29 Agosto 2019
O frade capuchinho Juan Antonio Puigjané, padre que honrou seu compromisso com os pobres e se somou ao movimento de direitos humanos em pleno terrorismo de Estado, morreu no dia 27 de agosto aos 91 anos no convento de Nossa Senhora do Rosário, em Nueva Pompeya. Ex-membro do Movimento Todos pela Pátria, foi condenado a 20 anos de prisão pelo assalto ao regimento de La Tablada, apesar de não ter entrado no quartel, nem saber da operação em curso. “Antonio já participa da condição dos santos e está definitivamente com Deus para interceder por nós e por esta pátria também tão necessitada, a Argentina”, escreveu o padre Luis Coccia ao anunciar o falecimento.
A reportagem é publicada por Página/12, 28-08-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nascido em Córdoba em 1928, criado no seio de uma família pobre, com apenas onze anos decidiu ser padre. Com as bandeiras do Concílio Vaticano II se instalou na vila Martillo Chico de Mar del Plata, onde levantou sua capela, montou cooperativas, biblioteca e farmácia, entre outros serviços. Precisou deixar a cidade por decisão do bispo Antonio Plaza, em seus antípodas ideológicos. Seu destino seguinte foi Anillaco, a terra dos Menem, onde os padres terceiro-mundistas foram especialmente difamados e perseguidos ainda antes do golpe de Estado. Ali colaborou com a obra do bispo riojano Enrique Angelelli até seu assassinato em 1976. Viajou então a Buenos Aires e começou seu trabalho na Villa Itatí, em Quilmes. A partir do testemunho de Carmen García, que buscava seu filho desaparecido, tomou consciência dos métodos da ditadura e soube da incipiente organização das Madres de la Plaza de Mayo. Logo começou a organizar missas nas quais mencionava os desaparecidos por nome e sobrenome, e foi um dos primeiros homens a marchar junto com as Madres em torno da pirâmide da praça.
A partir de sua incorporação ao Movimiento Patria para Todos - MTP e do crescimento dessa organização, dividiu seu tempo entre a igreja, a Villa Itatí e as viagens ao interior para fortalecer o movimento. Em dezembro de 1988 participou com a direção do MTP na conferência de imprensa para denunciar a tentativa de desestabilização do governo de Alfonsín por parte dos caras-pintadas, que acabavam de se levantar em Villa Martelli.
A mesa diretora do MTP: (da esquerda à direita) Roberto Felicetti, Jorge Baños, Francisco Provenzano e Frei Antonio Puigjané. Foto: Archivo Atllántida
Em 23 de janeiro de 1989, ante a hipótese de que se gestava um iminente golpe de Estado, cerca de setenta militantes do MTP decidiram tomar o Regimento de Infantaria Mecanizado 3 de La Tablada. O enfrentamento durou mais de 24 horas e terminou com 32 militantes mortos e quatro desaparecidos. Também morreram nove militares e dois policiais.
Puigjané, que desconhecia a operação em curso, se apresentou frente à justiça federal de maneira voluntária, sem saber que também existia uma ordem de detenção contra ele. Explicou que ignorava as intenções do grupo liderado por Enrique Gorriarán Merlo, porém ficou preso. Foi julgado e condenado em outubro de 1989 por um tribunal que o responsabilizou por considerá-lo membro da direção do MTP.
Esteve catorze anos preso. Os primeiros sete no cárcere de Caseros, em Buenos Aires, que definiu como “uma jaula, uma tumba: sem luz, sem sol, sem estrelas”. Em 1996 foi levado à prisão de Ezeiza.
Dois anos mais tarde cumpriu 70 anos e obteve prisão domiciliar, que cumpriu na paróquia Santa María de los Angeles do bairro de Coghlan, onde os capuchinhos o alojaram com a condição de que não fizesse declarações públicas.
O presidente Carlos Menem ofereceu o indulto, que rechaçou porque não incluía seus companheiros. Recuperou sua liberdade em 2003, quando finalmente recebeu o indulto do senador Eduardo Duhalde, interinamente à frente do Executivo.
“Antonio é como quem conservou seu filho... aos setenta anos, alguém poderia chegar a ver a criança que foi aos onze”, descreveu o cineasta Fábio Zurita, diretor do documentário “Antonio Puigjané, el piru (un franciscano a contrapelo)”, para ele que o acompanhou durante três décadas.
- Se não chegamos a fazer a revolução que queremos, ao menos que não haja fome, que não haja pobres – disse Nora Cortiñas antes de brindar em uma cena do documentário.
- E essa seria a revolução – responde Puigjané, sempre sorridente.
“Hoje, 27 de agosto, faleceu o irmão Frei Antonio Puigjané, é uma perda muito sentida para todos que caminhamos com ele na luta pela Memória, Verdade e Justiça.
Nossos organismos de direitos humanos se despedem em um fragmento de um poema de seu discípulo Sebastián Glassman:
‘Te recordaremos generoso, dedicado, entusiasta; coerente e sempre o primeiro no que tinha que fazer, e próximo nesses caminhos de dentro e fora, com tua presença sacerdotal e eucarística, tua humilde fraternidade franciscana. Sabendo que enriqueceu a vida de nosso povo desde tua Fé, te dizemos: Até sempre, querido Companheiro e Profeta!”.
Assinam:
Asociación Abuelas de Plaza de Mayo
Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora
Familiares de Desaparecidos y Detenidos por Razones Políticas
Centro de Estudios Legales y Sociales
Asamblea Permanente por los Derechos Humanos
Liga Argentina por los Derechos Humanos
H.I.J.O.S. Capital - Asociación Buena Memoria
Fundación Memoria Histórica y Social Argentina
APDH La Matanza
Comisión Memoria, Verdad y Justicia Zona Norte
Familiares y Compañeros de los 12 de la Santa Cruz
Movimiento Ecuménico por los Derechos Humanos