16 Outubro 2019
O Sínodo dos Bispos para a região amazônica, que está sendo realizado no Vaticano de 6 a 27 de outubro, começou bem antes de sua abertura oficial, com um dos períodos de preparação mais exaustivos, inclusivos e transparentes já realizados nos 50 anos de história dos sínodos católicos.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada em National Catholic Reporter, 15-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os organizadores, na Secretaria do Sínodo no Vaticano e na região amazônica, trabalharam por 18 meses, consultando centenas de comunidades em nove países da América do Sul, enquanto organizavam cerca de 300 assembleias locais, nacionais e regionais.
Os resultados dessas consultas – incluindo a controversa recomendação de permitir padres casados de acordo com as regiões – acabaram sendo condensados e tornados públicos na forma do documento de trabalho inicial do Sínodo, conhecido como Instrumentum laboris.
Mas, quando os trabalhos de abertura do Sínodo terminaram na manhã de 7 de outubro, essa prática de transparência efetivamente cessou. Não houve nenhuma transmissão ao vivo das discussões dos bispos, nenhuma divulgação oficial dos seus textos e, até o momento, nenhuma publicação do trabalho dos pequenos grupos de trabalho do Sínodo.
Em vez disso, a Sala de Imprensa vaticana vem produzindo resumos bastante breves e secos das principais questões discutidas na Sala do Sínodo a cada dia e organizando briefings diários em que os membros da imprensa podem tentar obter mais informações com dois ou três participantes do Sínodo que são disponibilizados.
As autoridades vaticanas dizem que o sigilo do processo sinodal é necessário para garantir que os 184 bispos e padres e um irmão religioso que participam como membros votantes possam falar livremente e promovam um verdadeiro discernimento sobre as necessidades da Igreja na Amazônia hoje.
Vários teólogos e antigos observadores do Sínodo dos Bispos, criado pelo Papa Paulo VI em 1965, quando o Concílio Vaticano II estava terminando, evocaram uma tensão entre o desejo de transparência no processo sinodal e a necessidade de que as lideranças da Igreja tenham tempo para verdadeiramente discernir.
O padre jesuíta Thomas Reese, que relatou a maioria das reuniões do sínodo realizadas desde 1985, disse simplesmente: “Há muito menos coisas sendo divulgadas agora do que no passado”.
“Nós recebemos esses resumos e não temos nenhuma ideia de quem se pronunciou ou de até que ponto são representativos”, disse Reese, ex-analista do NCR que agora escreve para o Religion News Service.
Ele apontou para o exemplo do resumo do dia 14 de outubro, que dizia que uma pessoa na Sala do Sínodo havia defendido que a Igreja mantenha sua prática atual do celibato obrigatório para os padres, ao invés de permitir padres casados com base na região, o que é frequentemente referido com o termo latino viri probati.
“Não sabemos de quem se trata”, disse Reese. “Não sabemos o quão representativo ele é, quantas pessoas estão dizendo isso, em oposição a quantas pessoas estão falando em favor dos viri probati.”
A Ir. Janice Farnham, professora aposentada de História da Igreja na Escola de Teologia e Ministério do Boston College, observou que o Papa Francisco mencionou frequentemente que o sínodo não é um órgão deliberativo. Ele é uma comunidade consultiva envolvida em um processo de discernimento, disse ela, e os bispos fazem recomendações ao pontífice para a sua consideração e possível tomada de decisão.
“O que Francisco tem feito com cada sínodo sucessivo (...) é deixar claro que é preciso haver mais vozes, mais experiências, mais diversidade – para ajudar os bispos presentes a escutar, discernir e fazer recomendações”, disse Farnham, membro das Religiosas de Jesus e Maria.
A decisão do Vaticano de não divulgar os textos dos discursos dos bispos pode não ser o que os jornalistas preferem, disse ela, “mas, em certo sentido, isso mantém a abertura e o amplo espaço necessário para que todas as opiniões, visões e sentimentos sejam ouvidos”.
Amanda Osheim, teóloga do Loras College, em Iowa, levantou argumentos semelhantes. “Embora o Sínodo dos Bispos não deva ser separado da Igreja mais ampla, qualquer grupo envolvido em um discernimento compartilhado precisa desenvolver confiança entre seus membros”, disse ela.
O Sínodo da Amazônia é o quarto convocado por Francisco, que também promoveu sínodos em 2014, 2015 e 2018. A prática vaticana de divulgar oficialmente os textos do Sínodo dos Bispos parou no sínodo de 2014, embora os prelados possam decidir distribuir os documentos por conta própria, se desejarem.
No entanto, em seu discurso de abertura do Sínodo da Amazônia no dia 7 de outubro, Francisco alertou os bispos de que o encontro poderia “se arruinar” se os participantes dessem muita informação à imprensa. O pontífice disse que o vazamento de informações pode levar a encontros diferentes realizados dentro e fora da Sala oficial do Sínodo.
O Sínodo interno, disse o papa, “segue o caminho da Mãe Igreja”, enquanto o Sínodo externo envolve “informações dadas com superficialidade, com imprudência, levando os jornalistas a equívocos”.
Os teólogos afirmaram que uma razão pela qual o Vaticano não distribui os textos dos bispos é que, sob a liderança de Francisco, os prelados estão sendo encorajados a falar mais abertamente.
Quando, nos papados passados, o sínodo era conhecido por ser um conversatório com pouco debate de verdade – dizia-se que João Paulo II lia o seu breviário para passar o tempo –, Francisco disse aos bispos que falassem com parrhesia, usando um termo grego que significa falar com franqueza e sem medo.
Massimo Faggioli, teólogo da Villanova University, observou que os sínodos recentes envolveram uma espécie de novo desdobramento: grupos externos que realizam eventos em Roma antes ou durante o encontro para tentar influenciar as discussões dos bispos.
Um evento no dia 5 de outubro, organizado por grupos conservadores, por exemplo, incluiu advertências apocalípticas de que o Sínodo resultaria no “desmantelamento” da Igreja global inteira.
“Agora é visível o desenvolvimento daquele que poderíamos chamar de ‘espaço peri-sinodal’ – um espaço logo fora do Sínodo, onde todas as vozes, influências, presenças têm um efeito sobre o Sínodo, muito mais do que antes”, afirmou Faggioli, que concentrou sua pesquisa na Igreja nas décadas desde o Concílio Vaticano II.
“Isso acontece porque o Sínodo não é mais roteirizado, mas quer ser um espaço e um momento reais para discernir e tomar decisões”, disse.
“A transparência total é uma quando o Sínodo é roteirizado, mas é outra quando não há roteiro”, disse Faggioli. “Em outras palavras, é uma maneira de defender o Sínodo do perigo de outros ‘roteiros’ interferirem e limitarem a liberdade do Sínodo.”
Reese, um cientista político que escreveu seu primeiro livro sobre a política tributária estadunidense, comparou a questão da transparência do Sínodo a discussões semelhantes sobre o funcionamento do Congresso dos EUA. Ele mencionou que os comitês de redação de impostos costumavam se reunir a portas fechadas.
“Às vezes, as pessoas podiam votar contra seus distritos, porque ninguém sabia como votavam ou podiam, na verdade, votar pelo bem comum”, disse Reese. “Se fossem públicos, elas seriam crucificadas por interesses especiais se votassem do modo errado.”
“Quando se envolve a Igreja, eu acho que deve haver uma oportunidade para que os bispos tenham intercâmbios livres, para que possam discutir e mudar de ideia”, disse. “Por outro lado, o que eles estão fazendo afeta toda a Igreja. E, assim, todo o povo de Deus deveria estar envolvido.”
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Sigilo em torno do Sínodo da Amazônia mostra tensão entre transparência e discernimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU