04 Setembro 2019
- O desmatamento global transforma todo ano em fumaça - ou poeira - um valor igual a cinco trilhões de dólares, pouco mais que o PIB japonês e vinte vezes o faturamento da Amazon.
A reportagem é de Federico Del Prete, publicada por Business Insider Italia, 02-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
- Apesar do desaparecimento nos últimos cinquenta anos na Amazônia de uma área do tamanho da Turquia, apenas hoje a política e a opinião pública parecem se mobilizar para tentar reparar os danos.
- Segundo os cientistas, para o Brasil o ponto de não retorno é a destruição de 20%. Além desse limiar, o equilíbrio biológico entra em colapso e a floresta restante se transforma em uma savana estéril. Até o momento, 17% foram cortados.
Aconteceu: o mundo finalmente percebeu, além dos restritos círculos ambientalistas, que está perdendo as florestas, um dos bens fundamentais da humanidade. Realmente perdendo, não é uma suposição. O ano de 2019 não começou bem. Já em abril, o mundo assistiu impotente à destruição da forêt (a "floresta"), ou seja, o telhado da catedral de Nôtre-Dame em Paris. A estrutura particular, construída inteiramente com cerca de mil e trezentos carvalhos datados inclusive do século IX, já com três séculos na época da construção, rapidamente se transformou em fumaça devido à negligência.
Uma metáfora concreta tanto do desmatamento sofrido pela Europa durante a Idade Média, quando a madeira se tornou rara devido ao espaço liberado em favor das culturas, como do risco de destruição que estão correndo as florestas sobreviventes do planeta, principalmente em chamas, como aconteceu com o telhado do sublime monumento parisiense.
Antes que os recentes incêndios acelerassem a já avançada destruição da floresta amazônica, somando-se à tragédia siberiana, no início de agosto The Economist havia disparado mais um alarme, com um número intitulado Vigília fúnebre para a Amazônia: "Mesmo que o seu berço tenha sido uma savana escassamente arborizada", escreve The Economist, "o gênero humano sempre buscou as florestas em busca de comida, combustível, madeira e inspiração sublime". Hoje, a questão das florestas está na primeira página de todos os lugares.
Nos últimos dois séculos, a humanidade se livrou rapidamente da última e talvez mais importante dessas necessidades, favorecendo a satisfação das outras três. Na Comédia, Dante comparava sua própria crise - portanto a oportunidade de uma mudança radical - a uma selva escura, superando a qual finalmente voltaria a rever as estrelas, metáfora para uma mais elevada condição do ser, a ser estendida a toda a humanidade.
Da original silva dos romanos, a palavra floresta, usada a partir da Alta Idade Média, parece derivar de foris, que significa tanto fora como externo, outro, quanto ingresso, acesso a um mundo onde tudo é sagrado. Na antiguidade, a floresta era res nullius, ou seja, propriedade de ninguém, um espaço externo da comunidade, cheio de mistérios e lendas. Na Idade Média, tornou-se um bem comunitário: tanto para a caça dos nobres como recurso para as aldeias, além de refúgio para bandidos e desgarrados. Na idade contemporânea, grosseiramente emancipada de todo condicionamento espiritual, a floresta se torna um refúgio ou terra queimada. Em Walden, Thoreau descreve os dois anos passados sozinhos na floresta, para reencontrar o seu eu perdido em uma sociedade que satisfaz apenas o útil material.
Hoje fala-se mais de sua destruição, o desmatamento, do que daquilo que a floresta continua a representar e produzir. Sempre de acordo com The Economist, se a área desmatada nos trópicos constituísse uma nação, seria "a terceira por emissões de CO2, depois da China e dos Estados Unidos". Em menos de cinquenta anos, segundo a revista britânica, uma área do tamanho da Turquia foi desocupada das árvores na Amazônia. E isso não ocorreu apenas a Amazônia, como demonstra o caso da Sibéria e de outras florestas tropicais do sudeste asiático.
Por que se desmata? Para obter comida, combustível e madeira, como já sabemos: ainda que de maneira diferente das épocas precedentes à nossa. Depois, para explorar os recursos minerais, para dar lugar a estradas, construir barragens e coisas assim. Geralmente, se desobstrui o solo das árvores para cultivar outros vegetais como monocultura, como as palmas para o óleo ou a soja ou os animais de corte, como os bovinos. Desmatar é fácil: mesmo que no interior da Amazônia ainda se utilize amplamente a motosserra, existem tecnologias que automatizam a derrubada e o corte dos troncos de acordo com modalidades e tempos típicos da produção industrial.
Com as atuais máquinas automotrizes, usadas principalmente nas florestas do norte da Europa, abater, desfolhar e cortar uma árvore de vinte metros custa um minuto de trabalho para uma única pessoa. É bem mais difícil reflorestar, pelo menos para restabelecer a função de guardião da biodiversidade própria da floresta. As florestas primárias, aquelas que desaparecem nos incêndios e sob a ação das motosserras, absorvem muito mais monóxido de carbono do que as secundárias, ou seja, aquelas que são replantadas ou recuperadas. Além disso, uma vez excedida certo nível de destruição, a unidade biológica e estrutural das florestas começa a decair de forma ininterrupta. Em outras palavras, não sobra nem mesmo o que se queria talvez deixar.
Voltando à Amazônia, essa região da América do Sul é percebida como símbolo do patrimônio natural global residual: antes de tudo incompreendido, depois perseguido, por fim destruído.
A Amazônia, a maior parte da qual (80%) está dentro das fronteiras do Brasil, é essencialmente o bioma contido na bacia hidrográfica do Rio Amazonas, o maior curso de água do mundo. Justamente a imensidão dessa bacia hidrográfica, metáfora de recursos ilimitados, inspirou a Jeff Bezos com o nome de Amazon. A Amazônia constitui 40% das florestas tropicais do mundo e contém pelo menos 15% da biodiversidade do planeta. Em seu território vivem um bilhão e meio de pessoas, entre as quais os últimos grupos humanos ainda em estado de natureza, oferecendo aos restantes seis bilhões e meio de habitantes da Terra uma frágil proteção contra os rigores do aquecimento global em curso e muito mais coisas essenciais, mas ao mesmo tempo não muito tangíveis.
Por que são chamadas de florestas "pluviais"? É um mecanismo típico: a floresta gera por si mesma metade das chuvas que garantem sua conservação. Em outras palavras, a floresta amazônica recicla as chuvas que caem sobre ela. A umidade que viaja do Atlântico aos Andes gera precipitações, retidas pela massa arbórea. A umidade sobe das raízes das árvores até a copa, muitas vezes com mais de sessenta metros de altura, para depois voltar a cair como chuva, em um ciclo que vai se repetindo.
Esse processo não mantém apenas úmido o sistema, mas também garante um efeito de resfriamento. Sem as árvores, nada de umidade, nada de refresco. Não haveria contraste ao aquecimento global à seca, que já está limitando o efeito de regeneração das precipitações. Tudo seca, tornando-se estéril, mesmo para as eventuais culturas que substituem a floresta. As árvores residuais não suportam o aumento da temperatura, secam e se tornam inseguras, além de serem presas mais fáceis para as chamas.
Em cinquenta anos, só o Brasil cortou 17% de sua Amazônia. O ponto de não retorno, além do qual até as extensões residuais começam a decair devido a secas ou inundações, foi terrivelmente reduzido nas avaliações dos cientistas, passando de 40% em 2007 para 20% - 25% das estimativas atuais, o que certamente será alcançado, nesses ritmos, durante o mandato de Bolsonaro. Em menos de um ano, de agosto de 2017 a julho de 2018, a floresta amazônica brasileira perdeu quase um bilhão de árvores, uma extensão comparável à região do Friuli.
Nos últimos cinquenta anos, a temperatura amazônica consequentemente aumentou em 0,6°C, e o desmatamento na região causará um aumento na temperatura global de 0,1°C até 2100. Parece nada, mas é um quinto dos objetivos globais fixados pelos acordos de Paris. De acordo com um estudo de 2015, os solos cultivados em áreas desmatadas tiveram um aumento geral de temperatura de 4,3°C.
The Economist ressalta que as exportações brasileiras de soja e carne bovina cresceram entre 2002 e 2012, justamente quando o desmatamento na Amazônia sofreu uma desaceleração de 80%, também devido ao maior peso atribuído ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a agência brasileira de proteção ambiental que perdeu poder no governo atual, tornando assim Jair Bolsonaro "o líder mais detestado". Isso significa que buscar o "desenvolvimento" - as aspas são uma obrigação - não implica necessariamente destruir as árvores. E, no entanto, as atuais políticas liberais veem o desmatamento como a única ação possível para o crescimento econômico da região; aliás, algo a ser acelerado.
A propósito da Amazônia, o governo brasileiro repete uma explicação que todo país a fim de desregulamentação ambiental repete como um disco quebrado: os primeiros países que atingiram um certo grau de desenvolvimento só sabem falar, agora é a nossa vez. Deixe que os outros cuidem de seus próprios assuntos. Em geral, a conclusão é com tom negacionista sobre os efeitos das políticas em questão, ou pior, com admissões de impotência.
Infelizmente, a realidade é diferente. Numa época ameaçada pela crise ambiental, as florestas, sejam elas na Sibéria ou na Amazônia, voltam a ser bens comuns, como era na Idade Média: se não de jure, certamente de facto. Além disso, é precisamente com os erros dos outros que se pode aprender: se a Europa perdeu de forma descuidada suas florestas, isso não significa que os outros continentes devam necessariamente fazer o mesmo, inclusive sem a certeza de benefícios a médio e longo prazo.
Sim, mas o que aconteceu aqui na Europa? O velho continente perdeu 50% de sua cobertura florestal para obter alimentos e combustível, devido ao boom demográfico que começou no século X, quando terminaram as invasões do Norte, Leste e Sul e que depois se assentou durante o século XIV, quando a população foi dizimada pela peste negra. No entanto, para derrubar todas essas árvores - em uma extensão muito menor daquela da Amazônia - foram necessários quatro séculos, e não cinquenta anos. Devido à técnica de cultivo rudimentar, o rendimento agrícola por unidade de superfície era a metade daquele atual, com consequente desperdício e escassez de recursos, ao qual já na época se tentou por remédio com proibições e limitações.
Limitações e proibições que também existem na Amazônia, onde, porém, o desmatamento não está apenas fora de controle, mas também é ilegal em 70% a 80%, sem que praticamente ninguém faça nada, e há décadas. Mesmas porcentagens também para a África Central e o Sudeste Asiático. Na Indonésia, o corte ilegal é de 60%. Na Rússia, o negócio da madeira “ilegal” vale um quarto das exportações.
Se é verdade que as florestas devem voltar a ser consideradas bens comuns, aqui torna-se importante entender o que exatamente valem. O valor econômico é uma plataforma conceitual essencial, por exemplo, para estabelecer possíveis sanções a serem impostas aos países que negligenciam culposamente as florestas. As sanções que mais ocupam as notícias e envolvem a diplomacia são as que estão relacionadas ao desenvolvimento dos arsenais: agora, porém, podemos ter bastante certeza que desmatamento e aquecimento global pesam mais na segurança global do que uma possível ameaça de escalada militar.
O cenário traçado pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), o ente científico das Nações Unidas encarregado de observar as mudanças climáticas, é nesse sentido muito claro. O recente relatório Climate Change and Land, dedicado em particular à desertificação e degradação do solo é o resultado de dois anos de estudos sobre a influência do aquecimento global sobre agricultura e florestas. Guerras e migrações em massa não serão plausivelmente causadas por líderes desequilibrados a fim de rearmamento, mas pelo aquecimento global, um fenômeno que aumenta mais rapidamente que os mísseis balísticos.
Os migrantes econômicos se transformarão - já estão se transformando - em migrantes climáticos, impelidos pela seca, fome, incêndios. Os solos cultivados voltarão a render o mesmo que na Idade Média, talvez menos ainda, diante de uma humanidade com números de Terceiro Milênio. Não se trata de algo distante, alheio à nossa vida cotidiana. O aquecimento global não tem fronteiras: na Itália, adverte Coldiretti, a desertificação já custa mais de um bilhão de euros por ano.
O impacto econômico dos desmatamentos é um agregado de vários fatores, como vimos em relação ao comércio ilegal de madeira, que vale entre 30 e 100 bilhões de dólares por ano. O valor geral é calculado a partir de um estudo publicado em 2009 pelo System of Environmental Economic Accounting (SEEA), um órgão das Nações Unidas que elabora estatísticas sobre o meio ambiente e sua relação com a economia.
Segundo os pesquisadores do SEEA, a destruição da biodiversidade causada pelo desmatamento tropical custa cinco mil bilhões de dólares por ano, um número que ultrapassa o PIB do Japão e é vinte vezes o faturamento da Amazônia. Além de fármacos e nutrientes, a biodiversidade das florestas oferece uma ampla gama de produtos fundamentais, como enzimas, gomas, óleos essenciais, resinas, corantes, ceras e muito mais. O projeto Teeb (The Economics of Ecosystems and Biodiversity), que produziu o valor econômico, sustenta que este último seja apenas uma fração do custo real para a coletividade, já equivalente a seiscentos e cinquenta dólares por ano para cada habitante da Terra.
O superdesenvolvimento, a agricultura intensiva e as mudanças climáticas ameaçam a segurança da humanidade. Os valores a serem alocados para garantir que a biodiversidade continue produzindo seu valor positivo são infinitamente inferiores aos danos causados por sua destruição. O futuro está nas mãos dos tomadores de decisão, que nem sempre demonstram entender que está acontecendo.
O que podemos fazer como indivíduos para desacelerar o desmatamento? De acordo com o site de informações financeiras The Balance, qualquer pessoa pode atuar com algumas ações diárias. Primeiro de tudo, não consumir óleo de palma. Essa gordura vegetal não é prejudicial ou perigosa em si, mas sua presença em um produto indica na maioria dos casos uma proveniência de áreas especificamente desmatadas, especialmente na Indonésia e na Malásia. O óleo de palma, afirma The Balance, quase nunca é corretamente indicado nos rótulos dos produtos.
Depois, não adquirir produtos de madeira tropical, como mogno, ébano, jacarandá - muito usado em violões - e cedro vermelho. Além disso, doar fundos para as associações que reflorestam (ou seja, tentam replantar as árvores onde foram abatidas) ou plantam florestas (isto é, plantam árvores onde antes não havia, por exemplo, nas cidades). Por fim, adotar comportamentos respeitosos com o meio ambiente em cada setor da própria vida cotidiana, respondendo sempre que possível à pergunta: "Esse meu comportamento, que impacto terá sobre o meio ambiente?".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O desmatamento custa US$ 5 trilhões por ano. É por isso que as florestas devem ser bens comuns - Instituto Humanitas Unisinos - IHU