25 Novembro 2017
Margot Kässmann foi a mulher-símbolo do Jubileu da Reforma. No Sínodo da Igreja Evangélica Alemã (EKD), ela foi despedida. Aquilo que ninguém queria admitir há muito tempo está agora diante dos olhos de todos: o protestantismo tem um problema-mulher.
A reportagem é de Fabian Klask e Hannes Leitlein, publicada no sítio Zeit.de, 17-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por uma última vez, Margot Kässmann doa tudo. A atmosfera do Kirchentag se repropõe por 60 minutos quando a “embaixadora da Reforma” apresenta em Bonn, no Sínodo da EKD, o seu relato do “Ano de Lutero”. Ela trouxe um vídeo: o jubileu na sua conclusão, o sol brilhando, as crianças rindo, a cidade de Lutero – Wittenberg – está feliz. De manhã, houve rumores entre os delegados da Igreja em pequenos grupos: realmente valia a pena gastar tanto dinheiro? O que se obteve com isso?
Depois, veio Kässmann: louvou, fascinou, com poucas frases anulou todas as críticas. Valia a pena? Mas é claro! “Os protestantes também devem, às vezes, alegrar-se com o que foi bonito”, exclama, dirigindo-se aos sinodais cheios de remorso. Toda a assembleia se levantou e bateu palmas, e não se encontraram mais críticos.
Depois, Margot Kässmann deixou a cena político-eclesial. Definitivamente. Como saudação, depois de 26 anos de Sínodo, a “embaixadora da Reforma” recebeu uma Bíblia de presente. Uma cópia de grande valor, declarou uma autoridade eclesiástica.
Com os seus artigos e os seus livros, a teóloga alcançou milhões de pessoas, especialmente mulheres. Nenhum outro representante da Igreja Evangélica recebeu tanta atenção. “Nada vai bem no Afeganistão”, afirmou ela – e com esta e outras frases despertou posicionamentos contrapostos. Ainda hoje protestantes de primeiro nível se declaram, sem serem interrogados, como Margot-fãs ou Kässmann-céticos.
Com a sua popularidade, todos se beneficiaram. Dada a presença irradiante de Margot Kässmann, uma pergunta difícil nunca era seriamente feita: por que tão poucos cargos são confiados às mulheres na Igreja Evangélica?
Podia-se supor que uma recuperação na promoção da mulher era necessária em ambientes católicos ou em outras instituições ou empresas menos sensíveis. A Igreja Evangélica preza muito pela linguagem atenta ao gênero, pelos estudos bíblicos feministas. A presença de algumas bispas nas suas fileiras também esconde muito bem que, na Igreja, a equiparação dos direitos é mais pregada do que vivida.
No 500º aniversário da Reforma, oito anos depois da eleição de Margot Kässmann como presidente do Conselho da Igreja, quem está à frente das dioceses são predominantemente homens. E até mesmo em posições de liderança menos elevadas, apenas um quinto dos lugares são ocupados por uma mulher.
Um estudo que o Centro para as Questões de Gênero da EKD apresentou no Sínodo perturba agora fortemente, com os seus números, a imagem que os protestantes têm de si mesmos. Junto com o Fraunhofer-Institut, a teóloga Jantine Nierop investigou os motivos pelos quais as mulheres continuam tendo dificuldade no seu caminho até o topo. Na Igreja, limitamo-nos a pregar sobre o gênero ou realmente se implementa a equiparação dos direitos já exigida por uma decisão do Sínodo de 1989?
De acordo com o resultado de dezenas de entrevistas analisadas, quanto à conciliação entre família e profissão, na Igreja, as coisas não parecem estar melhores do que aquilo que acontece em muitas empresas: se para o posto de pastor ainda é possível um cargo de meio turno, tal possibilidade desaparece se alguém quiser ser eleito à frente de um “Kirchenkreis” – e este é um dos maiores obstáculos para mulheres com família que querem fazer carreira na Igreja.
O segundo obstáculo cotidiano foi detectado pelos pesquisadores na escolha pouco profissional do pessoal. Precisamente nas seleções feitas nas dioceses, levam-se mais em consideração os impedimentos referentes às mulheres: uma candidata é naturalmente questionada sobre como pretende conciliar um cargo de superintendente com os compromissos familiares.
“Os candidatos masculinos não são obrigados a responder a essa pergunta”, diz Jantine Nierop. Uma candidata contou aos pesquisadores que tinham até lhe replicado: “Você sabe que, ao se candidatar a este cargo, você deixa os seus filhos órfãos”.
O estereótipo difundido nas comunidades e na hierarquia é difícil de satisfazer por pastoras mulheres. “Na comunidade paroquial, quer-se o tipo materno, pastoral”, diz Nierop. Mas, se alguém se candidata para um posto mais elevado, de repente todos pedem pulso e capacidade de se impor. Os homens não deveriam suportar essas contradições.
A teóloga Jantine Nierop sabe do que está falando. “Há alguns anos, quando eu dividia com o meu marido uma paróquia em Mannheim, a comunidade assumia como óbvio que eu cuidaria dos grupos de crianças, e que o meu marido assumiria a função diretiva.”
Quem conseguiu chegar ao topo foi Kirstin Fehrs: ela foi uma das primeiras mulheres na Igreja Evangélica a ter ofício e dignidade. Em 2006, tornou-se preposta e pastora da Hauptkirche St. Jacobi, em Hamburgo. Desde 2012, é bispa da Nordkirche em Sprengel, Hamburgo e Lübeck.
“O fato de não termos filhos facilitou as coisas”, diz. Ela e o seu marido vivem a subdivisão dos papéis, mas trocados: há 14 anos, a lavanderia é território exclusivo dele. Kirsten Fehrs sabe quais são os obstáculos que mantêm uma mulher longe dos cargos. “Há uma vergonha feminina”, diz ela, aos seus 56 anos, “que impede que as mulheres se coloquem na primeira fila.”
As mulheres, por exemplo, se disporiam menos a se deixar fotografar. Além disso, muitos homens da Igreja cultivam o estereótipo da mulher compassiva, propícia para as relações. No Sínodo e no Conselho da EKD, as cotas se impuseram em grande parte. Quando é preciso discutir algo de importante, uma mulher como Kirsten Fehrs se encontra no Sínodo da EKD entre homens de cabelos grisalhos vestidos de cinza. Às colegas mais jovens, a bispa aconselha: “Levem em consideração o fato de assumir os cargos temporariamente e estejam cientes do que espera por vocês!”.
É claro, quem quer fazer carreira na Igreja também deve trabalhar duro. As redes ajudam a conhecer a realidade a que se quer chegar. Mas é suficiente? Mudarão as condições, já que, enquanto isso, mais mulheres do que homens estão estudando nas faculdades evangélicas? Não, diz a pesquisadora Nierop: “É a cultura que precisa mudar”.
No Sínodo, os pesquisadores também propuseram que se pense em posições diretivas para serem ocupadas com uma subdivisão do trabalho e em meio turno. Mas, em primeiro lugar, os procedimentos de seleção devem ser profissionalizados: o fato de ainda não estarem claras quais expectativas estão ligadas a um trabalho diretivo assusta e desencoraja as mulheres. Consultores especialistas em pessoal deveriam ajudar os voluntários e o clero nas seleções.
Não se trata apenas das oportunidades de trabalho das pastoras jovens: 70% das pessoas que trabalham em título honorário na Igreja são mulheres. “É hora de haver mais mulheres em posições diretivas”, afirma Kirsten Fehrs. Mas há também aqueles que esperam que Margot Kässmann, agora aposentada, continue sendo uma coadjuvante – e que nada mude.
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Obrigado, Margot! Ou: o ''problema-mulher'' do protestantismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU