03 Julho 2019
Por trás do plano social anunciado pelos americanos em Belfort, esconde-se uma disputa entre o governo francês e a administração de Donald Trump.
A reportagem é de Jordi Lafon, publicada por La Vie, 06-06-2019. A tradução é de André Langer.
A gigante americana da energia General Electric (GE) anunciou que vai fechar 1.044 postos de trabalho, em sua grande maioria em Belfort (Bourgogne-Franche-Comté). Um grande plano social: quase 40% dos trabalhadores deste lugar seriam afetados. À primeira vista, pode-se pensar em um plano social entre muitos outros; trata-se, na verdade, do enésimo episódio de uma novela altamente política e com aparência de romance policial econômico, cujos protagonistas são a GE, a Alstom e os Estados francês e estadunidense. Um verdadeiro caso típico de guerra econômica entre duas potências a priori aliadas.
O anúncio do plano social veio imediatamente após as eleições europeias e provocou muitas reações por parte do governo e dos representantes sindicais. Enquanto o ministro da Economia, Bruno Le Maire, tentou apoiar os trabalhadores que defendiam um plano social reduzido, a decisão da General Electric é previsível. A fábrica de Belfort produz turbinas a gás. É inegável que este setor está passando por uma situação econômica desfavorável por causa da transição ecológica. A decisão de reduzir os efetivos não pode, portanto, ser descrita como arbitrária, mas deve ser contextualizada.
Esta atividade industrial foi tradicionalmente conduzida pela Alstom na França, concorrente direta da General Electric. A empresa americana resgatou uma parte das atividades da Alstom, uma primeira vez em 1999 e uma segunda vez em 2015. Os empregos concernidos pelo plano social fazem parte das atividades adquiridas em 1999, mas os dois casos estão intrinsecamente ligados, como explica Ali Laïdi, autor de Le droit, nouvel arme de guerre économique [O direito, nova arma de guerra econômica] (Actes Sud): “No resgate de 2015, havia o compromisso de criar mais 1.000 empregos pela GE Power na França. Pelo contrário, as partes compradas em 2015, assim como aquelas compradas em 1999, estão perdendo postos de trabalho”. A GE também levou uma multa de 50 milhões de euros do Estado francês pelo não cumprimento deste compromisso.
Além disso, não podemos ignorar o mantra do presidente Donald Trump America First e sua suposta estratégia industrial para repatriar o maior número possível de empregos aos Estados Unidos. “Os americanos transferiram uma parte dos modelos tradicionalmente fabricados nas usinas de Belfort para as fábricas de Greenville, Carolina do Sul”. Daí a preocupação dos trabalhadores e do governo francês de que esse plano social seja, na realidade, um plano de liquidação dissimulado. Essa preocupação é perfeitamente justificada, diz Ali Laïdi: “O que interessa à GE são os mercados e as tecnologias da Alstom. Agora, esses dois elementos pertencem a ela. Portanto, se os mercados se estreitam, qual será para eles o interesse em deixar essas atividades na Europa?”
Para realmente mensurar a dimensão política desta questão, devemos voltar à venda da parte energia da Alstom para a General Electric em 2015. “Ela não aconteceu nas condições costumeiras, anuncia imediatamente Ali Laïdi, pelo contrário”. A transação foi realizada enquanto paralelamente acusações contra os executivos da Alstom eram emitidas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Essas acusações estão relacionadas a fatos de corrupção nos mercados asiáticos. Elas resultaram em duas sentenças de prisão para Frédéric Pierucci, executivo da Alstom que passou mais de um ano nas prisões dos Estados Unidos. Essas ameaças diziam respeito ao CEO da Alstom Patrick Kron? “Mesmo que ele sempre tenha negado, todos os especialistas no assunto e um advogado na época contradizem sua versão”, lembra Ali Laïdi.
A compra da parte energia da Alstom pela General Electric é assinada em novembro de 2014 e um mês depois, a empresa francesa se declara culpada e é multada em mais de 700 milhões de dólares. Hoje, há fortes suspeitas de que a empresa norte-americana esteja envolvida na negociação de como a Alstom deveria pagar sua multa. As pressões exercidas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos teriam sido diretamente coordenadas com a negociação da aquisição pela GE.
Confrontado com o aparato estatal americano, há naturalmente o Estado francês. Este último não é acionista do capital da Alstom, mas, por se tratar de uma empresa estratégica, produzindo, em particular, turbinas submarinas nucleares, a venda deve ser autorizada pelo Ministério da Economia. Arnaud Montebourg é ministro em Bercy no início do processo e tenta sem sucesso impedir a aquisição pela GE. Ele é então substituído por Emmanuel Macron, que se recusa a interferir em uma transação na qual o Estado não é uma parte interessada, uma vez que não está na capital da Alstom.
No entanto, o deputado Olivier Marleix considera que a responsabilidade do atual Presidente da República remonta a antes mesmo de sua nomeação para Bercy. Durante um inquérito parlamentar iniciado em outubro de 2017, descobriu que como vice-secretário-geral de Élysée, Emmanuel Macron teria ordenado à empresa de consultoria norte-americana A.T. Kearney um estudo como parte de um “processo de emergência e com menção de sigilo” em outubro de 2012. Essa ordem mencionava o desejo de Bouygues, acionista majoritário da Alstom, de vender suas partes de capital. Emmanuel Macron teria, portanto, estado a par deste projeto de venda antes de Arnaud Montebourg, que já estava em Bercy, e não o teria informado.
Ainda assim, Olivier Marleix suspeita da existência de um “pacto de corrupção” entre o atual Presidente da República e alguns intermediários que teriam se beneficiado com a venda da Alstom e que se encontrariam entre os doadores e organizadores de jantares para arrecadação de fundos para o candidato do En Marche nas eleições presidenciais de 2017. De fato, o deputado LR de Eure-et-Loir estima em cerca de 300 milhões de euros a soma que teria sido paga aos intermediários (advogados, financiadores, agências de comunicação) pelas duas partes da transação.
Para Ali Laïdi, além da responsabilidade de Emmanuel Macron, está a de toda uma elite francesa que deve ser considerada: “devemos questionar todas as elites políticas, econômicas e financeiras francesas que estão totalmente desarmadas e desfavorecidas em face deste tipo de agressão econômica, porque é disso que se trata”.
Balanço do caso: um Estado norte-americano que coordena o seu Departamento de Justiça e um dos seus maiores industriais, a fim de recuperar uma indústria estratégica francesa, por um lado; por outro, um chefe industrial francês que cede às pressões e um aparelho de Estado que ou se faz de ingênuo ou busca a melhor maneira de tirar proveito da situação. Para se encontrar hoje com um interlocutor estadunidense que não respeita seus compromissos e pode empreender o desmantelamento total de um setor altamente estratégico.
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França. General Electric: um caso típico de guerra econômica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU