10 Mai 2019
Aimeé Vega Montiel, especialista em direitos humanos das mulheres, meios de comunicação e novas tecnologias, destaca a onda de denúncias contra os homens que abusaram sexualmente como a chance para impulsionar uma política pública integral.
A entrevista é de Sonia Santoro, publicada por Página/12, 07-05-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“É desejável que nenhuma mulher tenha que denunciar através das redes sociais porque o que fazem está evidenciando um vazio institucional na resposta às denúncias das vítimas”. Quem fala é Aimeé Vega Montiel, pesquisadora mexicana na Universidade Nacional Autônoma do México — UNAM, especialista em direitos humanos das mulheres, meios de comunicação e novas tecnologias. Nessa entrevista, desde o México, Vega Montiel analisa o ocorrido com a onda de denúncias desatadas em todo o país contra homens que abusaram sexualmente, conhecida como #MeTooMx. Explica o conceito legal de “boa-fé das vítimas” e enquadra ao movimento em “uma oportunidade histórica para impulsionar uma política pública integral que garantisse o acesso às mulheres à vida e à liberdade”.
Vega Montiel forma parte de um grupo muito amplo de mulheres feministas, ativistas, defensoras, artistas, jornalistas que diante à onda de ameaças contra as mulheres vítimas de violência que denunciaram por meio das redes sociais terem sido vítimas de abuso sexual – no marco do #MeTooMx –, se organizaram para impulsionar uma agenda em empurra às instituições do Estado, mas também do âmbito privado, a dar uma resposta às vítimas, a fim de que acessem à justiça.
#MeTooMx começou em 22 de março, quando uma comunicadora mexicana denunciou pela sua conta do Twitter que um escritor havia exercido violência sexual, psicológica, econômica e física a mais de dez mulheres. Esse tuíte viralizou de maneira muito rápida. Um dia depois foi criada a primeira conta #MeToo, #MeTooEscritoresMexicanos, por meio da qual dezenas de mulheres denunciaram ter sido vítimas de abusos e assédio sexual por parte de homens no âmbito literário. Deste campo se passou muito logo para outros cenários: cinema, jornalismo, academia, publicidade, entre outros.
Em 1º de abril, o músico Armando Vega Gil, um dos denunciados, se suicidou. Seu ato foi a desculpa perfeita que alguns setores encontraram para demonizar o movimento que veio colocar luz sobre as histórias mais conhecidas pelas mulheres de todos os tempos e das mais silenciadas: os relatos da violência sexual cotidiana e impune cometida por homens contra mulheres e crianças.
Te surpreendeu surgimento do #Metoo no México?
Eu não fiquei surpresa. Na verdade, muito antes de nosso país e dado o aumento alarmante de feminicídio e outros tipos de violência contra as mulheres, em 2016, houve um movimento muito importante com a hashtag #MiPrimerAcoso, cerca de 100 mil mulheres relataram ter sido vítimas de violência, de assédio sexual na infância e este é um antecedente muito importante que identificamos pelas redes sociais.
Havia cerca de 425 mil tweets de 23 de março a 4 de abril nas contas de relatórios do #MeTooMx. O que predomina nesses tuítes?
Foram registrados 424.867 tuítes de 230.578 usuários e usuários. Boa parte consistia em reclamações das vítimas. Os principais tipos de violência relatados são: abuso sexual, assédio, estupro, violência psicológica, econômica e física. E isso, obviamente, confirma a tese de Marcela Lagarde, quando ele aponta que a natureza estrutural da violência de gênero contra as mulheres também exige a reconhecer que a violência não é isolada, mas é na perpetração de um ato de violência sexual, por exemplo, contra uma mulher, a violência física, psicológica também é perpetrada, provavelmente também a violência econômica. Então é disso que as vítimas reclamam principalmente.
No entanto, preocupantemente, devemos dizer que boa parte desses tuítes consistiam em ameaças, incluindo de morte. Um grupo de homens abriu uma conta depois de 30 de março, que eles nomearam #MetooHombresMx, que foi suspenso, dado a quantia de denúncias contra eles, que instigavam o ódio e o assédio às mulheres. E o Twitter permitiu a abertura de uma segunda conta ligada àquela primeira, onde inclusive fazia o chamado para assassinar uma vítima, que supostamente denunciara Armando Vega Gil.
Alguns setores demonizaram o #Metoo após o suicídio de Vega Gil, que leitura você faz daquele episódio e as acusações recebidas?
Nós, esse coletivo de mulheres, preparamos uma declaração em que um dos objetivos principais era fazer esclarecimentos legais sobre alegações porque quando este músico comete suicídio vem uma onda de insultos, agressões, muitos meios de comunicação tomar esta bandeira e até começar a acusar e ameaçar as vítimas que serão questionadas criminalmente, levadas à cadeia por promover o suicídio deste sujeito por denunciar anonimamente. Depois, fizemos os esclarecimentos ligados: primeiro, com a legalidade da denúncia através das redes sociais; segundo, com a legitimidade desse movimento; terceiro, e este frente a argumento muito desafortunados que chamavam a defender a presunção de inocência dos envolvidos, nós mulheres recorremos a enquadramentos legais, em particular a Lei Geral de Vítimas no México que promove um elemento fundamental: a presunção de boa-fé a vítima.
Rapidamente organizaram o Forum MeTooMx, com que finalidade?
Chegamos logo à conclusão de que tínhamos que abrir um fórum em que, por um lado, se fizessem esclarecimentos de natureza jurídica, uma análise abrangente de mais de dez quadros legais foi feita, particularmente nos indicadores internacionais de monitoramento de nível de Belém do Pará, e rever a Lei Geral de Acesso às Mulheres a uma Vida Livre de Violências, a Lei Geral sobre as Vítimas, a Lei do Trabalho, todo o enquadramento penal. Com o objetivo de mostrar que instituições públicas e privadas - como, por exemplo, universidades privadas, empresas de mídia - há um número muito importante de queixas de mulheres jornalistas que foram vítimas de violência, abuso sexual, assédio em seus espaços de trabalho... Muitas dessas empresas saíram para dizer que não tinham protocolos para lidar com vítimas de violência e, portanto, não tinham ferramentas para poder dar uma resposta. Então, o que mostramos é que esse arcabouço legal atual também opera para a esfera privada. Em segundo lugar, apresentamos dados derivados desses relatos da #MeToo para mostrar a natureza institucional e não excepcional da violência contra as mulheres.
O que de novidade essas denúncias aportam?
É mostrar o caráter estrutural da violência. Foi tão massiva a resposta, tão inesperada... Um caso muito eloquente é o do #MeTooActivistas que denunciam alguns defensores de direitos humanos do país, e obviamente, o que visibilizam é que ainda nos espaços que se dizem mais progressistas também há uma marcada desigualdade entre mulheres e homens.
O pronunciamento do fórum exige às autoridades que hoje deem conta das medidas que vão tomar frente à violência de gênero contra as mulheres. Está havendo algum tipo de resposta?
Nós fazemos exigência a treze instituições e até agora as únicas autoridades que respondem foram as da Cidade do México, em particular a Procuradoria, a Secretaria da Mulher, a própria Comissão de Direitos Humanos da Cidade do México, foi a que abrigou esse fórum. Porém pensamos que é um bom início. Nos mencionamos no fórum, esta é uma oportunidade histórica que não devemos desperdiçar, para impulsionar uma política pública integral que garanta o acesso das mulheres à vida e à liberdade.
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O #MetooMx é uma oportunidade histórica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU