria e história do pensamento econômico. São Paulo: Marco Zero, 1989. p. 157-78.
UTTERBACK, J. M. Dominando a dinâmica da inovação; tradução de Luiz Riske – Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1996
SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores,[1942]1984.
[1] SCHUMPETER, J. A. Processo de Destruição Criadora. In: Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, [1942]1984.
[2] Idem
[3] POSSAS, M. L. Em direção a um paradigma microdinâmico: a abordagem neoschumpeteriana. In: AMADEO, E. J. (Org.). Ensaios sobre economia política moderna: teoria e história do pensamento econômico. São Paulo: Marco Zero, 1989
[4] Esta terminologia é utilizada por Medeiros (2004)
[5] O conceito de paradigma tecnológico e contexto científico é utilizado por Utterback (1996).
[6] Sistema operacional móvel da Apple.
[7] UTTERBACK, J. M. Dominando a dinâmica da inovação; tradução de Luiz Riske – Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1996. p 26-29
[8] O Minuteman é um dos principais mísseis balísticos intercontinentais dos EUA, atualmente está na terceira geração (Minuteman III), já o Programa APOLLO é projeto bilionário que segundo Carlos Medeiros de Aguiar (2004), conduziu o maior esforço em programas de desenvolvimento de tecnologia desde o Projeto Manhattan.
[9] O Governo interveio por meio da criação de um consórcio entre os principais fabricantes com financiamento voltado à ciência, além da aplicação de tarifas antidumping como parte de um esforço para desenvolver a capacidade de produção (MAZZUCATO, 2014).
[10] MAZZUCATO, M. O Estado Empreendedor: desbravando o mito do setor público vs setor privado; tradução Elvira Serapicos. – 1a. Edição – São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014. p 156
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Por trás do iPhone, o Estado e os militares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU