O Pe. Luiz Augusto Stefani é superior geral da Companhia de Maria, também conhecidos como monfortinos, desde 11 de maio de 2017. O religioso brasileiro reconhece que hoje a congregação tem mudado, se tornando uma congregação com um rosto do hemisfério sul, algo que se manifesta até na composição do governo geral.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
Fundados por São Luis de Montfort, a quem o atual geral da congregação define como “um santo de mentalidade sem fronteiras”, e com “uma espiritualidade profunda de que Jesus Cristo está presente no povo que sofre”, o carisma do fundador “nos leva a recuperar essa dimensão de vida..., de uma Igreja em saída, uma Igreja que não só esteja nas periferias do mundo, ou nos lugares menos buscados para a missão, mas uma presença de amor, aumentar ainda mais o carinho, o amor e a compaixão, a paixão pelos que sofrem”, elementos muito presentes na vida do Papa Francisco.
Os monfortinos chegaram a América do Sul para fazer missão na Amazônia, uma região que hoje está no foco do interesse da Igreja e do mundo. Lá os monfortinos fizeram realidade o “apelo de São Luis de Montfort, vamos ser missionários”, e é por isso que o Padre Luizinho, como é conhecido em sua congregação, quer “que o nosso coração e o nosso espírito missionário esteja atento às necessidades do mundo que ali está”, assumindo que as reflexões do Sínodo para a Amazônia podem ser uma fonte de riqueza na vida e o futuro da congregação monfortina.
Qual é a realidade atual da família monfortina?
Os missionários monfortinos, especialmente depois dos últimos capítulos gerais que tivemos, desde 2005, têm tido uma estabilidade, falando de vocações, mas uma presença muito estendida por todos os continentes. Atualmente poderia dizer que há uma certa estabilidade de vocações e nosso número de monfortinos diminuiu relativamente, se se for falar de quantidade de padres.
Por outro lado, nós temos tido iniciativas importantes de novas fundações, na Ásia especialmente. Atualmente somos 805 monfortinos espalhados pelos cinco continentes, e o grupo maior é Indonésia, que chegam a cem, cem e poucos religiosos. O hemisfério norte envelheceu muito, vai diminuindo bastante a presença monfortina nessas regiões de Holanda, Alemanha, Estados Unidos, todo o hemisfério norte, Canadá, vem conhecendo uma diminuição bastante grande.
Esse auge das vocações no hemisfério sul, sobretudo na Ásia, e o envelhecimento do norte, sobretudo na Europa, como tem influenciado a vida da congregação?
Eu diria que há dois aspectos importantes para considerar aí, um que é o aspecto da tradição. O hemisfério norte, digamos, seria como o guardião de uma espiritualidade, da história da congregação, pelo fato do tempo de existência, e dão garantias até hoje de uma continuidade da tradição monfortina, da história, da espiritualidade. O sul cresce bastante em quantidade, com uma geração muito nova, jovem, disposta à missão, à realidade missionária.
O norte envelhecido, mas com muito interesse no crescimento das entidades do sul. Notamos isso também numa saída dos padres mais idosos no nível de administração do governo da congregação e o aparecimento do sul como responsáveis por vários aspectos administrativos, seja como superiores das entidades, como também no governo geral. Nós temos um equilíbrio de uma parte, que são os padres que já são idosos, que estão fora de uma missão internacional, que nos ajudam muito, especialmente pela capacidade que têm de guardar essa tradição.
Inclusive, atualmente, o novo governo geral somente tem um europeu, e os restantes são de países onde os monfortinos, que nasceram na Europa, foram fazer missão.
O que é interessante desta última eleição, justamente que foi o que já se esperava no penúltimo capítulo geral, que era a tendência da administração geral ir mais pelo sul. Nessa nossa administração geral, para se fazer uma ideia, nós tivemos um conselheiro geral da Índia, um conselheiro da Indonésia, um conselheiro do Haiti, e o superior geral do Brasil. O conselheiro geral da Índia, ele foi eleito bispo na Papua-Ásia, ele era missionário na Papua-Ásia, e precisávamos de um substituto, e as consultas eram um africano, que é um dos conselheiro, o padre Felix, que era superior do Malavi. Já se esperava porque o anterior superior geral da congregação era italiano, mas trabalhava no Peru, já 32 anos que estava na América Latina. Já se vinha um pouco uma tendência de voltar-se para o sul.
(Foto: Luis Miguel Modino)
Na espiritualidade, na figura de São Luis de Montfort, seu fundador, foi alguém que insistiu muito em abrir novos caminhos para a Igreja, em ficar perto dos pobres, a congregação sempre teve uma dimensão missionária. Isso nos remete um pouco à figura do Papa Francisco, que insiste nessa dimensões. O que significa o Papa Francisco para a congregação monfortina?
São Luis de Montfort foi um santo de mentalidade sem fronteiras, seu modo de ver a missão que era dele, e ele queria uma Companhia de Maria, que pudesse ir lá onde o Espírito Santo soprasse, a ideia dele era ter missionários, missionários sem um ponto fixo e determinado de estar. O desejo dele era ter ido para o Canadá para ser missionário, e ele foi até o Papa Clemente XI para pedir o que ele tinha que fazer, pois era uma tensão entre permanecer na França, que também ela fazia missões por todos os lados, com muitas críticas, ele era alguém que os bispos tinham muitas dificuldades com ele, pelo seu ímpeto missionário, criativo, ele era um jovem sacerdote muito criativo, e o Papa diz para ele, não, você continue na França, você tem muito campo de missão na França. Desde aí seu desejo de ser uma Companhia de ir lá onde o espírito soprasse.
O Papa Francisco, desde que ele foi eleito, ele demostrou e mostrou o seu caráter missionário da Igreja. Ele mostrou não só pelo que escreveu, pelo que ele falou, mas também os gestos dele com relação ao caminhar da Igreja, uma Igreja em saída, como ele fala, uma Igreja que esteja junto com os pobres. São Luis Maria de Montfort, ele tinha uma leitura da vida dos pobres, e uma espiritualidade profunda de que Jesus Cristo está presente no povo que sofre, e ele não media esforços, no sentido de dedicar toda sua vida, suas energias, sua saúde, para poder acolher e acompanhar o pobre.
O Papa Francisco, o que ele tem feito com seus simples gestos, mas que são profundos também, de organizar lugares para lavar a roupa aos moradores de rua, os diferentes encontros com esses moradores de rua, seja para festas importantes, o convite para um almoço, ou algo assim. Abrir as portas do Vaticano para migrantes, para pessoas que saíram da Líbia e todos esses países. O Papa Francisco dá uma demonstração grande que estamos na mesma linha, no sentido de fazer uma mesma caminhada em favor do pobre. São Luis Maria de Montfort também não tinha medidas para tudo isso, não, uma criatividade muito grande.
Há uma cena muito bonita da vida de Montfort que ele estava em missão numa cidade chamada Dinart, onde estava hospedado na casa dos dominicanos. Ele ia para a rua fazer missões e na volta encontrou um maltrapilho, um mendigo, machucado, ferido, caído pela rua. Ele vai, põe esse mendigo nas costas e vai até a casa onde ele estava hospedado, bate na porta com muita força e gritando, abram as portas para Jesus Cristo. Não só isso, diz que ele levou, o mendigo ficou na cama dele toda a noite e ele cuidando desse mendigo. Gesto profundos de amor e solidariedade que Montfort tinha.
O Papa Francisco, para nós como monfortinos a dia de hoje, nos leva a recuperar essa dimensão de vida de São Luis Maria de Montfort, de uma Igreja em saída, uma Igreja que não só esteja nas periferias do mundo, ou nos lugares menos buscados para a missão, mas uma presença de amor, aumentar ainda mais o carinho, o amor e a compaixão, a paixão pelos que sofrem. Ele tem demonstrado isso, estamos com um gosto enorme pela presença do Papa Francisco.
O primeiro lugar onde a congregação monfortina chegou na América do Sul foi na Amazônia, inclusive em um dos lugares mais distantes da Amazônia, na região entre o Brasil e a Colômbia, no rio Papurí, o que foi um momento de abrir novos caminhos para a congregação, numa experiência muito difícil de realizar. O que a Amazônia representa na vida da congregação e em que pode ajudar para o futuro da congregação o Sínodo para a Amazônia?
De fato, a primeira presença monfortina no Caribe foi o Haiti, em 1871. Depois os holandeses e franceses, chamados também pela necessidade da missão vieram com destino às selvas. Primeiro foi para as selvas do Peru, mas não foi ali que eles permaneceram, e descobriram a necessidade pelos rios Papurí e Uaupés. Na década de 1900 vieram entre holandeses e franceses para entrar pela Amazônia afora e assumir uma caminhada. Eles vinham passando pelo rio Amazonas desde Belém do Pará. Era uma viagem de navio até Belém do Pará e depois todo o recorrido até o rio Papurí pela Amazônia.
Para nós hoje, quando a Igreja chama a toda a Igreja do mundo a olhar para a Amazônia como um lugar de evangelização e um lugar que clama e grita por proteção, por vida, quando recebemos essa notícia, que haveria um sínodo dedicado à Amazônia era justamente o início da nova administração nossa atual dos monfortinos. Me veio um desejo enorme de que nós não estivéramos fora desse processo de reflexão. E mais ainda, a chegada dos monfortinos numa região como a Amazônia é para nós como um coração que continua batendo, foi como uma semente lançada ali, que marcou a vida dos missionários monfortinos como presença, num território totalmente difícil e diferente para os holandeses e os franceses. Eles marcaram aquilo que significaria o apelo de São Luis de Montfort, vamos ser missionários.
O que temos aprendido da reflexão que as comunidades da Amazônia estão dando, a partir do documento preparatório do sínodo, é que a Amazônia não pode ser esquecida. Não só não pode ser esquecida, mas o amor pela Amazônia deve ser tão grande que, mesmo estando fora especificamente do espaço amazônico, que o nosso coração e o nosso espírito missionário esteja atento às necessidades do mundo que ali está. E quem sabe, desejo há, das visitas que fizemos ao Xingu e depois a Marabá, de ter uma presença missionária em algum lugar da Amazônia, para dar àquilo que foi no início, uma continuidade profunda, evangélica, àquilo que os monfortinos de 1900 tinham começado.
Tendo em conta que o Sínodo para a Amazônia nos faz um triplo chamado a uma conversão pastoral, ecológica e à sinodalidade, como isso pode atingir à vida e missão da congregação monfortina?
É muito interessante o que a Igreja está vivendo nesses últimos tempos, vivendo um recuperar de um lado o que é brilhante, o que é bonito, o que é novidade do Concilio Vaticano II através dessa manifestação de fé, de energia, de missionariedade, do Papa Francisco para toda a Igreja. De fato está todo esse caminho de conversão, essa tríplice conversão, pastoral, ecológica e à sinodalidade, já está mexendo com toda a Igreja, e nós como congregação estamos aí dentro desta Igreja que está em movimento. Nós não podemos nem estar fora, nem desconhecer que esse caminho de Igreja é para todos nós.
Eu vejo em nível de nossa congregação, Evangelii Gaudium nos pôs em caminho de uma visão nova, diferente, da missão que nós devemos realizar no mundo. Vejo isso, em primeiro nível, em nível dos nossos padres, nas nossas paróquias, das atividades missionárias, cada um, cada grupo, cada comunidade, começou a se questionar ao respeito das muitas atividades missionárias, muitas vezes muito passivas, na espera do fiel que vem ao encontro da comunidade, para a Eucaristia, para alguns sacramentos. Tiveram muitas iniciativas de ir para rua, de sair, como pede o Papa Francisco, e não como uma motivação superficial.
Eu vejo que em nível de congregação, graças a Deus, em tantos lugares onde a gente está, é algo profundo, não é uma maquiagem, mas é uma preocupação verdadeira. Depois do nosso capítulo geral entrou em uma dinâmica de muita abertura de ser para a Igreja e estar disponíveis a compartilhar nossa herança, nossa espiritualidade, seguindo esses passos da Igreja atualmente. Não dá para não ser tocado por aquilo que está acontecendo em busca ou apelo de conversão. O Sínodo para a Amazônia, se não tocar essencialmente o caminho da Igreja, não vale, não vai ter sentido todo esse movimento de reflexão, de atenção especial pela vida. Uma vida que é sofrida, que é martirizada em toda a região amazônica. Como nós como congregação podemos estar alheios a todo esse movimento, a esse caminho que nasce do meio da mata, das comunidades ribeirinhas, de tantos leigos, religiosos, catequistas e padres que literalmente dão a vida? Não se pode fazer silêncio, não se pode não deixar de se tocar por essa realidade.
Na nossa organização pastoral monfortina já temos desde há alguns anos, não é de agora, as notas caraterísticas da nossa missão monfortina, e são quatro. A primeira é evangelizar, que é a nossa vocação, é a vocação da Igreja, é a vocação monfortina, nós existimos na Igreja para evangelizar, e tudo aquilo que significa levar a boa notícia, viver a experiência de Cristo que se anuncia como enviado do Pai e, ao mesmo tempo anuncia esse Reino de paz, de transformação social, de alegria para uma salvação completa. A segunda nota monfortina é Maria, não como uma devoção superficial, mas Maria como a primeira discípula, aquela que com seu sim conseguiu participar desse projeto de amor de Deus para o mundo, pela encarnação de Jesus Cristo nela, pelo seu sim radical até a Cruz, isso nos convida àquilo que é a nossa espiritualidade monfortina, ajudar a descobrir, através do encontro com Maria, recuperar os valores de nosso batismo através da consagração a Jesus Cristo pelas mãos de Nossa Senhora.
Outro elemento é a itinerância, somos livres, missionários, para ir onde a necessidade impera. Não estar fixos em um lugar, mas em itinerância. O quarto vem desta linha da sinodalidade, que nós chamamos trabalhar juntos, e tem a ver com escutar-se, com planejar, com ir juntos ao encontro de algo que nos é empurrado pela ação do Espírito Santo, que para nós é muito importante. Não digo que nós estejamos vivendo todas essas notas cem por cento, sei que temos muitas dificuldades como congregação de uma coesão, que nem todos pensemos como a Igreja quer que pensemos e atuemos, mas poderia dizer que há uma abertura, em nível de congregação para isso.
Nesse processo sinodal está aparecendo muito a necessidade de impulsionar uma Igreja laical e feminina, que são ideias presentes no pontificado do Papa Francisco. Qual é o papel dos leigos em sua congregação?
O capítulo geral de 2017 nos fez uma alerta para estarmos ao lado e acompanharmos os nossos leigos, que chamamos amigos de Montfort, leigos monfortinos, juventude monfortina, que estão em várias paróquias e lugares em missão. Sem os leigos, a missão monfortina, digamos hoje, não existe, ou não existiria. Os leigos monfortinos, que seguem a espiritualidade monfortina, são para nós o nosso braço direito no caminho missionário. Temos algumas dificuldades, sim, especialmente para acompanhar os grupos de preparação para a consagração monfortina de vários lugares do mundo. Muitos grupos que seguem, que dizem que seguem a espiritualidade monfortina, têm tido muita dificuldade de entender, ou de ser acompanhados, para uma espiritualidade comprometida.
Quis Montfort que todas as pessoas que queiram católicos cristãos, que queiram viver no caminho da santidade, façam uma boa preparação para renovar os seus compromissos do batismo, e um compromisso do batismo que é um compromisso sério com a missão. Um consagrado monfortino leigo, ele é alguém, dentro de uma paróquia, dentro de uma missão, comprometido com a necessidade da evangelização, com tudo aquilo que significa, atenção especial aos pobres, atenção especial para a evangelização com palavras, a través da catequese, seja uma pastoral social, bem comprometida. Para nós hoje os leigos são indispensáveis e têm uma participação muito grande na vida da congregação, ali onde nós estamos.
De cara ao futuro quais são os desafios que o senhor vê como geral da congregação?
Eu diria aquilo que o capítulo geral de 2017 nos colocou como desafio. Nós temos um patrimônio espiritual que é um patrimônio de toda a Igreja, é um patrimônio espiritual que deve ser acompanhado com os pés no chão, com um compromisso de vida e espiritualidade que responda à necessidade da Igreja atualmente. O grande desafio nosso é dar um acompanhamento a esses grupos leigos que são muitos, que seguem a espiritualidade monfortina, e ajuda-los a não perder de vista o sentido profundo do que é missão monfortina, e que nossos padres, missionários monfortinos, tenham ainda a capacidade e a força de criar novos espaços de missão, e de assumir que além dos lugares onde nós estamos em missão, que seja possível ainda criar novos espaços de lugares de missão.
Nós temos duas perspectivas atualmente que nós estamos apostando, nessa disponibilidade profunda dos nossos irmãos, que é a fundação no México, na diocese de Icatepec, que está na periferia urbana da Cidade do México, e outra presença no Vietnam, fizemos uma primeira visita lá, e gostaríamos que fossemos abrindo caminhos para essa realidade de Vietnam, China, por ai, pelo futuro. Um desafio grande é a sensibilização dos nossos irmãos monfortinos de a acreditar que a congregação possa abrir-se para novas presenças.
Por último, o que suscita no senhor o Sínodo para a Amazônia?
Posso dizer que estou muito preocupado pelo que está acontecendo na Amazônia brasileira nesse dias. Estamos nas portas do Sínodo e estamos vendo uma violência que impera contra os indígenas, a invasão cada vez mais ostensiva, não só das mineradoras, mas também do estado que está destruindo aquilo que foi construído ao longo de tantos anos, resultado de tantas lutas, que estão voltando com a carga toda para aniquilar o espaço indígena, para aniquilar o próprio ser humano indígena, e isso me deixa muito triste.
Acompanhemos com o coração e com gestos o caminho do Sínodo da Amazônia, acompanhemos não só com gestos, mas com anuncio e denuncia da situação atual que vivem nossos povos da Amazônia. O nosso coração deve bater junto com o povo da Amazônia, devemos aprender da Amazônia, amazonizar-se, deixar-se conduzir pela cultura, força de expressão e vida que brota da realidade amazônica, proteger essa realidade que é tão sensível e necessita muito da nossa presença.