27 Julho 2019
“Jovens mulheres, sejam corajosas, alegres, obstinadas, indignadas e, acima de tudo, felizes. Vejam-se também como parte de uma longa narrativa.”
A opinião é da teóloga luterana alemã Margot Käßmann, a mais famosa “pároca” evangélica da Alemanha, que muitas vezes teve que se impor como mulher. Ela nasceu em Marburg, em 1958. Estudou teologia. A partir de 1999, foi “bispa” da Igreja Evangélica Luterana (EKD) da região de Hanover e, de 2009 a 2010, foi presidente da EKD. Também foi embaixadora do 500º aniversário da Reforma Protestante.
O artigo foi publicado no caderno Christ & Welt, do jornal Zeit.de, 24-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao me aposentar no ano passado, eu tive uma sensação básica positiva: há muitas mulheres jovens que vão em frente, na vida e na transmissão da fé e dos valores que a nossa geração recebeu de outras. É uma cadeia na qual nos inserimos. Para as mulheres de fé, é assim. Nós nos encarregamos do revezamento em um trecho da estrada, é uma sensação que eu acho libertadora, aliviante.
Uma coisa que incomoda é que os velhos querem aconselhar. Eles têm que deixar as coisas acontecerem. Os jovens se encarregarão a seu modo, continuarão, mas também mudarão. Essa, muitas vezes, foi a minha posição em relação aos chamados conselheiros. Especialmente homens que queriam me explicar o mundo, a teologia, a Igreja: havia muitos deles. Enquanto isso, o “mansplaining” [explicações não solicitadas e paternalistas feitas por homens a mulheres] se tornou um conceito sociológico. Mas o pedido do Christ & Welt me provocou causou – talvez isso dependa do fato de que eu também estou ficando velha.
Eu sempre observei a luta pela ordenação das mulheres com admiração. Quantas discussões tiveram que ser feitas e quantas humilhações tiveram que ser aceitas. Nos períodos de guerra, as mulheres também se saíam bem como substitutas, mas depois lhes foi permitido ensinar os elementos da fé apenas para mulheres e crianças. Em um antigo relatório do Conselho Ecumênico de Igrejas, eu li uma vez que as mulheres simplesmente não eram aptas para os trabalhos das comissões, porque, fisicamente, não poderiam suportar ficar sentadas por longos períodos em locais impregnados de fumaça de cigarro. A imagem da Igreja no mundo continua sendo definida pelos homens!
Por isso, acho positivo o movimento Maria 2.0 na Igreja Católica Romana. É sempre ruim se intrometer de fora. Ou dar conselhos sobre como devem ser as reformas na casa dos outros. Isso sempre soa presunçoso e arrogante. Mas considerar e acompanhar movimentos de renovação dos outros com alegria é uma atitude de solidariedade.
Se houvesse tempo, com prazer eu contaria histórias de nervosas discussões vividas por mim. Isso também é algo típico de quem envelhece: contar histórias de ontem, de bom grado. Penso, por exemplo, em um bispo que se queixava de que, desde que também havia mulheres entre eles, não era mais possível ir juntos à sauna. Ou em um padre ortodoxo russo que não queria me dar a mão porque eu era um símbolo da adaptação do Ocidente ao espírito do tempo.
Eu mesma sempre escutei com prazer as histórias de mulheres antes de mim, às vezes com indignação, às vezes com irritação. Por que elas aceitaram e suportaram por tanto tempo que não houvesse uma alternativa entre profissão, vocação e família? Trata-se de fatores não teológicos, talvez de impureza sexual, ou talvez do fato de que um marido deveria se sentar debaixo do púlpito da sua esposa?
Ninguém nunca soube me explicar por quê. Mas foi assim até o ano em que eu passei no vestibular. Menos mal que eu não sabia disso quando comecei a estudar teologia. Muitos anos depois, uma colega mais velha me escreveu, aconselhando-me a não aceitar um emprego de meio turno, porque, para a sua geração, era algo simplesmente óbvio: quem quer ser “pároca” deve renunciar à família.
Eu gostei muito do texto de uma teóloga da geração das minhas filhas, que dizia que se sentiu encorajada pela minha biografia. Pois bem, em vez de lhes dar um conselho, eu hoje gostaria de encorajá-las, queridas jovens colegas. Não gosto de falar de “irmãs”. É uma palavra que deve sugerir algo que normalmente não está realmente presente entre colegas: uma profunda confiança. Um amigo sempre me chamava, rindo, “Oberschwester” [literalmente, “irmã superiora”, termo usado para indicar a enfermeira-chefe]: era evidente como o conceito era caricatural. Eu nunca gostei de ser chamada de “irmã Käßmann”, soa falso, é a representação de uma familiaridade que, na realidade, não existe, embora compartilhemos uma fé e trabalhemos em um serviço eclesial tendo recebido a ordenação.
Então, jovens mulheres “párocas”: não se deixem encurvar! Sejam vocês mesmas e não busquem desempenhar um papel. Não mudem a voz de vocês no púlpito, mas falem como Deus lhes permitiu falar no cotidiano. Uma voz deliberadamente pastoral geralmente irrita aos ouvintes e, consequentemente, é percebida como não confiável. Vocês gostam de usar saias curtas e batom? Então façam isso! Vocês gostam de ir dançar ou não? Vivam como vocês são. Não tentem se adequar a nenhuma expectativa, isso seria errado.
Tenham o desejo de interpretar o Evangelho! É maravilhoso fazer com que as histórias bíblicas se tornem vivas. É preciso ser capaz de rir e também de chorar nas celebrações. A pregação é uma possibilidade apaixonante para incluir no discurso os relatos bíblicos, o nosso contexto e a nossa fé. E, nesse caso, não subestimem a comunidade – a maioria das pessoas participam de muito boa vontade na reflexão.
Encontrem alegria na profissão de vocês. Na nossa profissão, podemos acompanhar as pessoas nos dias mais bonitos e nos dias mais duros da vida. As pessoas geralmente têm uma confiança extraordinariamente grande em nós, porque somos “párocas”. É uma grande responsabilidade, mas também um grande dom. Pastoralmente, podemos dar força aos outros nos momentos mais altos e mais baixos, é uma experiência profunda e maravilhosa. E temos muito mais a dizer do que palavras de condolências ou de consternação. Conhecemos maravilhosos salmos e orações que sustentaram e consolaram milhares de pessoas antes de nós. Podemos falar sobre Jesus, que morreu, mas para quem a morte não foi a última palavra.
Vocês certamente não precisam deste conselho: se quiserem se tornar mães, tornem-se; se não quiserem, não se tornem. Vivemos em uma sociedade livre, graças a Deus. E são precisamente as mulheres que deveriam parar de julgar os estilos de vida. É difícil fazer com que a profissão e a família convivam, era assim e continua sendo assim. Mas é preciso conseguir.
Porém, pensem em momentos de alívio para vocês. Não existe uma “pároca” perfeita, nem mesmo uma mãe perfeita. E libertem-se de certas imagens: virgem virtuosa, casta pureza. Vocês certamente já se libertaram disso. A sexualidade é um dom bom de Deus – uma descoberta presente no documento da EKD (Igreja Evangélica Alemã) de 1971, mas que eu temo que ainda não chegou à cotidianidade da nossa Igreja.
Finalmente: façam com que haja um bom clima de trabalho. É muito estressante trabalhar em circunstâncias em que pairam conflitos pesados e não verbalizados. As mulheres não gostam de entrar em conflito. Eu também frequentemente evitava o confronto. Mas as tempestades realmente purificam o ar – também podemos tentar iniciá-las com charme. Como um jurista eclesiástico me disse uma vez: “Com as mulheres, sempre existe uma certa inibição mordendo”. Além disso, eu nunca vivi brigas violentas, eu me rebelava contra os clichês. Os conflitos, porém, podem ser vividos com dignidade ou até com solidariedade.
Portanto, sejam corajosas e ousem o contraste na Igreja, mas também com todos aqueles que querem empurrar o ser cristão para um nicho privado. A nossa fé tem a ver com o mundo e, portanto, também com a política, a cultura, a sociedade, até mesmo com o esporte.
E defendam-se da pergunta: “Você é uma boa teóloga?”. Eu sempre a ouvi apenas em relação às mulheres. Simplesmente digam: “Sim, sou uma boa teóloga!”. O que significa esse contínuo questionamento dos estudos e dos exames? Eu conheço vários homens com um ego enorme, aos quais ninguém jamais ousaria fazer essa pergunta – nem mesmo eu me atrevi (mas às vezes pensei nisso com raiva).
Em tempos de #metoo, é possível manter a leveza entre homens e mulheres? Na nossa Igreja, o assunto está sendo realmente debatido, as questões de poder são esclarecidas? E como estão as coisas do ponto de vista ecumênico? Se os representantes ortodoxos e católicos romanos realmente se encontrarem em pé de igualdade, mudarão as imagens que eles têm em mente.
E cuidem de vocês mesmas. Eu também senti o meu trabalho como uma profissão. Vida e trabalho se confundem. Mas é preciso cuidar de si mesma, não só dos outros. Eu gostaria de saber quantas filhas de “párocas” gostariam de se tornar “párocas”. Ainda não existem estatísticas sobre isso, que eu saiba.
Portanto: sejam independentes e livres como só vocês podem fazer, sejam felizes nessa profissão tão especial que, em outras Igrejas, as mulheres ainda não podem desempenhar. Sejam corajosas, alegres, obstinadas, indignadas e, acima de tudo, felizes. Vejam-se também como parte de uma longa narrativa. Que começa com as nossas mães na fé, com as grandes histórias de Agar e Rebeca, Raquel, Lia, Ester, Ana e todas as outras. Que continua com as mulheres do tempo de Jesus, que o acompanharam e o apoiaram, Maria, Marta e Susana. E também no início houve mulheres que lideraram a Igreja, a apóstola Júnia e Lídia, guia da comunidade.
Desejo-lhes muita força e muita criatividade. A partir da minha aposentadoria, eu observo e escuto com prazer.
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Mulheres, sejam corajosas, obstinadas, indignadas e livres! Artigo de Margot Käßmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU