15 Agosto 2019
O Sínodo para a Amazônia tem sido instalado como um ponto fundamental nas agendas dos episcopados que fazem parte dessa vasta região. Na Colômbia, sua conferência episcopal organizou, nos dias 13 e 14 de agosto, umas jornadas pré-sinodais, das quais participaram cerca de 300 pessoas, representando o episcopado, liderado por seu presidente, dom Oscar Urbina, arcebispo de Villavicencio, e todos os bispos da região amazônica, do Estado, incluindo o presidente da República, Iván Duque, da academia, de organizações indígenas e camponesas, de organizações não-governamentais e da Rede Eclesial Pan-Amazônica, com a representação de seu vice-presidente, o cardeal Pedro Barreto, e seu secretário executivo, Mauricio López.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Sem dúvida, as vozes mais importantes no processo sinodal são as dos povos amazônicos, em especial os indígenas, que não têm medo de mostrar ao mundo seu sofrimento, quase sempre consequência de fatores externos. Nesse sentido, Fanny Cuiro, uma indígena Huitoto, delegada da Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia colombiana - OPIAC, não hesitou em afirmar que “para nós não foi fácil resistir e permanecer enquanto assumimos nosso dever milenar de manter a Amazônia em pé, porque embora como povo tenhamos sido invisíveis para estados, instituições e sociedade, nossos recursos naturais não têm sido invisíveis, pelo contrário, foram submetidos a sucessivos processos extrativistas que espoliaram a Amazônia à custa da vida dos seres humanos".
Assembléia Pré-Sinodal na Colômbia. | Foto: REPAM Colombia
Apesar das dificuldades, o que enche os povos indígenas de esperança é que "somos parte da agenda do Papa Francisco". Portanto, diante do Sínodo, Fanny Cuiro pediu que os bispos colombianos fossem a voz dos povos indígenas, "para que o mundo entenda que todos nós temos o direito de existir e ser diferente". A líder indígena denunciou veementemente que “nós sentimos que não fazemos parte da agenda histórica deste país, sentimos seu abandono e indiferença, sentimos que nossas vozes não são ouvidas e que nossas vidas não são respeitadas. Fomos excluídos e invisivilizados”, realidade que se traduz em ameaças aos seus territórios e falta de políticas públicas.
A partir dessa realidade, a líder da OPIAC fez alguns pedidos a diferentes grupos que, de uma forma ou de outra, têm um relacionamento com os povos indígenas. Às organizações ambientais, pedi-lhes que se juntassem aos planos dos povos indígenas, para promover planos comuns e não benefícios individuais para comprar as vontades de alguns líderes. À Igreja Católica, “continuar acompanhando e apoiando-nos para que o Sínodo não fique em documentos e reuniões”, e ao governo nacional, que inclua e prioriza os povos indígenas,
É claro que o Papa Francisco atribui grande importância ao Sínodo para a Amazônia, como Dom Luis Mariano Montemayor, Núncio do Vaticano na Colômbia, e Padre Michael Czerny, um dos dois secretários especiais do Sínodo confirmaram em suas intervenções. O padre Czerny enfatizou a necessidade de "passar de nossas idéias, sentimentos, conhecimentos, preferências, emoções para compromissos". O próprio secretário confirmou que, na assembleia sinodal, "cada parágrafo do documento final deve ser votado pelos membros do Sínodo e o que cada um votou é anotado", algo que pode ser considerado como outro exemplo de sinodalidade e da importância da própria assembleia na hora de marcar a direção da exortação apostólica pós-sinodal.
Nesse sentido, pediu que os bispos fossem acompanhados pelos povos amazônicos, para apoiá-los e cobra-los, fazendo com que “se comprometam em nome de todos, em nome do Povo de Deus na Amazônia”, porque não podemos esquecer que “o sujeito do Sínodo é o Povo de Deus na Amazônia”, insistindo que “temos que nos comprometer cada um de nós com a Igreja”.
Assembléia Pré-Sinodal na Colômbia. | Foto: REPAM Colombia
Não podemos esquecer, como lembrou o cardeal Pedro Barreto, que o Sínodo para a Amazônia tem suas raízes no Concílio Vaticano II e nas conferências do episcopado latino-americano. O cardeal peruano ressaltou Aparecida, que destacou a situação dos povos amazônicos, que sofrem o ataque de um sistema que afeta sua dignidade. O vice-presidente da REPAM insistiu, seguindo o Instrumento de Trabalho, em três atitudes às quais o Papa Francisco nos convida através do Sínodo.
Em primeiro lugar, escutar, "especialmente àqueles que são invisíveis para a Igreja e especialmente para a sociedade, para escutar a voz da Amazônia, o grito dos pobres e o grito da terra", destacando que no Instrumento de Trabalho "a voz e o sentimento de nossos povos amazônicos se refletem”. Em segundo lugar, para discernir, "tateando, mas com firmeza, qual é a vontade de Deus para nossos povos amazônicos, qual é a firme, mas irrevogável, vontade que nós, como Igreja, temos de assumir". Finalmente, agir, "façam a palavra amanhecer em obras", lembrando o que seus avós disseram a Fanny Cuiro, e insistindo que "o Sínodo não pode ser deixado em um simples documento".
Tudo isto desde um Deus que se encarna “numa história concreta, num povo específico, e enriquece-nos com a sua pobreza”, riqueza que encontramos em “nossos irmãos amazônicos, que tem que ser para nós um processo e um compromisso de seguir servindo a Deus, amando-o”. Isso deve nos levar, de acordo com o vice-presidente da REPAM, a "colocar a Igreja em uma situação de compromisso, a sair de nós mesmos e começar pelos mais pobres, pelos invisíveis".
Assembléia Pré-Sinodal na Colômbia. | Foto: REPAM Colombia
Essa defesa dos povos também esteve presente nas palavras do Dom Héctor Fabio Henao, diretor do Secretariado de Pastoral Social, que destacou o esforço das comunidades amazônicas no cuidado da Casa Comum, com uma clara consciência de sua responsabilidade. Ao mesmo tempo, exigiu do governo esforços comuns, palavras que foram ouvidas pelo Presidente da República, que mais tarde, em seu discurso, mostrou uma série de dados que alguns, nos seus comentários na transmissão de streaming, questionaram, porque esses dados não refletem a situação real da Colômbia e dos povos amazônicos. Nesse sentido, Dom Henao, afirmou que “como Igreja nos comprometemos de maneira muito séria, junto com as comunidades e de maneira permanente a preservar as florestas, lutar contra a perda da biodiversidade”, destacando o compromisso da Igreja com os povos.
Precisamente, em referência ao discurso do Presidente Duque, padre Alfredo Ferro, coordenador do Serviço Jesuíta na Pan Amazônia, recolhendo as impressões dos presentes, destacou duas queixas fundamentais ao discurso: “o primeiro é que ele não mencionou os povos amazônicos e os indígenas”, sem dúvida uma importante omissão, dado o evento em que se encontrava. A segunda é que "ele deu seu discurso e saiu, faltou ter ouvido os povos amazônicos e os povos originários". Junto com as críticas, padre Ferro reconheceu que é interessante conhecer “as propostas que o governo tem e alguns avanços que foram feitos no setor ambiental”.
Assembléia Pré-Sinodal na Colômbia. | Foto: REPAM Colombia
Não podemos ignorar, como dom Oscar Urbina insistiu, que a realidade da Amazônia e de seus povos "requer mudanças estruturais e pessoais de todos os seres humanos, estados e da Igreja". O povo colombiano está preocupado com o desmatamento, a poluição das fontes de água e projetos de desenvolvimento que não são amigáveis com os cuidados da Casa Comum, por isso fez o Presidente ver que “o convite ao governo é lutar contra os novos colonialismos que disputam essas terras de várias frentes ”, reconhecendo o papel proeminente do Papa Francisco, que “convocou para mudar o paradigma histórico em que os estados veem a Amazônia como uma despensa de recursos naturais sobre a vida dos povos originários sem se importar com a destruição da natureza”.
A partir dessa perspectiva, afirmou que “proteger os povos indígenas e seus territórios é um requisito fundamental e um compromisso básico com os direitos humanos”, algo que no caso da Igreja se torna um imperativo moral e um modo de realizar o Magistério recolhido na encíclica Laudato si'.
Um dos bispos da Amazônia colombiana, Dom Joselito Carreño, bispo de Puerto Inírida, fez um apelo à sociedade colombiana e ao mundo inteiro para que se unissem a quem vive na Amazônia no cuidado. Para fazer isso, ele desafiou a “examinar continuamente seus hábitos de consumo”, insistindo na necessidade de “menos consumo e mais solidariedade, mais compromisso, mais sensibilidade social e mais proximidade com os necessitados, que sejamos mais equitativos e não nos deixemos devorar pela ganância do poder, dinheiro, prazer, mas que estejamos mais focados no cuidado e atenção dos outros”.
Assembléia Pré-Sinodal na Colômbia. | Foto: REPAM Colombia
A presença de representantes de órgãos governamentais que lidam com a Amazônia pode ser destacada como um elemento positivo. De fato, como indica Alfredo Ferro, "no processo de preparação, vimos a necessidade de ouvir as instituições do governo sobre suas políticas e sobre sua visão da Amazônia". A partir dessa perspectiva, o jesuíta, que faz parte da REPAM Colômbia, enfatiza que "houve uma série de perguntas que foram feitas sobre desmatamento, sobre serviços ambientais ou sobre o que eles pediriam à Igreja".
Junto com isso, o destaque do painel dos povos amazônicos, onde participou um camponês, um indígena e uma pessoa da cidade que trabalha com os mercados camponeses. A importância desse momento, segundo Padre Ferro, é que ele representa uma "manifestação dos povos e da realidade em que vivem, o que nos faz aterrissar nessa mesma realidade". O mesmo pode ser dito da realidade eclesial, como mostrou Alba Teresa Cediel Castillo, religiosa Laurita, que insistia, desde a vida religiosa, nas inquietudes e no que deveria ser assumido como vida religiosa desde a Amazônia.
Assembléia Pré-Sinodal na Colômbia. | Foto: REPAM Colombia
Uma das participantes do painel dos povos amazônicos foi Anitalia Pijache Kuyuedo, líder de Okaina Witoto, que reconheceu a importância da Igreja na educação de seus pais por meio de internatos, tão presentes em toda a Amazônia no século XX. Ela afirma que, desde os oito ou nove anos, foi promovida a líder, entrando em um processo que, segundo ela, “me ajudou a voltar às minhas raízes, a me reconhecer e a me fortalecer como mulher indígena” e junto a isso “reavaliar o que é o meu povo, qual é a minha cultura”. Ela vê o Sínodo como “uma porta importante” de onde pode tornar visível “a palavra dos meus anciãos, porque a chegada do Sínodo me obrigou muito mais a sentar com os mais velhos, com homens e mulheres, a fim de compreender o diálogo bilateral que podemos ter com a Igreja ".
Estas são reflexões que têm estado presentes ao longo dos dois dias nos diferentes painéis realizados e nas reuniões de grupo, que ajudaram a examinar o Instrumento de Trabalho. Tudo isso em vista de uma crescente aproximação do território amazônico e de seus povos desde o mundo acadêmico, governamental, insistindo na necessidade de políticas que garantam o cuidado, e eclesial, desde a escuta aos povos que habitam a região, verdadeiros interlocutores em qualquer decisão que afete a região, incluindo o que se refere à vida e missão da Igreja.
Assembléia Pré-Sinodal na Colômbia. | Foto: REPAM Colombia
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Escutando os povos, que pedem que não fique em documentos e reuniões, a Igreja colombiana prepara o Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU