15 Mai 2019
Chega um agente da Digos (polícia especial italiana, NT) e fica de pernas abertas em cima do poço da eletricidade da Acea. "O padre entrou aqui?" Sem resposta. Olhares neutros. Na calçada: ocupantes brancos, italianos, idosos, ocupantes negros, alguns jovens ativistas, fotógrafos, o repórter de uma TV local. O agente coça a cabeça, acende um cigarro e tenta novamente. "Eu quero saber: o padre entrou aqui?" "Era um cardeal, não um padre", fala uma menininha, segurando sua Barbie. Contam que no sábado à noite o cardeal Konrad Krajewski, esmoleiro do Papa, entrou no poço para chegar à subestação elétrica, romper o lacre do medidor e religar a luz do prédio ocupado. Se for verdade, ele arriscou a pele. Se for verdade, ele cometeu um crime. A única coisa verdadeira, ele explicou ao Corriere, é que essas pessoas pobres não poderiam mais ficar sem eletricidade.
A reportagem é de Fabrizio Roncone, publicada por Corriere della Sera, 14-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quatrocentos e cinquenta pessoas dentro de um prédio de oito andares - mais dois subsolos - que foi a sede do INPDAP; 17 mil metros quadrados, um valor comercial de 50 milhões de euros, que permanecem fechados e abandonados por anos, o proprietário (Investire Sgr) que planeja vender imaginando a construção de um grande hotel de cinco estrelas: e, em vez disso, em 12 de outubro de 2013 os ativistas da Ation assaltam e ocupam, liderados pelo histórico Andrea Alzetta, conhecido como “Tarzan”, que leva consigo essa multidão de sem-teto, de desesperados, de esquecidos. Eles entram, se acomodam, se organizam.
Estamos na fronteira do centro histórico, na esquina da Via Statilia com a Via di Santa Croce in Gerusalemme, a basílica fica a trezentos metros de distância: o padre Gabriele imediatamente toma um quarto e começa a fazer seu trabalho como pastor; depois há uma freira laica, Adriana Domenici. É ela que, no outro dia, adverte a Santa Sé. Trezentos mil euros de contas a pagar, o proprietário pediu a Acea a cortar a energia, estamos no escuro e temos pacientes cardíacos, recém-nascidos, uma mulher ligada ao tubo de oxigênio, a água fria.
O esmoleiro polonês é um cara durão. Antes de entrar no bueiro, pediu para poder inspecionar o prédio. Os garotos da Action e da Spin Time Labs, a faceta lúdica dessa realidade ocupada, agora autorizam outra. A cena: o hall de entrada com uma escada que sobe, arquitetura dos anos 1960, paredes descascando pela umidade, bandeiras coloridas como na véspera de Ano Novo, uma visão clássica de um centro social.
À esquerda, a oficina de teatro e o escritório onde fornecem informações sobre pedidos de acomodações municipais. Mezanino: escritório de distribuição de alimentos e roupas e uma pequena sala onde, às segundas e quintas-feiras, prestam assistência médicos voluntários. Primeiro andar: os quartos que abrigaram os funcionários do Inpdap foram transformados em alojamentos. Em cada porta, um número e um nome. 10: Ewere, 12: Ononuy, 7: Enrico M. (mais o adesivo do lobo estilizada da Roma).
Banheiros coletivos: as instalações sanitárias parecem bastante limpas, mas há um tremendo mau cheiro ("O trágico resultado de uma semana sem eletricidade: as bombas hidráulicas alternativas, que montamos às nossas custas, pararam de funcionar", explica Adriano Cava).
Cozinhas comuns: fogões a gás ("Eu sei que é perigoso, mas é sempre melhor ficar aqui, do que na tenda onde eu estava com meus três filhos", conta Nerly C., 53, do Equador. "Estou preparando carne de panela com batatas: você quer ficar para almoçar com a gente?"
No corredor: secadores com roupas - duas máquinas de lavar em cada andar - e depois alguns triciclos, um ábaco, uma caixa com peças de Lego, duas bolas, o pôster de Eros Ramazzotti.
Dados soltos: cerca de metade dos ocupantes são de nacionalidade italiana (muitas mães solteiras, muitos idosos que, com a pensão mínima, já não conseguem mais pagar o aluguel); em seis anos de conturbada vida em comum entre todas as etnias presentes no planeta, exceto aborígines e esquimós, apenas um nigeriano que morreu de causas naturais e um suicida marroquino; cada um dos 170 núcleos familiares deposita uma contribuição mensal de 10 euros ("Dinheiro que depois investimos na administração do prédio", explica Giovanni Lamanna, responsável pelos eventos).
Pois então, os eventos: ocorrem nos dois andares do subsolo. Onde há uma espécie de pub, um teatro (montado na sala de congressos) e uma discoteca (antigamente ali que havia o gigantesco arquivo). Apresentam-se grupos como "Tetes the bois" e coletivos musicais como "La Roboterie", Myss Keta veio para cá realizar seu primeiro concerto romano, noites dançantes com Dj Lady Maru.
Em uma cidade sem espaços para experimentar, esses subsolos se tornaram uma fronteira alternativa e possível. Com as instalações desertas e os gigantescos alto-falantes desligados, não se consegue determinar o nível dos decibéis (mas não há vestígios de isolamento acústico), seria necessário um especialista para determinar se as saídas de emergência estão de acordo com as normas, e vamos esquecer o problema do álcool e das drogas, que também existe nos melhores clubes de Riccione ou Milão.
Da penumbra dos subsolos, se sai diretamente em uma calçada agora cheia das equipes de tv. A casa, diz um sujeito baixinho, com sotaque siciliano, é um direito que não deveria ser negado a nenhum ser humano. Então uma jornalista pergunta: tudo bem, e as contas? Quem vai pagá-las? Um cara se vira: você sabe como se chama o nosso melhor amigo? Francisco. Esse nome significa alguma coisa para você?
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“Só Francisco pensa na gente” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU