13 Setembro 2019
A imagem do cisma na Igreja emergiu repentinamente nas palavras do Papa Francisco por ocasião do encontro com jornalistas na viagem de ida e volta à África (Moçambique, Madagascar, Ilhas Maurício; 4-7 de setembro de 2019). Tudo nasceu a partir de um livro que o autor, Nicolas Senèze, correspondente do Vaticano do La Croix, Como os EUA querem mudar o Papa, ofereceu como presente ao Papa na viagem de ida.
O comentário é de Gabriele Passerini, publicado por Settimana News, 11-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O papa comentou: "Para mim, é uma honra que os estadunidenses me ataquem", aludindo a algumas franjas da direita católica norte-americana que o livro evoca: dos Cavaleiros de Colombo a Steve Bannon, da rede de televisão da EWTN a Timothy Busch, do grupo de empresários Legatus ao centro "Ethics and Public Policy" de George Weigel. No retorno, a uma pergunta específica de Jason Drew Horowitz (The New York Times), expressou em termos mais suaves a sua posição sobre um possível perigo de cisão.
Embora seja um episódio limitado dentro de uma viagem que teve bem outros focos e objetivos (nas Ilhas Maurício, Moçambique e Madagascar), é útil ressaltar as tendências que sinaliza:
* do silêncio à palavra. Até o momento, o Papa falou das críticas dirigidas a ele como episódios que não tiram seu sono, a serem discernidos com atenção, que devem ser entendidos em suas intenções. É a primeira vez que ele responde diretamente a uma das vertentes críticas mais organizadas e cautelosas;
* da heresia ao cisma. A acusação de heresia contra o Papa é de várias formas reevocada nas cartas críticas que ilustres eclesiásticos e "professores" vários dirigiram a ele. Com maior precisão, o Papa Francisco fala de um perigo não sobre a doutrina, mas sobre a disciplina na Igreja, precisamente o cisma;
* dos eclesiásticos aos laicos. O descontentamento com seu ministério e magistério (da migração à denúncia do sistema econômico, das indicações pastorais sobre a família à defesa dos pobres) era principalmente liderado por eclesiásticos: de Burke a Brandmüller, de Viganò a Ejik. Agora, surgem alguns laicos estadunidenses, fortemente expostos no apoio a Trump;
* das aquisições aos processos. Se o efeito esperado pela oposição tradicionalista norte-americana era de romper o consenso eclesial ao papa, o perigo real poderia ser de impor uma desaceleração nas reformas em vista dos próximos eventos, como o Sínodo sobre a Amazônia. O Papa está lucidamente ciente disso;
* de Viganò ao novo conclave. As variadas acusações de Mons. Carlo Maria Viganò faziam pensar a uma pretensão de provocar as demissões do Papa. Hoje, a intenção parece mais a de condicionar o novo conclave que elegerá o sucessor, quando isso acontecer.
Aqui estão as palavras da resposta do papa ao medo de um cisma (do Sismografo-blog): "Antes de tudo, as críticas sempre ajudam, sempre. Quando alguém recebe uma crítica, imediatamente deve fazer uma autocrítica e dizer: isso é verdade ou não? Até que ponto? E eu sempre tiro vantagem das críticas. Às vezes eles te deixam com raiva ... Mas as vantagens existem. Na viagem de ida para Maputo, um de vocês me deu esse livro em francês sobre como os americanos querem mudar o papa. Eu tinha conhecimento sobre esse livro, mas não o tinha lido. As críticas não são apenas dos norte-americanos, estão por toda parte, mesmo na cúria. Pelo menos aqueles que as dizem têm a vantagem da honestidade de dizê-las.
Não gosto quando as críticas ficam por baixo dos panos: te fazem um sorriso mostrando os dentes e depois dão uma punhalada pelas costas. Isso não é leal, não é humano. A crítica é um elemento de construção e, se a tua crítica não for justa, fique preparado para receber a resposta, dialogar e chegar ao ponto justo. Essa é a dinâmica da crítica verdadeira. Em vez disso, a crítica das pílulas de arsênico, de que falamos a respeito nesse artigo que dei ao padre Rueda, é parecido como jogar a pedra e esconder a mão ... Isso não serve, não ajuda. Ajude aos pequenos grupinhos fechados, que não querem ouvir a resposta às críticas. Em vez disso, uma crítica leal – eu penso isso, isso e isso - está aberta à resposta, isso constrói, ajuda.
Diante do caso do papa: não gosto disso do papa, eu o crítico, falo, escrevo um artigo e peço que ele responda, isso é leal. Fazer uma crítica sem querer ouvir a resposta e sem fazer o diálogo não é gostar da Igreja, é perseguir uma ideia fixa, mudar o papa ou fazer um cisma. Isso é claro: sempre uma crítica leal é bem recebida, pelo menos por mim.
Segundo, o problema do cisma: na Igreja aconteceram muitos cismas. Após o Vaticano I, por exemplo, a última votação, aquela da infalibilidade, um bom grupo saiu e fundou os vétero-católicos para serem justamente "honestos" com a tradição da Igreja. Depois eles encontraram um desenvolvimento diferente e agora fazem as ordenações das mulheres. Mas naquele momento eles eram rígidos, iam atrás de uma ortodoxia e pensavam que o concílio tivesse cometido um erro. Outro grupo saiu em silêncio, mas não quiseram votar ... O Vaticano II teve entre as consequências essas coisas.
Talvez o afastamento pós-conciliar mais conhecido seja o de Lefebvre. Sempre há a opção cismática na Igreja, sempre. Mas é uma das opções que o Senhor deixa para a liberdade humana. Não tenho medo dos cismas, rezo para que não ocorram, porque está em jogo a saúde espiritual de tantas pessoas. Que exista diálogo, que haja a correção se houver algum erro, mas o caminho do cisma não é cristão. Vamos pensar no início da Igreja, como começou com tantos cismas, um após o outro: arianos, gnósticos, monofisitas ...
Eu gostaria de contar uma anedota: foi o povo de Deus que salvou dos cismas. Os cismáticos sempre têm uma coisa em comum: eles se separam do povo, da fé do povo de Deus. E quando no Concílio de Éfeso houve uma discussão sobre a divina maternidade de Maria, o povo - isso é histórico - ficava na entrada da catedral quando os bispos entravam para fazer o concílio. Estavam lá armados com paus. Eles os mostravam aos bispos e gritavam “Mãe de Deus! Mãe de Deus!”, como se dissessem: se vocês não fizerem isso, esperem por ... O povo de Deus sempre conserta e ajuda. Um cisma é sempre um afastamento elitista causado por uma ideologia separada da doutrina.
É uma ideologia, talvez justa, mas que entre na doutrina e a separa... Por isso, rezo para que não ocorram cismas, mas não tenho medo. Isso é um resultado do Vaticano II, não deste ou daquele outro Papa. Por exemplo, as coisas sociais que eu falo são as mesmas que João Paulo II disse, as mesmas! Eu o copio. Mas dizem: o papa é comunista ... As ideologias entram na doutrina e quando a doutrina desliza para as ideologias, ali existe a possibilidade de um cisma. Existe a ideologia da primazia de uma moral asséptica sobre a moral do povo de Deus. Os pastores devem conduzir o rebanho entre a graça e o pecado, porque essa é a moral evangélica.
Em vez disso, uma moral de uma ideologia tão pelagiana leva a rigidez, e hoje temos tantas escolas de rigidez dentro da Igreja, que não são cismas, mas formas cristãs pseudo-sismáticas, que terminarão mal. Quando vocês veem cristãos, bispos, sacerdotes rígidos, por trás existem problemas, não existe a santidade do Evangelho. Por isso, devemos ser suaves com as pessoas que são tentadas por esses ataques, elas estão passando por um problema, devemos acompanhá-las com mansidão”.
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Heresia e cisma: Papa Francisco e as palavras inquietas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU