14 Outubro 2019
A sua figura sempre colocou todos de acordo: pobres e ricos, políticos de diversos partidos, fiéis de diferentes confissões. No domingo, 13 de outubro, a Igreja proclamará santa a freira brasileira Dulce Lopes Pontes, para todos “Irmã Dulce”, cuja fama de santidade cruzou as fronteiras nacionais até ser definida como a “Madre Teresa brasileira”.
A reportagem é publicada por La Stampa, 11-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Maria Rita Lopes Pontes de Sousa Brito, a religiosa da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus (1914-1992), candidata ao Prêmio Nobel da Paz de 1980, é figura de referência para a Igreja sul-americana e ícone também para as correntes patrióticas que louvam a sua contribuição oferecida ao país, sobretudo a construção de uma enorme obra de assistência médica em favor das camadas sociais mais frágeis, hoje regulada pelas leis federais.
Papas e presidentes sempre demonstraram grande devoção à sua figura, e o processo que a levou às honras dos altares foi um dos três mais rápidos da história, como lembra o postulador, Paolo Vilotta, que falou na Sala de Imprensa vaticana junto com a sobrinha da religiosa, Maria Rita Lopes Pontes, responsável pela continuidade da obra, em um meeting point de apresentação da canonização da Irmã Dulce e de outros quatro bem-aventurados (incluindo o cardeal John Henry Newman) que o Papa Francisco celebrará na Praça de São Pedro neste domingo, 13.
Justamente sobre a cerimônia de canonização, criou-se agora um pequeno caso. O motivo é a presença ou, melhor, a ausência do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, nas cerimônias: além da de Roma, também a liturgia que será realizada no dia 20 de outubro, em Salvador da Bahia, lugar onde a santa nasceu, viveu e morreu, no estádio Fonte Nova, uma das sedes da Copa do Mundo de 2014.
Bolsonaro havia anunciado inicialmente a sua participação, para depois cancelá-la por “problemas de agenda”. Uma nota divulgada nos últimos dias pela assessoria de imprensa da Presidência da República em Brasília informava que o chefe de Estado precisava fazer “ajustes na agenda” em vista da sua viagem ao Japão que o impediriam de estar presente nas celebrações na Bahia. Em seu lugar, estará o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que estará acompanhado em Roma por senadores, deputados e magistrados.
“Não se sabe por que ele mudou de ideia no último momento”, explica Maria Rita Lopes Pontes, “inicialmente estava certo que ele estaria conosco, ele também havia garantido isso ao nosso arcebispo (Murilo Krieger). Ele estava contente (...) agora estará o seu vice nestes dias tão intensos.”
A questão vem enchendo há dias as páginas da imprensa brasileira, como relatam alguns colegas ao Vatican Insider, e abundam as leituras sobre essa decisão inédita. De fato, nunca na história do Brasil um presidente havia abandonado a missa de canonização de um santo próprio. E, no país que registra a maior presença de católicos, o chefe de Estado sempre participou de eventos (mesmo que menores) organizados pela Igreja.
Muitos leram nessa ausência os atritos que o presidente, soberanista ultraconservador, aliado e interlocutor na América do Sul de Donald Trump, mostrou imediatamente com o episcopado brasileiro e especialmente com o Papa Francisco. Especialmente após a convocação do Sínodo sobre a Amazônia, o “pulmão verde” do mundo que se estende sobre o território de nove Estados e que, somente no Brasil, ocupa cerca de seis milhões de quilômetros quadrados.
Em relação à Amazônia e especialmente aos povos indígenas que lá habitam, Bolsonaro nunca expressou um bom trânsito; ao contrário, várias vezes ele se deixou levar publicamente por piadas sobre os nativos e, entre as suas primeiras medidas governamentais, retirou deles a gestão das fronteiras dos seus territórios, para confiá-la ao lobby dos proprietários agrícolas.
Deve-se lembrar também que o líder do Partido Social-Liberal, falando na Assembleia Geral das Nações Unidas, havia “classificado” o Sínodo vaticano como uma questão que ameaça a soberania do país e anunciou que aqueles que participariam seriam submetidos a investigações por parte da Agência Brasileira de Inteligência.
Provavelmente, a sua presença na Praça de São Pedro criaria um certo embaraço, justamente enquanto o Sínodo se encontra no meio dos seus trabalhos. Assim como, de acordo com a mídia local, o presidente se encontraria em dificuldades ao “justificar” a plena participação em um evento católico para aquela grande porção de pentecostais que representa a maior fatia do seu eleitorado.
Para os fiéis brasileiros, embora o caso seja central nas crônicas midiáticas, a ausência de Bolsonaro na canonização da Irmã Dulce continua sendo uma questão secundária. É forte demais a emoção de ver essa freira se tornar tão santa, ela que tanto fez pelos deserdados do seu país.
Basta pensar no Hospital Santo Antônio, uma das várias Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), inaugurada oficialmente em maio de 1959 com 150 leitos e que recebe atualmente cerca de 3.000 pacientes por dia.
“É um evento que esperávamos há anos e, felizmente, não esperamos tanto”, diz a sobrinha. “O Brasil vive essa canonização com grande alegria e gratidão, porque todos conheciam a ‘Madre Dulce dos pobres’ como uma santa. Muitos receberam uma ajuda dela ou graças à sua obra.” Os pobres, em primeiro lugar, depois as coirmãs e todos os voluntários que trabalharam ao lado dela, mas também políticos, funcionários do Estado, artistas. Assim como o famoso escritor Paulo Coelho, por exemplo, que recentemente afirmou a um jornal que “a Madre Dulce fez a diferença na minha vida” e doou mais de um milhão de reais à fundação das obras de beneficência.
“A devoção a essa primeira santa brasileira da era moderna nasceu ainda quando ela estava viva”, explica o postulador, Vilotta. “Temos muita documentação a esse respeito. Não esqueçamos que João Paulo II também quis ir se encontrar com ela em seu leito de morte, em 1991, por ocasião de uma viagem dele. Realmente, pode-se dizer que, no Brasil, até as areias conhecem a Irmã Dulce.”
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Santa Irmã Dulce, a “Madre Teresa brasileira”. Bolsonaro ausente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU