03 Julho 2019
No dia 22 de junho, em Belfort, os “coletes amarelos” juntaram-se aos trabalhadores da General Electric para denunciar o plano social do conglomerado americano. Para o historiador Pierre Vermeren, autor de La France qui déclasse (Tallandier, 2019), essa convergência tem suas raízes no fracasso da política industrial francesa.
A entrevista é de Violaine des Courières, publicada por La Vie, 25-06-2019. A tradução é de André Langer.
No sábado, 22 de junho, em Belfort, cinco mil pessoas marcharam para defender a fábrica de turbinas a gás ameaçada pela General Electric e mais amplamente contra a desindustrialização na França.
Este plano social é proposto após quarenta anos de liquidação de setores inteiros da indústria francesa. Em primeiro lugar, a mão de obra (as refinarias, os estaleiros, o têxtil, o moveleiro), depois a energia nuclear com o desmantelamento de Areva, em 2017. Agora damos um passo a mais fechando um centro industrial de ponta. As turbinas a gás da fábrica de Belfort são um símbolo da identidade econômica francesa. Antes da década de 1970, nosso país era, junto com a Alemanha, um importante polo industrial. Reduzir esta expertise equivale, para muitos franceses, a um rebaixamento, mesmo se o Hexágono [isto é, a França pelo seu formato] ainda esteja na vanguarda dos setores de transporte, aeronáutica e de luxo. A isso devemos obviamente adicionar a comoção despertada por essas mil demissões. Na região, todos os atores esperam uma grande crise social.
Em seu livro La France qui déclasse (Éd.Talandier), você estabelece uma ligação direta entre o desmantelamento desses polos industriais e o movimento dos “coletes amarelos”.
O desmantelamento da indústria francesa alimenta a crise dos “coletes amarelos”. É este fenômeno que deu origem ao mapa da “França periférica”. Tudo começou na década de 1970, com a desintegração do polo industrial de Île-de-France. Os operários deslocaram-se da região parisiense para a província. Vinte anos depois, as elites industriais das pequenas e médias cidades (engenheiros, dirigentes, etc.) foram para a capital e as principais cidades, atraídas pelos empregos do setor de serviços.
Esta enorme volatilidade de elites e trabalhadores resultou na cartografia atual do nosso país. Hoje, 5% do território – as 12 maiores metrópoles – gera metade do PIB, em grande parte graças à economia de serviços. No resto do território – exceto em algumas áreas ricas como a Vendeia ou a Alsácia – a população sofre o fechamento de fábricas e indiretamente das lojas. Este empobrecimento e esta desertificação, ligados à desindustrialização, estão na origem da crise social revelada pelos “coletes amarelos”.
Esta semana, os trabalhadores de Belfort aguardam uma resposta do Estado. Em um contexto de guerra econômica com os Estados Unidos, qual é a margem de manobra do governo?
O governo pode decidir comprar o polo de Belfort. Os políticos têm sua responsabilidade nas massivas privatizações das sociedades. Depois de 1986 – sob o governo de Jacques Chirac –, os sucessivos executivos venderam seu capital para as principais empresas francesas – o que é chamado de “núcleo de acionistas”. Em seguida, estes últimos vendem suas ações, muitas vezes para investidores estrangeiros. Desde os anos 90, este cenário se repetiu. Por quê? Porque nas últimas duas décadas, os investidores progressivamente abandonaram o “capital produtivo” – isto é, tudo o que produz bens materiais – para o setor terciário.
Nessa época, todos estão fascinados com o boom da “nova economia” e o advento da internet. Os grupos industriais franceses são ridicularizados. Eles são liquidados. Isso é, pois, um erro, porque as novas tecnologias requerem, ao contrário, competências de engenharia – a Alcatel-Lucent foi vendida para a finlandesa Nokia em 2015, ao passo que um novo canal de alto valor agregado poderia ter sido criado...
Na história da Alstom, encontramos todos os ingredientes deste cenário. Em 2006, o governo vendeu suas ações ao grupo Bouygues. Seis anos depois, a operadora de telecomunicações apoia o CEO, Georges Kron, na negociação da venda da subsidiária energia do grupo para a General Electric. Agora, os trabalhadores estão exigindo a conta a Bercy. E eles têm razão.
“Cada vez, a venda de subsidiárias de empresas francesas precede seu desmantelamento”, você diz. É exatamente isso que está acontecendo em Belfort.
Sim, a venda e o desmantelamento deste setor da Alstom para a General Electric segue exatamente o mesmo processo utilizado para a ArcelorMittal em 2006, em seguida, para Saint-Gobain e Lafarge em 2014. Estes eventos ocorrem em um contexto de guerra econômica internacional. Ao vender seu capital para empresas francesas e, em seguida, deixá-las cair em mãos de grupos estrangeiros, os sucessivos governos subestimaram as relações de força e demonstraram grande ingenuidade. Eles não pensavam como militares, mas como industriais.
Em Le Piège américain [A armadilha americana] (Edições JC Lattès), Frédéric Pierucci, ex-executivo da Alstom, revela as pressões políticas dos Estados Unidos para a compra da Alstom pela General Electric... Apenas algumas pessoas, como Arnaud Montebourg, ministro da Economia, tentaram um outro caminho político. Mas muito rapidamente a opinião pública os ridicularizou.
Você escreve que, antes de 1970, havia uma separação dos poderes políticos e econômicos. Isso não é mais verdade agora. Esta situação provoca a ira dos “coletes amarelos”?
Antes da década de 1970, a linha entre os políticos e os industriais era impermeável. Progressivamente, aos olhos da opinião pública, esta linha tornou-se cada vez mais porosa. Em 1969, o presidente da República Georges Pompidou veio do setor bancário. Em 1981, François Mitterrand – que não sabia nada sobre economia – dá as rédeas à Inspetoria de Finanças. Após 1986, o Ministério da Indústria foi fechado por Alain Madelin e reduzido a um subescritório de Bercy. O governo abandona o modelo alemão por aquele do liberalismo britânico.
Progressivamente, a população percebe uma forma de consenso entre as elites políticas e econômicas. Hoje, ser nomeado para a Inspetoria de Finanças, depois para a gestão de um banco e, finalmente, para chefe da seção financeira de uma grande empresa, tornou-se comum. Os “coletes amarelos” opõem-se a essa porosidade de fronteiras, que está na origem de uma casta político-econômica.
Você observa que o mapa das bacias desindustrializadas e a do voto do [Partido] Rassemblement National [até junho do ano passado chamado de Frente Nacional] se sobrepõem perfeitamente...
Sim, olhe o mapa dos polos industriais desmantelados. Compare-o com o do voto Rassemblement National. Você verá como a antiga linha industrial da Normandia ao Nord-Pas-de-Calais, passando por Franche-Comté e pela Borgonha, é agora vencida pela cor azul marinho. Este fenômeno também está em funcionamento em Gironde, exceto Bordeaux.
No início de 2019, a grande fábrica da Ford em Blanquefort, com cerca de mil postos de trabalho, fechou. Nas eleições europeias, em maio passado, a região, historicamente de esquerda, sofreu um forte impulso frentista... A prova de que, além de ter consequências sociais, a desindustrialização tem efeitos políticos.
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França. “A desindustrialização alimenta a crise dos ‘coletes amarelos’”. Entrevista com Pierre Vermeren - Instituto Humanitas Unisinos - IHU