19 Setembro 2019
Filósofo. Antropólogo. Psicólogo. Psicanalista. Sociólogo. Do professor Umberto Galimberti, você esperaria uma eloquência iniciática à altura das matérias que ele ensinou, reunidas nas 1.637 páginas do Novo Dicionário de psicologia, psiquiatria, psicanálise e neurociência (Feltrinelli), a cuja preparação dedicou 15 anos. Em vez disso, ele ainda fala como "o número 8" - assim ele se define - dos 10 filhos de Ernesto, um militante da resistência, vendedor de chocolate Theobroma que de repente se tornou funcionário bancário, que em algumas salas abriu em Biassono a primeira agência de Crédito pessoal e morreu de câncer no dia da inauguração. “Quando criança, eu ia ao escritório para ajudá-lo: ele me mandava carimbar os cheques. Eu tinha 14 anos quando ele morreu. Eu sonhava em me tornar médico. Mas duas bolsas de estudo abriram as portas da Filosofia na Universidade Católica de Milão. Lá encontrei meus mestres: Gustavo Bontadini, Sofia Vanni Righi e Emanuele Severino, com quem me formei. Também estavam por lá Gianfranco Miglio e Francesco Alberoni. Depois, trabalhei por três anos no hospital psiquiátrico de Novara, onde conheci o chefe Eugenio Borgna. Fui eu quem o obrigou a escrever, antes ninguém o conhecia. Ainda mantenho contato, com Severino e Borgna. Somos grandes amigos. Eu nunca entendi o parricídio.
A entrevista é de Stefano Lorenzetto, publicada por Corriere della Sera, 15-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sorte ter pais assim.
Acrescente Karl Jaspers, que frequentei em Basileia e que me iniciou na psicopatologia. E Mario Trevi, com quem eu segui o caminho psicanalítico. Hoje a análise não é mais possível. O último que acompanhei por cinco anos foi o diretor Luca Ronconi. Mas apenas porque ali havia um homem. Capaz de refletir, intrigado com sua vida.
No entanto, aqui em seu gabinete, vejo que ainda está o divã do psicanalista.
Eu nunca parei de atender. As pessoas me pedem para resolver seus problemas. Em vez disso, a psicanálise é o conhecimento de si mesmo: saber quem você é é melhor do que viver sem o conhecimento. Quanto à dor, você não pode apagá-la com os fármacos.
Qual é a angústia mais frequente?
Aquela provocada pelo niilismo. Os jovens não estão bem, mas não entendem nem mesmo o porquê. Falta-lhes objetivo. Para eles, o futuro de promessa se tornou uma ameaça. Eles bebem muito, usam drogas, vivem à noite e não durante o dia, para não saborear sua insignificância social. Ninguém os convoca. Incapazes de fazer qualquer coisa, gastam a riqueza acumulada pelos pais e avós.
Os pais também estão sofrendo?
E como. Sem que o saibam, não são mais autores de suas ações. Na era da técnica, se tornaram funcionários de aparelhos. São medidos apenas pelo grau de eficiência e produtividade. Em 1979, quando comecei a atuar como psicanalista, os problemas eram de fundo emocional, sentimental e sexual. Agora dizem respeito ao vazio de sentido.
A minha é a primeira geração que entrega a seus filhos um futuro muito pior do que o que nos foi deixado em herança pelos nossos pais, que muitas vezes não tinham nada.
Até 37 anos ensinei história e filosofia nas escolas secundárias. Eu ganhava 110.000 liras por mês. Um apartamento custava 75.000 por metro quadrado. Em nossa família todos estudamos. Minhas cinco irmãs frequentavam a universidade e, enquanto isso, trabalhavam como ajudantes nas casas. Hoje eu tenho que ajudar minha única filha, que tem três filhos.
O que acontecerá com os filhos de nossos filhos?
Não consigo ver o futuro deles. O amanhã não é mais previsível. A técnica sujeitou o mundo. Confunde o desenvolvimento com o progresso. É regulada por uma racionalidade muito rigorosa, atinge o máximo de objetivos com o mínimo de meios e coloca o homem fora da história. Mas o amor não é racionalidade, nem mesmo o são a dor, a fé, o sonho ou a ideação.
O destino dos jovens deveria estar no topo da agenda do governo?
Claro. Mas a política não é mais o lugar da decisão. Delegou as escolhas à economia e a economia à técnica. A ideia do bem comum que existia nos anos 1950 acabou. Apenas aquela da poltrona permanece. Não há dúvida de que os 5 Estrelas estão no governo apenas para não voltar a ficar desempregados e a Liga Norte queria votar para ter uma maioria absoluta e instaurar o soberanismo a soldo de Vladimir Putin.
Talvez desapareçam os netos: apenas o Japão procria menos que a Itália.
Culpa do hedonismo desenfreado: as crianças o impedem. Somos o povo mais fraco da terra. Para comer, abrimos a geladeira em vez de suar nos campos. Nós nos defendemos do resto do mundo com o colonialismo econômico, que substituiu o territorial. O império romano caiu assim, entre bordéis e espetáculos de circo. Ninguém mais trabalhava. Tiveram que importar os bárbaros para fazer as guerras e as obras hidráulicas. Antes eu pensava que as civilizações acabavam devido a causas econômicas. Agora, ao contrário, tenho certeza de que morrem por causa da decadência dos costumes.
Parece-me que os italianos trabalham.
Falei na Confartigianato de Vicenza. Os pais se queixavam de que seus filhos não querem ouvir falar de continuar com suas empresas. Evidente, quando completam 18 anos, ganham de presente um Porsche! Você já se perguntou por que, dos 5 milhões de imigrantes, 500.000 sejam empreendedores? Vejo nos africanos um poder biológico que nós perdemos.
Este tempo de paz é marcado por tumultos de rua, brigas nos estádios, agressividade. A guerra seria um grande evento regulador?
Sempre foi. No século XIX, houve três guerras de independência, no século XX, duas guerras mundiais. Agora estamos na terceira geração que não conheceu esse mal absoluto. Mas não há dúvida de que períodos prolongados de paz levam a uma lassidão nos comportamentos. Os sofrimentos psicológicos suplantaram os sofrimentos físicos, como a fome e as doenças. Quantas pessoas existem por aí que reclamam sem um porquê? Muitas vezes sou obrigado a dizer aos meus pacientes: mas desculpe-me, esses seriam problemas na sua opinião?
Você tem alguma sugestão para sair disso?
Um ritual iniciático que interrompa a eterna adolescência: aos 18 anos serviço civil por 12 meses, mas a 1.000 km de casa. Os filhos devem ser separados dos pais e mães. E tirar das escolas os pais, que estão mais interessados na aprovação do que na formação. Tullio De Mauro, em 1976, calculou que um aluno de segundo grau conhecia 1.600 vocábulos. Hoje são 600. O mais vulgar, "c ...", é usado para dizer tudo. A Itália é a última na compreensão de um texto, certifica a OCDE. Mas você não pode ter mais pensamentos do que as palavras que possui, ensinava Martin Heidegger.
São as doenças do bem-estar.
O dinheiro se tornou o único gerador simbólico de valores. Não sabemos mais o que é belo, verdadeiro, justo, santo. Pensamos apenas no que é útil. Vi uma garota subir no trem Milão-Veneza com uma harpa. Um distinto senhor começou a fazer perguntas. No final, ele a congelou: "Com licença, senhorita, mas qual é o seu negócio?"
É por isso que construímos apenas "cristogrill" em vez de catedrais?
O padre David Maria Turoldo celebrou o meu casamento. Ele afirmava que as igrejas hoje são reduzidas a uma garagem onde Deus está estacionado. Mas para acreditar, as pessoas precisam da liturgia, do canto, do órgão, do incenso. Eu disse isso também ao Papa Francisco. E acrescentei: Santidade, o senhor colocou as pessoas na frente dos princípios, porém tem apenas um pulmão, trabalha como um louco, está cheio de inimigos; tenha cuidado para não morrer, caso contrário eles elegerão alguém que vai recolocar os princípios na frente das pessoas. Ele riu e me abraçou, sussurrando: ‘Lembre-se de que Deus salva as pessoas, não os princípios’.
O cardeal Gianfranco Ravasi, seu colega de ensino médio, o converteu?
Não, eu continuo grego. Eu nem estou entre os leigos, que são crentes de outra maneira. Para mim a morte continua sendo um assunto sério, enquanto os cristãos pensam que depois exista a vida eterna.
No entanto, escreveu um ensaio sobre o cristianismo.
Tornou-se a religião do céu vazio, perdeu completamente o sentido do sagrado, e isso me causa muita raiva. A dimensão religiosa é essencial no homem. Por que negar que a fé oferece conforto a tantas pessoas?
Você sofreu pelas acusações de plágio que lhe moveram no passado?
Copiei apenas de mim mesmo, nunca dos outros. Fazendo a avaliação de um livro nos jornais, algumas vezes inseria duas linhas do autor que me pareciam eficazes, sem usar as aspas, também porque não as reproduzia na íntegra. Quando esses artigos foram reunidos em um volume, coloquei as aspas apenas nos casos em que conseguia encontrar a citação: um erro meu, mas que nunca havia sido contestado enquanto as matérias apareciam nos jornais. Montar sobre esses elementos uma campanha difamatória, ainda hoje não me parece uma operação inocente, como aliás documenta uma tese de graduação sobre o meu caso discutida em 2018 na Universidade de Insubria.
No que você espera?
Em nada. A esperança é uma virtude cristã.
Estava melhor quando estava pior?
Não, quando jovem, corria o risco de saltar as refeições. Mas hoje a técnica tem como única finalidade o seu próprio aprimoramento e viaja a uma velocidade que a psique simplesmente não consegue acompanhar. É lenta, a psique.
Qual é o sentido da existência? Se houver.
Tenho que procurá-lo na ética do limite, naquela que os gregos chamavam de justa medida.
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O psicanalista analisa o "vazio de sentido". "A técnica domina, a política não decide, os jovens consomem e ponto". Entrevista com Umberto Galimberti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU