16 Setembro 2019
O Papa Francisco diz que não tem medo de um cisma, mas Massimo Faggioli acha que a perspectiva de uma ruptura é muito real.
A reportagem é de Céline Hoyeau, publicada por La Croix International, 13-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para o historiador Massimo Faggioli, professor de Estudos Religiosos na Villanova University, nos Estados Unidos, e colunista regular do La Croix International, a Igreja Católica dos Estados Unidos já está em uma situação “paracismática”.
O risco de cisma nos Estados Unidos é real, na sua opinião?
Não. Se considerarmos isso no sentido canônico da Idade Média, o da criação de uma Igreja paralela, que seria liderada por um antipapa estadunidense, eu acho que não. Mas a história conheceu cismas de diferentes tipos, e parece-me que o risco está no fato de que, na realidade, a Igreja Católica nos Estados Unidos está profundamente dividida, e a comunhão interna já está fraturada. Os Estados Unidos, de certa forma, já estão em uma situação paracismática. Todo católico estadunidense sabe que, dentro da mesma diocese, ele encontrará paróquias muito diferentes, com práticas e homilias muito diferentes. Sempre foi assim, mas isso se tornou mais forte com Francisco, porque ele provocou fortes reações.
Intelectuais e personalidades do mundo das finanças e da mídia minam abertamente a legitimidade dele. Assim, além do único caso específico do cardeal [Raymond] Burke, que é um cardeal da Cúria, os bispos dos Estados Unidos, como recentemente o de Tyler, no Texas, estão assumindo posições públicas nas quais afirmam que o papa está completamente errado sobre vários problemas. Há um ano, mais de 20 deles apoiaram o ex-núncio em Washington, Dom Carlo Maria Viganò, quando ele pediu a renúncia do papa, alegando que ele era cúmplice de criminosos.
Mas criticar o papa é um gesto cismático?
O problema não é a crítica, que é legítima e deve ter o seu lugar na Igreja. Depois do Concílio Vaticano II, muitos católicos criticaram fortemente as posições de Paulo VI sobre as mulheres, conforme expressadas na encíclica Humanae vitae. Mas eles nunca o acusaram de ser herege ou questionaram a legitimidade dele como papa ou a legitimidade do conclave. O que é novo, no entanto, é que alguns círculos nos Estados Unidos estão agora acusando abertamente esse papa de estar à beira da heresia, senão até além.
Desde o início do pontificado de Francisco em 2013, as críticas têm sido expressadas não baseadas em várias opiniões, mas em nome da ortodoxia. É isso que torna essa situação diferente. Os bispos estadunidenses acreditam abertamente que Francisco traiu a tradição da Igreja sobre a sexualidade e a família em particular, uma crítica que tem sido estendida ao diálogo inter-religioso, à liturgia e ao cuidado da criação nos últimos três anos.
Isso começou no duplo Sínodo da Família em 2014-2015?
Abertamente, sim. Mas, ainda em meados de 2013, até mesmo antes do anúncio do Sínodo, já circulava em alguns círculos estadunidenses a ideia de que Francisco não era suficientemente ortodoxo e poderia até ser um herege, porque ele havia começado a falar dos pobres, da misericórdia.
João Paulo II e Bento XVI também falaram dos pobres e da misericórdia…
Sim, mas é totalmente diferente, porque quem está falando dos pobres agora vem da Igreja dos Pobres da América Latina. Na mentalidade de alguns católicos dos Estados Unidos, foi um choque que um jesuíta latino-americano pudesse ser papa – e ainda é, por um lado, porque, nos Estados Unidos, há um certo antijesuitismo e, por outro lado, porque, aos olhos de Francisco, os Estados Unidos não são o centro do mundo, mas sim um país como outro qualquer.
Basicamente, mesmo quando Francisco cita as palavras exatas de João Paulo II ou de Bento XVI, a partir do momento em que elas saem da sua boca, isso é imediatamente percebido como proveniente de um papa perigoso, que tem uma ideia pouco ortodoxa do catolicismo. Para nós, europeus, esse papa é um pouco diferente dos outros. Para alguns católicos dos Estados Unidos, ele é o oposto dos seus antecessores. As primeiras reações escritas a esse papa em 2013 se referiram a ele em termos muito negativos, até mesmo antes das suas primeiras decisões importantes! E, ao longo dos anos, isso se tornou ainda mais pronunciado.
Uma das razões dessa oposição pode advir do fato de que é a primeira vez na história que um papa emérito mora perto do papa e que não foi possível “viver o luto” de Bento XVI?
Exatamente. O fato de ele ter renunciado é um elemento crucial para entender o que está acontecendo nos Estados Unidos. O conclave que elege o novo papa geralmente segue-se ao funeral do anterior em alguns dias. Psicologicamente, era uma forma de “matar o pai”, de certa maneira. Mas, em 2013, isso não pôde acontecer. Bento XVI renunciou ao seu cargo, mas ainda está lá. Não é possível viver o seu “luto”. Mas ele ainda é muito popular em muitos círculos nos Estados Unidos. Para eles, Bento XVI, em certo sentido, continua sendo o papa, porque o seu sucessor é diferente demais.
Podemos falar de divisões entre “rigoristas” e “reformistas”?
Sim. As questões da família, casamento e LGBT desempenham um papel central entre uma Igreja do Vaticano II que deseja ser capaz de dialogar com o mundo e uma Igreja que decidiu que esse diálogo é impossível, que a destruirá e a dissolverá no mundo moderno.
O papa está sendo excessivamente dramático quando fala de um cisma?
Acho que não. Ele está apenas pondo em palavras aquilo que já existe. O livro de Nicolas Senèze – "How America Wants to Change the Pope” [Como a América quer mudar o papa, em tradução live] (Ed. Bayard) – documentou a situação, não a criou. O papa está simplesmente demandando responsabilidade: não apenas entre os bispos, mas também de todos aqueles que têm poder na Igreja – intelectuais, financiadores, jornalistas etc. Francisco não quer impedir, mas sim reverter um processo que começou há vários anos. Eu tenho viajado para muitos países, mas não vi outra Igreja tão dividida [quanto a dos EUA].
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Comunhão na Igreja dos EUA ''já está fraturada''. Entrevista com Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU