05 Setembro 2019
“Eu não sou tão mau quanto me retratam.” E o ex-núncio Viganò é “um representante da extrema direita” que certamente não é um “mentiroso”, mas não diz toda a verdade. No fim, Theodore McCarrick rompeu o silêncio, o ex-cardeal arcebispo de Washington expulso do sacerdócio pelo Papa Francisco, que já havia revogado a sua púrpura, por mau comportamento sexual contra jovens e menores.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por La Stampa, 09-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Recluso desde setembro entre as quatro paredes do convento de St. Fidelis Friary, em Victoria, Kansas, nos EUA, também conhecida como a “Catedral da Planície”, destino para cerca de 16 mil turistas por ano, McCarrick, 89 anos, participa da vida cotidiana do convento: refeições, missas, orações noturnas e confissão semanal, longos períodos na capela ou na biblioteca. Em suma, esse ex-purpurado leva a vida de um monge, um grande viajante, considerado no passado como um dos prelados mais influentes de toda a América do Norte, que gozava de simpatias tanto na Casa Branca quanto nos altos escalões da Cúria Romana nos últimos três pontificados.
Naquele que, para ele, foi o annus horribilis, 2018, com as acusações públicas de abuso de menores e de jovens seminaristas, que primeiro levaram à suspensão de todos os cargos públicos, depois à revogação da púrpura que lhes havia sido dada por João Paulo II e, finalmente, em fevereiro de 2019, na demissão do estado clerical sem possibilidade de recurso, Theodore McCarrick nunca havia pronunciado uma palavra, nem uma réplica, uma entrevista, uma carta de desculpas ou em defesa de si mesmo. Apenas o silêncio nesse edifício a milhares de quilômetros de distância dos lugares onde os seus crimes teriam ocorrido.
No dia 14 de agosto passado, ele decidiu conversar – ainda que por poucos instantes – com a renomada escritora cristã estadunidense Ruth Graham, colaboradora da revista online Slate, que se encontrou com ele no convento de São Fidélis. Lá, Ruth passou alguns dias, dialogando também com outros sujeitos, como os cidadãos do local e os frades que vivem no complexo, incluindo o pároco da basílica e o ex-provincial dos capuchinhos.
O artigo [disponível aqui, em inglês] foi publicado no dia 3 de setembro e logo recebeu uma ampla repercussão na mídia estadunidense, onde o caso McCarrick está longe de terminar.
A jornalista relata a atmosfera pesada em torno da presença do ex-arcebispo de Washington em Victoria: “Uma pequena localidade de fiéis devotos que hospeda um símbolo internacional de monstruosidade institucional e individual”, escreve. “Muitos de seus residentes, aparentemente, não estão felizes com isso.”
Os capuchinhos, aos quais foi confiada a gestão da basílica, por sua vez, acolheram-no, assumindo isso como uma missão: como seguidores de São Francisco, conhecido por abraçar até os leprosos ou os párias, a prioridade deles é “ajudar as pessoas a corrigir as suas vidas, a mudar de vida, a se arrepender. Mesmo quando é difícil, os cristãos são chamados a mostrar misericórdia”, explica o ex-padre provincial Christopher Popravak. Além disso, para McCarrick, “tornou-se impossível ser transferido, porque ninguém o quer”.
Trata-se de um escândalo grande demais ao redor do ex-arcebispo que permanecerá em São Fidélis, onde ele está sob a condição de não deixar o convento sequer para entrar na basílica adjacente. No entanto, ele mesmo, falando rapidamente sobre o seu caso com Ruth antes do almoço, parece quase se declarar inocente. “Eu não sou tão mau quanto me retratam. Eu acredito que não fiz as coisas de que me acusaram”, diz.
Em particular, McCarrick comenta as acusações de James Grein, um homem da Virgínia que afirma ter sido molestado no confessionário pelo ex-cardeal. Em agosto, Grein processou a Arquidiocese de Nova York com base em uma nova lei que estende os prazos com base nos quais os menores vítimas de assédio sexual podem recorrer ao judiciário.
“A história da confissão é uma coisa horrível. Eu fui padre por 60 anos e nunca faria algo assim... Era horrível, tomar o Santo Sacramento e fazer algo pecaminoso”, diz McCarrick.
E ele também ressalta que todos aqueles seminaristas que relatam ter sido abusados nos fins de semana na famigerada casa de praia de Nova Jersey, na verdade, “foram encorajados” a desenvolver essas histórias e a temperá-las com detalhes.
Encorajados por quem? Pelos “inimigos”, responde McCarrick, sem identificar melhor os sujeitos, que começaram uma verdadeira “campanha” contra ele. “Havia muitos que estavam nessa situação e que nunca tiveram quaisquer problemas desse tipo”, afirma.
Durante essa espécie de entrevista, o ex-cardeal finalmente menciona as declarações do arcebispo Carlo Maria Viganò, núncio apostólico emérito nos EUA, contidas no seu memorial divulgado no ano passado. No documento, o prelado afirmava que a má conduta sexual do então cardeal da capital federal dos EUA era conhecida dentro dos muros vaticanos e que havia dossiês inteiros a esse respeito, a ponto de obrigar Bento XVI a impor sanções contra ele.
McCarrick liquida as declarações de Viganò em poucas palavras: Viganò “falava como representante da extrema direita”, diz ele. “Eu não quero dizer que ele é um mentiroso, mas acho que alguns bispos disseram que ele não estava dizendo a verdade.”
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McCarrick rompe o silêncio: ''Eu não sou tão mau quanto me retratam'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU