02 Agosto 2019
"Recentemente o cardeal Müller disse, segundo circula pela imprensa, que a Igreja tem agora "um papa herético". Não entendo a cabeça de um cardeal tão reconhecido, como é o caso do cardeal Müller, que tenha chegado a dizer e difundir tal disparate [...] O que está por trás disso tudo? Sem dúvida alguma, gastar e desgastar a imagem e o modo de governar do papa Francisco, preparar o conclave, para que o sucessor tenha que seguir outro caminho", escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 31-07-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Não é segredo para ninguém que as relações de um setor do clero com o papa Francisco não são precisamente fáceis e distendidas. Um exemplo eloquente, nessa ordem de coisas, é o que recentemente disse o cardeal Müller (ex-prefeito do Santo Ofício), que, segundo circula pela imprensa e pelas redes, chegou a dizer que a Igreja tem agora “um papa herético”.
Não entendo a cabeça de um cardeal tão reconhecido, como é o caso do cardeal Müller, que tenha chegado a dizer e difundir tal disparate. Em todo caso, e seja qual for o comportamento do ex-prefeito do Santo Ofício – o fato é que a resistência de um setor do clero, ao governo pontifício de Francisco, se faz cada dia mais patente.
Agora, quando estamos nos aproximando do Sínodo da Amazônia, o rechaço dos resistentes a esse papado se acentua. E o motivo mais destacado – segundo dizem os entendidos no assunto – é o tema do celibato eclesiástico. Porque, como é lógico, se a lei do celibato deixa de ser obrigatória para os padres que atendem os indígenas da Amazônia, por que deveria seguir obrigando os párocos da Europa?
Isso é o que pensam e dizem os clérigos “anti-Francisco”. Porém o que realmente motiva esses padres (e seus asseclas) a atacar o papa é o tema do celibato? Não precisa ser nem um sábio, nem um lince para perceber que, em todo esse assunto, há uma armadilha. Porque o celibato dos padres não é “uma verdade que é preciso crer com fé divina e católica” (cân. 751). O celibato dos padres é uma lei eclesiástica. Uma lei que nunca foi universal. Aos clérigos católicos da Igreja Oriental não é obrigatório. Ademais, se introduziu no Ocidente depois de séculos de fortes discussões.
Além disso, no Novo Testamento, diz-se que a ordenação de bispos e presbíteros deve ser administrada a homens casados (1 Tm 3, 2-5,12; Tt 1, 6), que sabem governar bem sua casa e sua família. Porque quem não sabe educar sua família na fé, como cuidará da Igreja de Deus? Além disso, sabe-se que, no concílio de Niceia (ano 325), segundo o historiador Sócrates, alguns bispos propuseram “introduzir uma nova lei na Igreja: que os ordenados, isto é, os bispos, os presbíteros e os diáconos, não dormissem com suas esposas com quem se casaram sendo leigos”; mas Pafnucio, bispo da Tebaida Superior, celibatário e venerado confessor da fé, interveio contra a proposta “e gritou em voz alta que este jugo pesado não deveria ser imposto aos homens consagrados, dizendo que o ato matrimonial também é digno de honra e imaculado; e que não prejudiquem a Igreja exagerando a severidade; porque nem todos podem resistir ao ascetismo da "apatheia", nem se proveria equitativamente a temperança de suas respectivas esposas" (Hist. Eccl. I, XI. PG 67, 101-104). Isto foi dito no primeiro concílio ecumênico da Igreja, alguns anos depois que o Sínodo de Granada local (Ilíberis) impôs aos clérigos casados a obrigação de continência.
Não é uma questão aqui lembrar a complicada e longa história do celibato na Igreja. O que eu quero (e devo) insistir é que ele não tem pés nem cabeça para qualificar o papa Francisco como "herético" para decisões (que ainda não foram feitas) que o Sínodo Pan-Amazônico pode alcançar. Então, o que está por trás disso tudo? Sem dúvida alguma, gastar e desgastar a imagem e o modo de governar do papa Francisco.
Por que e para que esse desgaste? A coisa mais lógica parece ser que toda essa bagunça desagradável tem um propósito que é óbvio: preparar o conclave, para que o sucessor de Francisco tenha que seguir outro caminho. Sem dúvida, um Papa que humaniza o papado e o aproxima dos que mais sofrem na vida, não "convém" (?) nem à Igreja, nem ao mundo em que vivemos.
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“Müller e companhia já preparam o conclave para que o sucessor de Francisco tenha que tomar outro caminho”, alerta José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU