18 Outubro 2019
"A biocapacidade da terra está diminuindo e os meios naturais para o sustento da humanidade estão definhando. O futuro pode trazer notícias desagradáveis em relação à segurança alimentar, especialmente para os países que apresentam acelerado crescimento populacional e taxas de fecundidade acima do nível de reposição", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 16-10-2019.
O Dia Mundial da Alimentação acontece em 16 de outubro de cada ano e é uma oportunidade para se avaliar os dados sobre o estado da segurança alimentar das pessoas e para a busca de soluções para superar o flagelo da fome e da desnutrição.
Os Institutos Welthungerhilfe e Concern Worldwide divulgaram neste mês de outubro o Índice Global da Fome (IGF), 2019. Conforme indicado no mapa abaixo, o índice, que é calculado principalmente para os países em desenvolvimento, varia em uma escala de 0 a 100 pontos e classifica a situação da fome em 5 categorias: baixa, para 46 países (menos de 9,9 pontos), moderada, para 23 países (de 10 a 19,9), séria, para 43 países (20 a 34,9), alarmante, para 4 países (de 35 a 49,9) e extremamente alarmante, 1 país (acima de 50 pontos).
Nota-se que o Índice Global da Fome (IGF) é maior na África ao sul do Saara e no sul da Ásia. Observa-se também que os países de maior IGF são aqueles que possuem maior Taxa de Fecundidade Total (TFT) no quinquênio 2010-15. A República Centro-Africana (IGF = 53,6 e TFT = 5,1 filhos por mulher) possui uma situação extremamente alarmante, sendo o país em situação mais grave no mapa. Quatro países possuem situação alimentar alarmante, são eles: Zâmbia (IGF = 38,1 e TFT = 5,2 filhos), Madagascar (IGF = 41,5 e TFT = 4,4 filhos), Chade (IGF = 44,2 e TFT = 6,3 filhos) e Iêmen (IGF = 45,9 e TFT 4,4 filhos).
Na América Latina e Caribe (ALC) a situação da fome é alarmante no Haiti (IGF = 34,7 e TFT = 3,2 filhos) e na Guatemala (IGF = 20,6 e TFT = 3,2 filhos). Os países da América do Sul que apresentam situação moderada são Bolívia, Equador, Guiana, Suriname e Venezuela e, na América Central: Honduras e Nicarágua.
A fome tem maior prevalência naqueles países que são pobres, apresentam baixos indicadores de desenvolvimento humano (IDH), alta fecundidade, baixa segurança pública e instabilidade política. Os dados do gráfico abaixo mostram que existe uma alta correlação entre o Índice Global da Fome (IGF) e a Taxa de Fecundidade Total (TFT). De fato, as principais vítimas da fome são as crianças. Os países que possuem IGP elevado, em geral, apresentam alta demanda insatisfeita por serviços de saúde reprodutiva. Estes dois fenômenos ocorrem concomitantemente devido à falta de direitos humanos básicos para a população, como educação, habitação adequada, saneamento básico, saúde, saúde reprodutiva, etc. Sem uma boa governança e sem os direitos de cidadania a população não tem autonomia para definir os rumos de suas vidas e garantir a autodeterminação reprodutiva.
A transição da fecundidade e o avanço das forças produtivas tem possibilitado a redução da fome no longo prazo. A tabela abaixo mostra que o IGF diminuiu no mundo e nas diversas regiões ao longo do século XX. Nota-se que o IGF no mundo era de 29 pontos em 2000, caiu para 26,9 pontos em 2005, para 23 pontos em 2010 e para 20 pontos em 2019. No sul da Ásia o IGF era de 38,4 pontos em 2000 e caiu para 29,3 pontos em 2019. Na África Subsaariana era de 43,5 pontos em 2000 e caiu para 28,4 pontos em 2019. Nas demais regiões a situação da fome é baixa ou moderada.
Contudo, esta situação de redução do Índice Global da Fome (IGF) foi interrompido nos últimos 4 anos. O número de pessoas famintas que estava em torno de 1 bilhão no início do século, caiu para 785 milhões em 2015, mas depois subiu para 822 milhões em 2018. Depois de décadas de progresso na redução da fome global, as mudanças climáticas e os conflitos estão minando os avanços da segurança alimentar nas regiões mais vulneráveis ??do Planeta. No ritmo atual, a meta da Fome Zero dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) não será alcançada em 2030.
O relatório da FAO “The State of Food and Agriculture 2019. Moving forward on food loss and waste reduction” (Roma, 2019) mostra que a situação da fome e da subnutrição é agravado pelas perdas de alimentos e o desperdício. No âmbito mundial, entre um quarto e um terço dos alimentos produzidos anualmente para o consumo humano não é aproveitado. Isso equivale a cerca de 1,300 bilhões toneladas de alimentos, o que inclui 30% dos cereais, entre 40 e 50% das raízes, frutas, hortaliças e sementes oleaginosas, 20% da carne e produtos lácteos e 35% dos peixes. A FAO calcula que esses alimentos seriam suficientes para alimentar dois bilhões de pessoas.
As perdas se referem à diminuição da massa disponível de alimentos para o consumo humano nas fases de produção, pós-colheita, armazenamento e transporte. O desperdício de alimentos está relacionado com as perdas derivadas da decisão de descartar alimentos que ainda têm valor e se associa, principalmente, ao comportamento dos maiores e menores vendedores, serviços de venda de comida e consumidores.
O desperdício é um dos grandes desafios pendentes para alcançar a plenitude da segurança alimentar. As perdas e desperdícios têm grande impacto na sustentabilidade dos sistemas alimentares, reduzem a disponibilidade local e mundial de alimentos, geram menores recursos para os produtores e aumentam os preços para os consumidores. Além disso, tem um efeito negativo sobre o meio ambiente devido à utilização não sustentável dos recursos naturais. Por tudo isso, a FAO considera que enfrentar essa problema é fundamental para se avançar na luta contra a fome, devendo se converter em uma prioridade para os governos do mundo.
A figura baixo tirada do relatório da FAO 2019 mostra que as maiores perdas de alimentos ocorrem na Ásia Central e do Sul, e as menores perdas na Austrália e Nova Zelândia. O percentual de perdas na ALC está acima de 10%.
O relatório “Climate Change and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, publicado dia 08 de agosto de 2019, também mostrou que existe um efeito perverso de retroalimentação entre a produção de alimentos e o aquecimento global. A crescente produção de comida agrava as mudanças climáticas e estas ameaçam a produção de alimentos.
O relatório mostrou, de forma transparente, que o crescimento da população mundial e o aumento do consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) têm causado taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com a agricultura atualmente respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce. O aumento da produção e consumo de alimentos contribuíram para o aumento das emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas naturais e diminuição da biodiversidade.
Em síntese, o avanço científico e tecnológico aliado ao uso generalizado dos combustíveis fósseis possibilitou a redução da fome no mundo, que atingiu o nível mais baixo da história em 2015. Porém, a insegurança alimentar e a desnutrição global aumentou nos últimos 4 anos e pode aumentar muito no futuro próximo.
A biocapacidade da terra está diminuindo e os meios naturais para o sustento da humanidade estão definhando. O futuro pode trazer notícias desagradáveis em relação à segurança alimentar, especialmente para os países que apresentam acelerado crescimento populacional e taxas de fecundidade acima do nível de reposição.
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Índice Global da Fome, crescimento populacional e desperdício de alimentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU